- Valor Econômico
Mais fácil uma via autoritária do que uma
terceira via
O brasileiro que busca saídas à polarização
entre Lula (PT) e Bolsonaro (sem partido) está desnorteado. O voto nulo ou em
branco hoje seria o campeão de preferência para a parcela “nem-nem” do
eleitorado. Há quem se entusiasme com o primeiro candidato - ou arremedo dele -
que vier pela frente. A turma do MBL leva a sério lançar um comediante à
Presidência num momento em que o país vive uma tragédia e chora com os quase
500 mil mortos pela pandemia, depois da escolha de 2018.
Com o avanço bem-sucedido de Bolsonaro em
cooptar os militares para seu projeto de poder, como ficou mais evidente ontem,
é mais provável, contudo, o Brasil deparar-se com uma via autoritária do que
encontrar a sonhada terceira via. A oposição está dividida e desavisada.
Bastou o Novo dizer que seu ex-presidente e
fundador da sigla aceitou concorrer ao Planalto, nesta semana, para se criar
uma expectativa entre os setores liberais, talvez o segmento mais órfão de
alternativa. O nome de Amoêdo começou a circular naquela conversação social
típica e mais afeita à época de campanha.
Não que faltem - ou tenha faltado - opções.
O próprio empresário foi uma delas na disputa de 2018, quando, no entanto, o
surto bolsonarista prevaleceu. Para 2022, a maioria do eleitorado, ao que
parece, não está muito disposta a novas experiências. Não é que se careça de
uma terceira via. Há várias sugeridas, apresentadas e articuladas, como num
sistema de falsas prévias.
Muito tempo antes do ano eleitoral, os pretendentes desfilam seus atributos e ficam na vitrine como modelos à espera de compradores. Mas permanecem ali, mesmo quando as perspectivas não são animadoras. Num sistema bipartidário, como o norte-americano, a maioria já teria desistido diante da escassez de apoio. De certo modo, é o que vai acontecendo.
Quem já teve o seu “momentum” e foi objeto
de consumo, como Sergio Moro (sem partido), deixou de ser cogitado, salvo
engano, até por ele mesmo. Expelido do bolsonarismo como traidor, o ex-juiz
partiu para advogar em escritório que defende a Odebrecht, alvo dele na
Lava-Jato. O simbolismo do propalado herói anticorrupção se desfez, para além
da parcialidade nos processos contra Lula, declarada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF).
Na pesquisa Datafolha divulgada no mês
passado, nenhum dos seis pré-candidatos de terceira via obteve um índice de
intenção de voto superior ao grupo dos 9% que dizem que votarão em branco ou
nulo. Moro obteve apenas 7%, enquanto Ciro Gomes (PDT) ficou com 6%; Luciano
Huck (sem partido), com 4%; João Doria (PSDB), com 3%; além de Luiz Henrique
Mandetta (DEM) e Amoêdo, ambos com 2%.
Todos eles somados com os votos nulos e em
branco, mais os 4% que afirmaram não saber em quem votar, dão 37% - um empate
técnico, no limite da margem de erro, com os 41% de Lula. Retirando o não voto,
os seis juntos empatariam com os 23% de Bolsonaro.
Os resultados foram um desalento para o
grupo e jogaram, de vez, um balde de água fria no caldeirão que Huck vinha
preparando, sempre em fogo brando. Desde 2017, o apresentador se aproximou de
conselheiros na política, criou equipes de trabalho mas nunca mergulhou de
fato, por medo dos ataques inerentes ao jogo pesado da corrida presidencial.
Sua retirada do páreo já está programada, com a renovação do contrato para
assumir o reinado dos domingos da TV Globo, após quase 33 anos comandados pelo
apresentador Fausto Silva.
Ao contrário de Huck, Doria é aquele que
aproveita todas as oportunidades para se fazer presente. Durante a pandemia,
encarou o papel de antagonista-mor de Bolsonaro no campo conservador assim como
Ciro está para Lula no arco progressista. Tanto um quanto outro, porém, se
mostram sem tração diante de adversários mais bem postados e com eleitorados
fidelizados.
A terceira via tem um desafio sem tamanho
quando um grupo de cinco pedreiros que fazem a reforma de um apartamento em São
Paulo - todos eleitores de Bolsonaro em 2018 - se dizem arrependidos,
indignados, e declaram que vão de Lula em 2022, “com toda certeza, patrão”.
Por enquanto, o pêndulo dos votos tende a
descer da extrema-direita diretamente para a esquerda, sem parar pela direita
moderada ou pelo centro. Segundos turnos costumam eleger quem será governo e
oposição. E o PT mais uma vez se beneficia do papel central que ocupa desde
1989. Em oito eleições presidenciais, ganhou quatro e ficou na segunda posição
em outras quatro.
O padrão de competição à Presidência, que
se imaginava ser PT x PSDB, se mostrou, no fundo, uma lógica baseada no “PT
versus todos”. É verdade que o clima de opinião, depois do atual desgoverno,
está mais para todos contra Bolsonaro, como aponta o desempenho do presidente
nas simulações de segundo turno do Datafolha. Mas a chance da terceira via
reside justamente em retomar o padrão anterior. Ou seja, romper a barreira de
entrada bolsonarista no primeiro turno e contar com a rejeição ao PT na segunda
etapa.
A falta da terceira via, por outro lado,
também é ausência de partido à altura, de uma agremiação forte e razoavelmente
coesa, como o PSDB deixou de ser. Doria hoje é incapaz de unir os tucanos e
repele de sua órbita o DEM, um ex-aliado preferencial que agora aposta em
Mandetta. Não é mera coincidência o fato de que entre os supostos concorrentes
de Lula - além da parceria em frangalhos entre PSDB-DEM - estejam três
adversários sem partido (Bolsonaro, Moro e Huck) e o representante de uma sigla
neófita e diminuta (Amoêdo).
Para derrotar o PT, Bolsonaro se filiará,
cartorialmente, ao Patriota, mas é com o controle do Partido Militar - o qual
lhe deu ontem um sinal de rendição - que espera permanecer no poder. O
autoritarismo pretoriano é sua via preferencial.
Causa extrema preocupação a decisão do comandante-geral do Exército, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, de se dobrar a Bolsonaro, deixando de punir o ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, por participar de ato político, no Rio, ao lado do presidente. A capitulação escancara as portas da anarquia militar e da politização dos quartéis. De tanto falar em “meu Exército”, Bolsonaro coopta a instituição. Quem disse que o Brasil viraria uma Venezuela?
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