- O Estado de S. Paulo
Presidente está mais uma vez afrontando o estabelecimento militar; da última vez que o fez, há 30 anos, acabou defenestrado
Acomodar foi a solução encontrada pelos
generais palacianos para acabar com a crise, ainda mais depois que Jair Bolsonaro deixou claro que
não permitiria a punição do general e amigo, Eduardo Pazuello. Nomeou-se o
transgressor para a Secretaria de Assuntos Estratégicos a fim de que tudo se
resolvesse. Tiraram o problema do quartel e o devolveram para o lugar de onde
nunca devia ter saído: o Planalto. Essa é a lógica que se esconde por trás da
lacônica nota do Comando do Exército, como se ela encerrasse o caso criado pela
presença do general da ativa no palanque do presidente.
A solução imposta ao Exército pretendia retirar o bode de uma sala e colocá-lo em outra. O Alto Comando do Exército (ACE) não desejava mais a companhia de Pazuello. Ele não tinha mais condição de comandar. E Bolsonaro avisava que não o queria punido. Parte do ACE defendia a punição. O presidente ameaçava. Destituíra Edson Leal Pujol do comando da Força. E podia fazer de novo: manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Mas a vitória de Bolsonaro é uma vitória de Pirro. É que Bolsonaro venceu a batalha, mas arrisca perder seu Exército. Brigar por Pazuello, que hoje não é capaz de pôr em forma dois recrutas num quartel, pode não ter sido a decisão mais apropriada. O presidente escandaliza os soldados profissionais que se mantêm em silêncio, mas que se manifestam dentro da cadeia de comando. Na quarta-feira, 2, um oficial general ouvido pelo Estadão disse que quem conhece a história não repete o erro. Referia-se ao presidente João Goulart, que flertou com a anarquia militar. As ameaças a Bolsonaro, por enquanto, são veladas. Mas ele está mais uma vez afrontando o estabelecimento militar. Da última vez que o fez, há 30 anos, acabou defenestrado.
Quem pagará o preço da solução imposta por
Bolsonaro e aceita pelo comandante do Exército, general Paulo Sérgio de Oliveira?
Primeiro, o contribuinte, que terá de arcar com R$ 16 mil do salário da nova
função do general; depois, o Exército, que verá sua imparcialidade, isenção e
neutralidade questionadas pelas forças políticas de oposição. E, por fim, o
País, que pode ser mergulhado em uma campanha eleitoral em 2022 em que
militares da ativa se sentirão autorizados a intervir como militantes.
Bolsonaristas defendiam desde a semana passada que Pazuello não fizera nada de
mais. Tentava-se empurrar ao País, segundo os críticos, mais uma impostura: o
comício no Aterro do Flamengo não era uma reunião partidária. “Aceitar Pazuello
sem punição, é aceitar um golpe branco, abrindo as portas para a quebra de
hierarquia, cujas consequências são imprevisíveis”, disse o professor Paulo
Cunha, da Unesp, autor do livro Militares e Militância.
Até março, o ministro Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e o general Leal Pujol afirmavam que as Forças Armadas eram instituições de Estado. No primeiro grande teste, seu substituto na Pasta, Walter Braga Netto, e Paulo Sérgio falharam para demonstrar essa verdade. O tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar, disse que Pazuello cometera transgressão disciplinar. “Se aceitar isso, acaba a disciplina nas Forças Armadas.” Sem a punição, como o Exército pode punir o sargento Luan Ferreira de Freitas Rocha, que participou de live do deputado Major Vítor Hugo (PSL-GO), fez reclamações salariais e conclamou os camaradas a participar do movimento? Quando o Duque d’Enghien foi morto a mando de Napoleão Bonaparte, um de seus ministros, vendo que a ação ia pôr contra o imperador as monarquias europeias, disse: “É pior do que um crime; é um erro”. Duzentos anos depois, a frase se aplica à decisão de absolver Pazuello.
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