- O Globo
Se havia alguma dúvida sobre a posição do
Exército em relação a Jair Bolsonaro, foi eliminada na tarde desta
quinta-feira. Com a decisão de não punir o general Eduardo Pazuello por
ter subido ao palanque de um ato de apoio ao presidente, no Rio de Janeiro, o
comandante da principal força militar do país demonstra que os generais,
afinal, não são capazes de conter o capitão.
Os regulamentos militares são claríssimos
ao proibir a participação de oficiais da ativa em "manifestações
coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório
ou político.” Portanto, ao consignar em nota oficial que "não restou
caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general
Pazuello", o comando do Exército passa algumas mensagens à própria tropa e
à sociedade brasileira.
Ao Brasil, que não espere do Exército nenhum
esforço de proteção à ordem democrática ou ao estado de direito se, do outro
lado, forçando os limites, estiver Jair Bolsonaro. Se não foi capaz de
contê-lo nem para proteger um pilar básico da força, o respeito a hierarquia e
aos códigos militares; se aceitou se humilhar diante do presidente num impasse
em que tinha a seu favor uma regra cristalina e inequívoca, não há por que
supor que o comandante terá força para fazê-lo quando estiver em jogo alguma
questão politicamente difusa, do tipo que se justifica pelas narrativas
delirantes de Bolsonaro.
À tropa, o recado é claro. Cabos, soldados, majores, tenentes, coronéis, estão todos liberados para fazer reivindicações salariais, contestar as regras do comando ou mandar às favas o regulamento disciplinar do Exército. A partir de agora é lícito pensar que, se Pazuello pode, eles também podem. As pilhas de processos disciplinares que se acumulam nas mesas dos comandantes podem ser arquivadas ou jogadas no lixo, porque a partir de agora existe uma nova regra: quem tem costas quentes pode promover a anarquia, que está tudo bem.
Era público e notório que Bolsonaro não
aceitava nenhuma punição para Pazuello. E bancou a aposta ao nomeá-lo para um
cargo no Palácio do Planalto.
Em reação a esses movimentos, há dias
generais de vários segmentos vinham procurando a imprensa, diretamente ou por
meio de interlocutores, para dizer que não havia hipótese de Pazuello não ser
punido. Podia até ser uma punição branda. O que não podia era acabar tudo em
"pizza", como se apostava entre os recrutas.
Mas as poucas informações que vazaram sobre
a reunião do Alto Comando do Exército, na última quarta-feira, já indicavam que
o desfecho do caso seria diferente. Quando um integrante do Alto Comando disse
à repórter Jussara Soares que a decisão do comandante seria acatada por
todos como uma “decisão do Exército, independentemente da posição pessoal de
cada um”, estava claro que os generais entendiam que teriam de se dobrar à
vontade de Bolsonaro.
Agora, não vai faltar quem se apresse a
enviar a imprensa recados na direção contrária. Vão dizer que Bolsonaro é, em
última instância, o comandante máximo das Forças Armadas. Dirão ainda que, se
ele decidisse revogar a decisão de Paulo Sérgio, o prejuízo à imagem do
Exército seria ainda maior.
Tudo balela.
O Exército já desafiou a autoridade de
outros presidentes para se preservar, quando achou conveniente. Quando Dilma
Rousseff exigiu uma punição para o então general Hamilton Mourão, que em 2015
convocou militares para um "despertar patriótico" e para a
mudança do status quo, o comandante, general Villas Boas, negociou uma espécie
de punição branca e transferiu Mourão de um comando militar para um setor
burocrático, sem tropas. Em 2017, quando Mourão novamente desafiou os
militares a resolver "o problema político" do país, o presidente da República
era Michel Temer, e não houve nenhuma punição.
Um Exército que não obedece a um comando
único, em que cada um faz o que quer, já entra na guerra derrotado. Um Exército
em que oficiais priorizam interesses políticos e pessoais em detrimento do todo
não serve mais ao país. Transforma-se em partido político. E, armado,
facilmente transmuta-se em milícia.
Em última instância, é esse o preocupante
sinal enviado ao Brasil pelo desfecho do caso Pazuello. Depois de entrar no
governo, o Exército vai se transformando em partido. A continuar assim, o
próximo passo é se transformar em milícia.
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