EDITORIAIS
A população já entendeu
O Estado de S. Paulo
No ano passado, Bolsonaro disse que acabou com a Lava Jato porque não havia mais corrupção. A realidade é diferente
Desde que assumiu a Presidência da
República, Jair Bolsonaro tem feito afirmações contundentes a respeito da
inexistência de corrupção no governo federal. Diz não apenas que extinguiu os
malfeitos, mas que a alegada probidade deu folga para os órgãos de controle.
“Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”, disse
Bolsonaro em outubro do ano passado.
Parece, no entanto, que as afirmações de
Jair Bolsonaro não contavam com o sistema de freios e contrapesos, próprio de
um Estado Democrático de Direito. Com três meses de CPI da Pandemia, apareceram
escândalos envolvendo a negociação e a compra de vacinas contra a covid. E a
população já entendeu que a realidade é um pouco diferente daquela defendida
repetidamente por Jair Bolsonaro.
Segundo pesquisa do Instituto Datafolha,
70% dos brasileiros acreditam que há corrupção no governo Bolsonaro.
Questionados sobre o Ministério da Saúde – aquele no qual o presidente Jair
Bolsonaro trocou duas vezes a chefia até encontrar alguém que o obedecesse
cegamente –, 63% dos entrevistados afirmaram acreditar que existe corrupção na
pasta.
Além disso, a percepção da maioria da população não é a de que o presidente da República estava alheio à corrupção. Para 64% dos entrevistados, Jair Bolsonaro sabia dos malfeitos praticados dentro do Ministério da Saúde. Apenas 25% disseram acreditar na tese, também utilizada por Luiz Inácio Lula da Silva, de que o presidente da República não sabia de nada.
O assunto está sendo agora investigado
oficialmente. Após notícia-crime apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF)
por três senadores, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou e a Polícia
Federal abriu inquérito para investigar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu
crime de prevaricação no episódio escandaloso da compra da vacina indiana
Covaxin pelo Ministério da Saúde.
É estranho, no entanto, que, a despeito do
discurso sobre a inexistência de mau uso de verbas públicas em seu governo,
Jair Bolsonaro reitere os motivos para duvidar da alegada lisura. No sábado
passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro foi a Porto Alegre participar de
uma motociata em defesa de sua reeleição. Obviamente, a movimentação de Jair
Bolsonaro para sua campanha de 2022 tem custos, que não podem ser financiados
com recursos da Presidência da República.
Desde que Lula tentou usar a máquina
pública para a reeleição, a Justiça Eleitoral tem afirmado que gastos de
campanha devem ser financiados pelo partido do candidato, e não pelos cofres
públicos. Por exemplo, se o presidente da República vai a um evento de
campanha, o combustível da aeronave deve ser pago por quem financia sua
campanha, e não pelos recursos federais. Quem pagou a viagem de Jair Bolsonaro
a Porto Alegre e todos os demais gastos envolvidos?
Com a ajuda da CPI da Pandemia, a cada dia
que passa é mais fácil entender por que o governo federal se opôs o quanto pôde
à sua instauração. E mais de dois terços da população entenderam que o discurso
sobre corrupção é um e a realidade, outra. Quem não entendeu até agora o que se
passa foi o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
Depois da divulgação de pesquisa do
Instituto Datafolha indicando que a maioria dos brasileiros é favorável ao impeachment
de Jair Bolsonaro, Arthur Lira reiterou sua posição de aliado do Palácio do
Planalto. “Não temos condição de um impeachment para esse momento. O Brasil não
deve se acostumar a desestabilizar a política em cada eleição”, disse o
presidente da Câmara no sábado passado.
Não é o impeachment que desestabiliza a
política. No caso, o impeachment é para tirar quem vem desestabilizando não
apenas a política, mas as próprias eleições de 2022, com ameaças e chantagens.
Antes, alguém podia pensar que toda a confusão do bolsonarismo era para
esconder a incompetência de Jair Bolsonaro ou para consagrar alguma estranha
ideologia, que tenta de todos os modos atrapalhar o próprio governo. Agora, no
entanto, a maioria da população já entendeu que existem outros motivos para
ameaçar as eleições.
Clamor pela liberdade
O Estado de S. Paulo
Cedo ou tarde, cubanos retomarão o direito de definir livremente o destino de seu país
Fazia 27 anos que as ruas de diversas
cidades de Cuba não ficavam tão cheias de cidadãos clamando por liberdade na
ilha subjugada por uma feroz ditadura. No domingo passado, centenas de pessoas
saíram às ruas da pequena cidade de San Antonio de los Baños, a 33 km da
capital, Havana, para protestar contra os recorrentes “apagões” de energia e
para exigir que o regime do ditador Miguel Díaz-canel amplie a claudicante
vacinação da população contra a covid-19. A última vez que tantos cubanos
sobrepuseram o desejo de liberdade ao medo foi em agosto de 1994, durante a
manifestação que ficou conhecida como “maleconazo”, em referência a El Malecón,
a orla de Havana. Foi o primeiro levante popular contra a ditadura instalada
por Fidel Castro em 1959.
Quando imagens do protesto em San Antonio
de los Baños furaram o controle estatal e foram publicadas nas redes sociais,
milhares de cubanos em outras cidades se uniram aos protestos, que logo
ganharam em escala e em diversificação da agenda de reivindicações. Nas cidades
de Güira de Melena e Alquízar, na província de Artemisa, Palma Soriano, em
Santiago de Cuba, e em Havana, cubanos gritaram por “Liberdade!”, “Pátria e
vida”, “Abaixo a ditadura”. “Não temos medo”, bradavam os manifestantes.
Acossado pelo inédito protesto, Díaz-canel
fez o que ditadores fazem: ordenou uma feroz repressão aos manifestantes. E não
só empreendida pelas forças especiais, leais ao regime, mas também por seus
apoiadores, estimulando uma batalha campal fratricida pelas ruas do país
caribenho. Em pronunciamento à TV na noite de domingo, Díaz-canel,
evidentemente, acusou o governo dos Estados Unidos de estar por trás da
organização dos protestos e exortou seus partidários a “defender o governo com
suas vidas”. “A ordem está dada. Às ruas, revolucionários”, disse o presidente,
após afirmar que em Cuba “nenhum verme ou contrarrevolucionário dominará as
ruas”. É este o país que, para muitos no Brasil, serviu de paradigma de
democracia e eficiência estatal nas Américas.
É muito cedo, claro, para determinar quais
serão os desdobramentos dos protestos do último fim de semana, que, entre
outras demandas, clamaram por mudanças políticas em Cuba. A dura reação do
governo central, no entanto, indica a que ponto a ditadura teme as
manifestações, que têm potencial para produzir alguma mudança na ilha, por
menor que seja.
“Chegou o dia em que o povo cubano se
levantou. Está muito claro o que os cubanos querem, que termine este regime”,
disse Orlando Gutiérrez, da Assembleia de Resistência Cubana. O governo dos
Estados Unidos, por sua vez, se apressou em refutar as acusações de que estaria
envolvido na organização dos protestos. “Os protestos crescem em Cuba à medida
que o povo cubano exerce o seu direito de expressar preocupação com o aumento
do número de casos e mortes por covid-19 no país”, disse Julie Chung,
subsecretária de Estado. No sábado anterior à irrupção dos protestos, Cuba
registrou o terceiro dia consecutivo de recordes no número de casos (6.923) e
de mortes em decorrência da doença (47).
Buscar culpados externos para males
domésticos é artifício típico de ditadores e populistas. É mais fácil para
Díaz-canel disseminar velhas teorias conspirativas envolvendo os eternos
inimigos americanos ou culpar o embargo econômico imposto à ilha pelos Estados
Unidos do que admitir as próprias falhas do regime em atender às necessidades
mais prementes dos cubanos. Ditadores se têm como infalíveis por natureza.
Logo, se o povo cubano é privado de liberdade, de comida, de vacinas, de
energia elétrica, de medicamentos, entre outros bens essenciais a uma vida
digna, a causa só pode ser externa.
Os protestos em Cuba, como dito, podem
provocar mudanças significativas na ilha ou não passar de um suspiro por liberdade,
logo sufocado. O tempo vai dizer. Fato é que não há regime autoritário o
bastante para calar a voz de um povo por tanto tempo. Mais cedo ou mais tarde,
os cubanos farão valer o direito de determinar livremente o destino que querem
para seu país.
A hora da responsabilidade social
O Estado de S. Paulo
Em boa hora, o Senado vai discutir o projeto de Lei de Responsabilidade Social
Em todo o mundo a pandemia despertou o
debate sobre o papel do Estado na proteção aos vulneráveis e no incentivo à sua
autonomia. Isso num momento em que as transformações tecnológicas criam
modalidades de trabalho descobertas pelas proteções vinculadas ao emprego
assalariado. No Brasil, a questão é premente, porque após a recessão dos anos
2014-16, a informalidade aumentou. Os desafios implicados nas políticas
públicas para os mais vulneráveis foram tema de um seminário promovido pelo
Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV em parceria com o Estado.
Pelos cálculos de Daniel Duque, do Ibre, no
fim de 2019, 21% da população (44,5 milhões de brasileiros) vivia abaixo da
linha de pobreza de US$ 5,50 por dia. Em 2020, o auxílio emergencial reduziu
temporariamente esse montante para 18,3%. Mas, sem a transferência de renda,
estima-se que a proporção tenha saltado para 29,5%: ou seja, quase 18 milhões
de brasileiros caíram na pobreza.
A pressão pela requalificação dos programas
sociais parece irrefreável. O governo chegou a ensaiar dois programas – o Renda
Brasil e o Renda Cidadã – que oscilaram entre inócuos e insustentáveis. O
Supremo Tribunal Federal acaba de determinar a obrigação do Executivo de
submeter ao Parlamento um programa de renda básica previsto numa lei aprovada
há 17 anos que nunca saiu do papel. O Senado decidiu pautar a discussão do
projeto de Lei de Responsabilidade Social.
O Brasil tem alguns bons modelos de
transferência de renda. Segundo Luis Henrique Paiva, do Ipea, o Bolsa Família
pode ser aprimorado, por exemplo, com critérios de reajustes que o defendam da
inflação e com medidas que eliminem as filas. Mas Paiva e os participantes do
seminário apontaram unanimemente diversas avaliações que comprovam a eficácia
do programa.
Mas, aparte os casos de sucesso, há muitas
insuficiências. Manoel Pires, do Ibre, apontou a carência de políticas de
capacitação, treinamento e inclusão produtiva. Menos de 1% do Fundo de Amparo
ao Trabalhador, por exemplo, é empregado nesse tipo de ação. Pires destacou
ainda a importância de programas de inclusão digital.
Além das falhas estruturais, há desafios
conjunturais. Historicamente, as redes de proteção estão atreladas à
contribuição dos trabalhadores formais. Mas a revolução digital, acelerada pela
pandemia, está expandindo modalidades informais e autônomas. A estrutura
previdenciária, por exemplo, financiada por taxas compulsórias sobre as folhas
de pagamento, precisará ser não apenas reajustada, mas reformulada. Será ainda
incontornável pensar em formas mais amplas de proteção, como, por exemplo, um
seguro para trabalhadores informais.
O problema do financiamento é
particularmente pertinente ante as pressões fiscais e a perspectiva de uma
Reforma Tributária. Como destacou Fernando Veloso, do Ibre, subsídios
excessivos, exceções no pagamento de impostos ou má tributação de dividendos são
alguns pontos que precisam ser repensados se se quiser dar sustentabilidade às
políticas sociais. Fontes sem impacto fiscal, como o remanejamento de emendas
parlamentares, também deveriam ser consideradas.
Outra questão é a equação entre prestações
universais e focalizadas. Como apontou Paiva, um benefício igual para todos os
brasileiros seria fatalmente baixo demais, prejudicando os mais pobres. Não se
pode renunciar a algum tipo de focalização, ainda que os nichos focados possam
receber benefícios universais. A pobreza das crianças no Brasil, por exemplo, é
o dobro da média da população e 10 vezes maior que a registrada entre os
idosos. Nesse sentido, uma renda básica para crianças poderia ser eficaz no
combate à pobreza.
Neste momento, a base mais qualificada para um debate construtivo é o projeto de Lei de Responsabilidade Social. Em tese, o projeto combina sustentabilidade fiscal com ações diferenciadas de transferência de renda para os miseráveis, seguridade contra a volatilidade de renda e emprego para os trabalhadores pobres, estímulo à emancipação econômica e promoção de oportunidades para os jovens. Em boa hora o Senado colocará o projeto no foco de suas deliberações.
Telhados de vidro
Folha de S. Paulo
Datafolha mostra Bolsonaro associado à
corrupção, tema indigesto para oponentes
A mais recente pesquisa nacional do
Datafolha dimensionou o estrago
que as denúncias de corrupção no Ministério da Saúde fizeram a Jair Bolsonaro,
eleito com uma pretensa plataforma de combate à impunidade na vida pública.
Pretensa, é sempre bom ressalvar, já que
falamos do líder de um clã envolvido com práticas nebulosas, como “rachadinhas”,
cheques mal explicados e milícias. No poder, Bolsonaro esqueceu rapidamente o
que pregava.
Livrou-se do ícone maior da Lava Jato,
Sergio Moro, e depois da própria operação, patrocinando a volta da figura do
procurador-geral da República aliado ao Planalto.
Em nome de evitar o risco de um
impeachment, apoiou a tomada do Congresso pelo centrão, que apenas está
começando sua jornada com propostas como a por ora barrada PEC da Impunidade.
Tudo isso, contudo, pode parecer algo um
tanto abstrato para a população. Suspeita de roubo em negociação com vacinas,
não. Com a tragédia da pandemia e a revelação de desmandos por imprensa e CPI
da Covid, a credibilidade do moralismo bolsonarista ruiu.
O Datafolha aferiu que 70% dos brasileiros
acham que há corrupção no governo. Para 63%, ocorrem malfeitos na Saúde; para
64%, o presidente soube de tudo isso.
Não deveria surpreender, dada a vulgaridade
com que o mandatário respondeu ao questionamento da CPI acerca do relato do
deputado Luis Miranda (DEM-DF) —o parlamentar disse ter ouvido de Bolsonaro que
os “rolos” da Saúde eram assunto do líder do governo na Câmara; o presidente
não levou o caso à Polícia Federal e será investigado por prevaricação.
Os últimos anos foram de declínio
institucional do chamado lava-jatismo, que teve início com a descoberta de um
esquema gigantesco de desvios na administração petista e contribuiu para o
descrédito geral do mundo político.
Assim, apesar da percepção negativa que
ajuda a piorar sua avaliação, Bolsonaro conta com adversários cujos telhados
envidraçados são tão ou mais vistosos quanto o seu —ainda que o dano a quem
está no poder sempre seja maior.
Não constitui novidade que o PT, mesmo com
as decisões judiciais recentes favoráveis a Luiz Inácio Lula da Silva, queira evitar
tratar do assunto no seu planejamento para a campanha de 2022.
No passado, a legenda também usou o
discurso anticorrupção de forma demagógica, como arma para a conquista do poder
—e é bom que isso seja reconhecido hoje.
Uma abordagem mais madura do tema não pode se confundir, porém, com a leniência. Há fortes incentivos para tanto entre as principais forças políticas, na situação e na oposição.
A ordem dos fatores
Folha de S. Paulo
Governador gay ou gay governador, gesto de
Leite ajuda a derrubar preconceitos
Há poucos dias, o governador do Rio Grande
do Sul, Eduardo Leite (PSDB), declarou-se
homossexual. A afirmação tem gerado reações variadas —inclusive
porque Leite, além de nome ventilado para concorrer à Presidência em 2022, na
faixa da chamada terceira via, apoiou o candidato Jair Bolsonaro no segundo
turno do pleito de 2018.
Críticos à esquerda, ligados ou não à
militância LGBTQIA+, viram no anúncio do tucano uma espécie de manobra
midiática para torná-lo mais palatável a setores liberais do eleitorado. O
governador estaria, por esse ponto de vista, sendo oportunista ao revelar o que
seria um segredo de polichinelo.
Além disso, a adesão ao notório homofóbico
Bolsonaro seria prova de hipocrisia ou descompromisso com a agenda de direitos
dos homossexuais. O fato de Leite ter estabelecido distinção entre ser um
governador gay e um gay governador também contribuiu para questionamentos sobre
até que ponto ele se engajaria em tais demandas.
Esse tipo de crítica, muitas vezes em tom
sectário e ressentido, não foi bastante para acobertar o gesto corajoso e
significativo do político, que mereceu amplos elogios.
Num ambiente ainda contaminado por
preconceitos e mesmo ameaças de agressões, um ocupante de cargo tão proeminente
vir a público assumir sua homossexualidade é motivo de aplauso.
O episódio convida a uma reflexão menos
acalorada sobre a relação entre orientação sexual e opções
político-ideológicas.
A aproximação nas últimas décadas de
movimentos identitários com a esquerda e a explicitação de uma pauta homofóbica
por áreas radicais de direita acabaram por reforçar uma divisão que, na
realidade, não é tão esquemática.
Pesquisa Datafolha de 2018 mostrou que
expressivos 29% dos eleitores que se diziam gays tinham a intenção de votar em
Bolsonaro.
Muitos indivíduos LGBTQIA+ são favoráveis a
valores não associados aos programas de esquerda e consideram mais relevantes
certas pautas, como o combate à corrupção, do que a interferência do Estado em
questões sexuais e de gênero. Não é demais lembrar, também, que diversos
regimes de esquerda perseguiram homossexuais.
A despeito de atritos e contradições, o mundo assiste a um alvissareiro avanço no reconhecimento dos direitos da comunidade LGBTQIA+, para o qual atos de transparência, como o do governador gaúcho, sem dúvida contribuem.
O Globo
Aprovar ‘distritão’ levaria políticos a
arrependimento
Os políticos não parecem ter noção de que o
distritão não é ruim apenas para a sociedade ou para a representação
democrática
Ninguém ignora que o sistema eleitoral
conhecido por “distritão” é péssimo. Foi o último colocado numa enquete
realizada anos atrás com 169 cientistas políticos para avaliar o melhor método
para escolher representantes. Parece, contudo, que tem se tornado o preferido
dos parlamentares brasileiros, que ensaiam levá-lo mais uma vez a votação numa
proposta de reforma política, apesar de já ter sido derrotado em plenário em
2015 e 2017.
Pelo distritão — tecnicamente chamado “voto
único não transferível” —, seriam eleitos em cada estado simplesmente os
deputados mais votados, sem levar em conta a votação dos demais ou o total das
legendas (todos esses votos seriam jogados fora). Além de ser o sistema que
mais desperdiça a preferência do eleitor, favorece candidaturas de líderes
religiosos, esportistas, youtubers e celebridades conhecidas não exatamente
pela atuação política. Enfraquece os partidos e torna as eleições ainda mais
personalistas.
Não é o tipo de argumento que tem
sensibilizado os parlamentares brasileiros. Partidos nanicos, ameaçados pela
cláusula de barreira imposta na última reforma política, veem a ideia de atrair
celebridades como salvação. Mesmo nos partidos tradicionais tem crescido o
apoio ao desatino (um levantamento detectou que 25 dos 32 deputados tucanos
apoiam o distritão).
Os políticos não parecem ter noção de que o
distritão não é ruim apenas para a sociedade ou para a representação
democrática. Também é, nas palavras do cientista político Jairo Nicolau, “uma
péssima opção para a maioria dos políticos brasileiros”. Em artigo no site do
GLOBO, Nicolau elencou três argumentos em defesa dessa visão.
Primeiro, os deputados estão equivocados ao
usar simulações de eleições anteriores como evidência de que estariam eleitos
caso o distritão fosse adotado. O aumento na competição atrairia à corrida
nomes hoje fora da vida partidária. “Basta se filiar a um partido, se inscrever
para disputar as eleições e pronto”, diz Nicolau. “O acesso fica mais simples
para lideranças religiosas, empresários, personalidades do mundo digital e
líderes de todo tipo de organização. O incentivo para que políticos locais
tentem a sorte na eleição para deputado também aumenta.”
Segundo, fica impossível para um deputado
menos votado se beneficiar dos votos dados aos colegas mais populares de seu
partido ou aos tradicionais “puxadores de voto”. Para quem pertence a partidos
com estrelas que se destacam — Nicolau cita o deputado Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP) —, seria necessário convencer os eleitores a votar noutros nomes, do
contrário o voto seria desperdiçado num candidato já eleito.
Terceiro, ao retirar a representação dos
partidos, o distritão acaba com os suplentes. Se o governo convocasse um
deputado a um cargo no Executivo, levaria para a Câmara o primeiro nome entre
os mais votados a ficar fora dos eleitos. Em tal situação, um novo ministro no
gabinete de Bolsonaro poderia aumentar a bancada do PT. O presidente faria
isso? “Os deputados perdem duas vezes”, diz Nicolau. “O titular deixa de ser
convocado para um cargo no Executivo, e o suplente deixa de ocupar uma vaga no
Legislativo.”
Como Nicolau deixa claro, os parlamentares seriam os primeiros a se arrepender se, como deseja o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), viessem a aprovar o distritão. E todo o Brasil pagaria o preço da barbaridade.
Indústria ajuda a puxar o PIB, mas
crescimento é desigual
Valor Econômico
A expectativa é que a indústria siga em
crescimento, mas existem problemas no horizonte
O crescimento em maio deixou a indústria
otimista. Depois de ter encolhido de fevereiro a abril, a produção industrial
retomou o ritmo, cresceu 1,4% em relação ao mês anterior e deu um salto de 24%
sobre igual período de 2020, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Apesar da expectativa mais cautelosa para
junho, cujos dados ainda não foram fechados, as previsões para o restante do
ano são positivas, e embalam a aposta de aumento da participação da indústria
no Produto Interno Bruto, em um momento em que os serviços, sob efeito das
medidas de distanciamento social para o enfrentamento da pandemia do novo
coronavírus, estão em baixa.
A comparação com 2020 tem que ser
relativizada porque toma como referência o período em que a pandemia do novo
coronavírus pegou em cheio a atividade econômica e jogou a produção calculada
pelo IBGE aos níveis mais baixos da série histórica, iniciada em 2002. Nos dois
primeiros meses da pandemia, desabou 27%. O avanço de 1,4% de maio não compensa
o recuo de 1,5% registrado em abril, mas levou o nível da produção ao patamar
pré-pandemia, de fevereiro de 2020. A indústria, porém, ainda está 16,7% abaixo
do nível recorde, de maio de 2011.
Alguns outros indicadores sinalizam que a
indústria segue em expansão. O Índice Gerente de Compras (PMI) do setor
industrial da IHS Markit para o Brasil, por exemplo, subiu de 53,7 pontos em
maio para 56,4 pontos em junho. A indústria vem impulsionando o Índice de
Confiança Empresarial (ICE) calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que
atribui ao setor o aumento de 4,3 pontos registrado no indicador de maio para
junho, para 98,8 pontos. Dos quatro grandes segmentos empresariais usados para
cálculo do indicador, o setor industrial foi o único a apresentar pontuação
acima de 100 pontos em junho, com índice de confiança de 107,6 pontos; os
serviços registraram 93,8 pontos; o comércio, de 95,9 pontos; e a construção,
de 92,4 pontos.
Com base nessas sinalizações já se espera o
aumento da participação da indústria no PIB, especialmente da indústria de
transformação, cuja fatia no valor adicionado do PIB avançou de 9,9%, no quarto
trimestre de 2019, para 10,3% nos primeiros três meses deste ano, de acordo com
cálculos do pesquisador sênior do Ibre/FGV, Samuel Pessôa (Valor 6/7). A indústria de
transformação responde por mais da metade da indústria total no PIB.
Os números não significam a reversão da
tendência de redução do peso da indústria na economia, que vem de longa data.
No início do século, a transformação representava 15% do PIB. Mas sim, reflete
a resposta à dinâmica desencadeada pela pandemia, que levou ao encolhimento do
setor de serviços, em consequência do distanciamento social. A tendência é
global, embora haja diferenciações conforme o ciclo de espalhamento da pandemia
nos diferentes países. Levantamento elaborado pelo Instituto de Estudos para o
Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostrou que o Brasil melhorou sua posição em
ranking de 45 países. Com avanço de 5,2% no primeiro trimestre, ante igual período
de 2020 e feito o ajuste sazonal, a indústria brasileira ficou na 13ª
colocação, à frente de países como França, Japão, Alemanha e Estados Unidos. No
primeiro trimestre de 2020, o Brasil estava no 24º lugar e, em 2019, em 38º.
Mas o desempenho da indústria é desigual.
Dos 26 ramos pesquisados, 15 acompanharam a alta de abril para maio. O melhor
resultado é o de produtos farmaquímicos e farmacêuticos, cuja fabricação
cresceu 8%. Outros destaques são móveis, bebidas e alimentos. Praticamente
estagnada ficou a produção de veículos. Recuaram entre outros setores os de
máquinas e equipamentos, produtos têxteis e de madeira.
A expectativa é que a indústria siga em
crescimento. Mas há alguns problemas no horizonte. Um deles é a escassez global
de insumos e partes, que colocam em xeque a expansão de alguns segmentos, como
a indústria de automóveis e veículos. Há dúvidas se a reforma tributária em
estudo pelo governo vai contribuir para a tão esperada redução do custo Brasil
ou pode até elevá-lo, como receiam alguns especialistas. Mais recentemente
surgiu a ameaça da crise hídrica, que obriga as empresas a acelerarem o uso das
fontes alternativas energéticas e, de imediato, eleva os custos de produção,
que já vinham sendo pressionados pela alta do dólar e da inflação. A renovação
do auxílio emergencial tirou uma nuvem do horizonte, mas restam a preocupação
com a reformulação de um programa social mais duradouro e com o andamento da
vacinação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário