terça-feira, 13 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

A população já entendeu

O Estado de S. Paulo

No ano passado, Bolsonaro disse que acabou com a Lava Jato porque não havia mais corrupção. A realidade é diferente

Desde que assumiu a Presidência da República, Jair Bolsonaro tem feito afirmações contundentes a respeito da inexistência de corrupção no governo federal. Diz não apenas que extinguiu os malfeitos, mas que a alegada probidade deu folga para os órgãos de controle. “Eu acabei com a Lava Jato, porque não tem mais corrupção no governo”, disse Bolsonaro em outubro do ano passado.

Parece, no entanto, que as afirmações de Jair Bolsonaro não contavam com o sistema de freios e contrapesos, próprio de um Estado Democrático de Direito. Com três meses de CPI da Pandemia, apareceram escândalos envolvendo a negociação e a compra de vacinas contra a covid. E a população já entendeu que a realidade é um pouco diferente daquela defendida repetidamente por Jair Bolsonaro.

Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, 70% dos brasileiros acreditam que há corrupção no governo Bolsonaro. Questionados sobre o Ministério da Saúde – aquele no qual o presidente Jair Bolsonaro trocou duas vezes a chefia até encontrar alguém que o obedecesse cegamente –, 63% dos entrevistados afirmaram acreditar que existe corrupção na pasta.

Além disso, a percepção da maioria da população não é a de que o presidente da República estava alheio à corrupção. Para 64% dos entrevistados, Jair Bolsonaro sabia dos malfeitos praticados dentro do Ministério da Saúde. Apenas 25% disseram acreditar na tese, também utilizada por Luiz Inácio Lula da Silva, de que o presidente da República não sabia de nada. 

O assunto está sendo agora investigado oficialmente. Após notícia-crime apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) por três senadores, o Ministério Público Federal (MPF) solicitou e a Polícia Federal abriu inquérito para investigar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu crime de prevaricação no episódio escandaloso da compra da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde.

É estranho, no entanto, que, a despeito do discurso sobre a inexistência de mau uso de verbas públicas em seu governo, Jair Bolsonaro reitere os motivos para duvidar da alegada lisura. No sábado passado, por exemplo, o presidente Bolsonaro foi a Porto Alegre participar de uma motociata em defesa de sua reeleição. Obviamente, a movimentação de Jair Bolsonaro para sua campanha de 2022 tem custos, que não podem ser financiados com recursos da Presidência da República.

Desde que Lula tentou usar a máquina pública para a reeleição, a Justiça Eleitoral tem afirmado que gastos de campanha devem ser financiados pelo partido do candidato, e não pelos cofres públicos. Por exemplo, se o presidente da República vai a um evento de campanha, o combustível da aeronave deve ser pago por quem financia sua campanha, e não pelos recursos federais. Quem pagou a viagem de Jair Bolsonaro a Porto Alegre e todos os demais gastos envolvidos?

Com a ajuda da CPI da Pandemia, a cada dia que passa é mais fácil entender por que o governo federal se opôs o quanto pôde à sua instauração. E mais de dois terços da população entenderam que o discurso sobre corrupção é um e a realidade, outra. Quem não entendeu até agora o que se passa foi o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).

Depois da divulgação de pesquisa do Instituto Datafolha indicando que a maioria dos brasileiros é favorável ao impeachment de Jair Bolsonaro, Arthur Lira reiterou sua posição de aliado do Palácio do Planalto. “Não temos condição de um impeachment para esse momento. O Brasil não deve se acostumar a desestabilizar a política em cada eleição”, disse o presidente da Câmara no sábado passado.

Não é o impeachment que desestabiliza a política. No caso, o impeachment é para tirar quem vem desestabilizando não apenas a política, mas as próprias eleições de 2022, com ameaças e chantagens. Antes, alguém podia pensar que toda a confusão do bolsonarismo era para esconder a incompetência de Jair Bolsonaro ou para consagrar alguma estranha ideologia, que tenta de todos os modos atrapalhar o próprio governo. Agora, no entanto, a maioria da população já entendeu que existem outros motivos para ameaçar as eleições.

Clamor pela liberdade

O Estado de S. Paulo

Cedo ou tarde, cubanos retomarão o direito de definir livremente o destino de seu país

Fazia 27 anos que as ruas de diversas cidades de Cuba não ficavam tão cheias de cidadãos clamando por liberdade na ilha subjugada por uma feroz ditadura. No domingo passado, centenas de pessoas saíram às ruas da pequena cidade de San Antonio de los Baños, a 33 km da capital, Havana, para protestar contra os recorrentes “apagões” de energia e para exigir que o regime do ditador Miguel Díaz-canel amplie a claudicante vacinação da população contra a covid-19. A última vez que tantos cubanos sobrepuseram o desejo de liberdade ao medo foi em agosto de 1994, durante a manifestação que ficou conhecida como “maleconazo”, em referência a El Malecón, a orla de Havana. Foi o primeiro levante popular contra a ditadura instalada por Fidel Castro em 1959.

Quando imagens do protesto em San Antonio de los Baños furaram o controle estatal e foram publicadas nas redes sociais, milhares de cubanos em outras cidades se uniram aos protestos, que logo ganharam em escala e em diversificação da agenda de reivindicações. Nas cidades de Güira de Melena e Alquízar, na província de Artemisa, Palma Soriano, em Santiago de Cuba, e em Havana, cubanos gritaram por “Liberdade!”, “Pátria e vida”, “Abaixo a ditadura”. “Não temos medo”, bradavam os manifestantes.

Acossado pelo inédito protesto, Díaz-canel fez o que ditadores fazem: ordenou uma feroz repressão aos manifestantes. E não só empreendida pelas forças especiais, leais ao regime, mas também por seus apoiadores, estimulando uma batalha campal fratricida pelas ruas do país caribenho. Em pronunciamento à TV na noite de domingo, Díaz-canel, evidentemente, acusou o governo dos Estados Unidos de estar por trás da organização dos protestos e exortou seus partidários a “defender o governo com suas vidas”. “A ordem está dada. Às ruas, revolucionários”, disse o presidente, após afirmar que em Cuba “nenhum verme ou contrarrevolucionário dominará as ruas”. É este o país que, para muitos no Brasil, serviu de paradigma de democracia e eficiência estatal nas Américas.

É muito cedo, claro, para determinar quais serão os desdobramentos dos protestos do último fim de semana, que, entre outras demandas, clamaram por mudanças políticas em Cuba. A dura reação do governo central, no entanto, indica a que ponto a ditadura teme as manifestações, que têm potencial para produzir alguma mudança na ilha, por menor que seja.

“Chegou o dia em que o povo cubano se levantou. Está muito claro o que os cubanos querem, que termine este regime”, disse Orlando Gutiérrez, da Assembleia de Resistência Cubana. O governo dos Estados Unidos, por sua vez, se apressou em refutar as acusações de que estaria envolvido na organização dos protestos. “Os protestos crescem em Cuba à medida que o povo cubano exerce o seu direito de expressar preocupação com o aumento do número de casos e mortes por covid-19 no país”, disse Julie Chung, subsecretária de Estado. No sábado anterior à irrupção dos protestos, Cuba registrou o terceiro dia consecutivo de recordes no número de casos (6.923) e de mortes em decorrência da doença (47).

Buscar culpados externos para males domésticos é artifício típico de ditadores e populistas. É mais fácil para Díaz-canel disseminar velhas teorias conspirativas envolvendo os eternos inimigos americanos ou culpar o embargo econômico imposto à ilha pelos Estados Unidos do que admitir as próprias falhas do regime em atender às necessidades mais prementes dos cubanos. Ditadores se têm como infalíveis por natureza. Logo, se o povo cubano é privado de liberdade, de comida, de vacinas, de energia elétrica, de medicamentos, entre outros bens essenciais a uma vida digna, a causa só pode ser externa.

Os protestos em Cuba, como dito, podem provocar mudanças significativas na ilha ou não passar de um suspiro por liberdade, logo sufocado. O tempo vai dizer. Fato é que não há regime autoritário o bastante para calar a voz de um povo por tanto tempo. Mais cedo ou mais tarde, os cubanos farão valer o direito de determinar livremente o destino que querem para seu país.

A hora da responsabilidade social

O Estado de S. Paulo

Em boa hora, o Senado vai discutir o projeto de Lei de Responsabilidade Social

Em todo o mundo a pandemia despertou o debate sobre o papel do Estado na proteção aos vulneráveis e no incentivo à sua autonomia. Isso num momento em que as transformações tecnológicas criam modalidades de trabalho descobertas pelas proteções vinculadas ao emprego assalariado. No Brasil, a questão é premente, porque após a recessão dos anos 2014-16, a informalidade aumentou. Os desafios implicados nas políticas públicas para os mais vulneráveis foram tema de um seminário promovido pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV em parceria com o Estado.

Pelos cálculos de Daniel Duque, do Ibre, no fim de 2019, 21% da população (44,5 milhões de brasileiros) vivia abaixo da linha de pobreza de US$ 5,50 por dia. Em 2020, o auxílio emergencial reduziu temporariamente esse montante para 18,3%. Mas, sem a transferência de renda, estima-se que a proporção tenha saltado para 29,5%: ou seja, quase 18 milhões de brasileiros caíram na pobreza.

A pressão pela requalificação dos programas sociais parece irrefreável. O governo chegou a ensaiar dois programas – o Renda Brasil e o Renda Cidadã – que oscilaram entre inócuos e insustentáveis. O Supremo Tribunal Federal acaba de determinar a obrigação do Executivo de submeter ao Parlamento um programa de renda básica previsto numa lei aprovada há 17 anos que nunca saiu do papel. O Senado decidiu pautar a discussão do projeto de Lei de Responsabilidade Social.

O Brasil tem alguns bons modelos de transferência de renda. Segundo Luis Henrique Paiva, do Ipea, o Bolsa Família pode ser aprimorado, por exemplo, com critérios de reajustes que o defendam da inflação e com medidas que eliminem as filas. Mas Paiva e os participantes do seminário apontaram unanimemente diversas avaliações que comprovam a eficácia do programa.

Mas, aparte os casos de sucesso, há muitas insuficiências. Manoel Pires, do Ibre, apontou a carência de políticas de capacitação, treinamento e inclusão produtiva. Menos de 1% do Fundo de Amparo ao Trabalhador, por exemplo, é empregado nesse tipo de ação. Pires destacou ainda a importância de programas de inclusão digital.

Além das falhas estruturais, há desafios conjunturais. Historicamente, as redes de proteção estão atreladas à contribuição dos trabalhadores formais. Mas a revolução digital, acelerada pela pandemia, está expandindo modalidades informais e autônomas. A estrutura previdenciária, por exemplo, financiada por taxas compulsórias sobre as folhas de pagamento, precisará ser não apenas reajustada, mas reformulada. Será ainda incontornável pensar em formas mais amplas de proteção, como, por exemplo, um seguro para trabalhadores informais.

O problema do financiamento é particularmente pertinente ante as pressões fiscais e a perspectiva de uma Reforma Tributária. Como destacou Fernando Veloso, do Ibre, subsídios excessivos, exceções no pagamento de impostos ou má tributação de dividendos são alguns pontos que precisam ser repensados se se quiser dar sustentabilidade às políticas sociais. Fontes sem impacto fiscal, como o remanejamento de emendas parlamentares, também deveriam ser consideradas.

Outra questão é a equação entre prestações universais e focalizadas. Como apontou Paiva, um benefício igual para todos os brasileiros seria fatalmente baixo demais, prejudicando os mais pobres. Não se pode renunciar a algum tipo de focalização, ainda que os nichos focados possam receber benefícios universais. A pobreza das crianças no Brasil, por exemplo, é o dobro da média da população e 10 vezes maior que a registrada entre os idosos. Nesse sentido, uma renda básica para crianças poderia ser eficaz no combate à pobreza.

Neste momento, a base mais qualificada para um debate construtivo é o projeto de Lei de Responsabilidade Social. Em tese, o projeto combina sustentabilidade fiscal com ações diferenciadas de transferência de renda para os miseráveis, seguridade contra a volatilidade de renda e emprego para os trabalhadores pobres, estímulo à emancipação econômica e promoção de oportunidades para os jovens. Em boa hora o Senado colocará o projeto no foco de suas deliberações.

Telhados de vidro

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra Bolsonaro associado à corrupção, tema indigesto para oponentes

A mais recente pesquisa nacional do Datafolha dimensionou o estrago que as denúncias de corrupção no Ministério da Saúde fizeram a Jair Bolsonaro, eleito com uma pretensa plataforma de combate à impunidade na vida pública.

Pretensa, é sempre bom ressalvar, já que falamos do líder de um clã envolvido com práticas nebulosas, como “rachadinhas”, cheques mal explicados e milícias. No poder, Bolsonaro esqueceu rapidamente o que pregava.

Livrou-se do ícone maior da Lava Jato, Sergio Moro, e depois da própria operação, patrocinando a volta da figura do procurador-geral da República aliado ao Planalto.

Em nome de evitar o risco de um impeachment, apoiou a tomada do Congresso pelo centrão, que apenas está começando sua jornada com propostas como a por ora barrada PEC da Impunidade.

Tudo isso, contudo, pode parecer algo um tanto abstrato para a população. Suspeita de roubo em negociação com vacinas, não. Com a tragédia da pandemia e a revelação de desmandos por imprensa e CPI da Covid, a credibilidade do moralismo bolsonarista ruiu.

O Datafolha aferiu que 70% dos brasileiros acham que há corrupção no governo. Para 63%, ocorrem malfeitos na Saúde; para 64%, o presidente soube de tudo isso.

Não deveria surpreender, dada a vulgaridade com que o mandatário respondeu ao questionamento da CPI acerca do relato do deputado Luis Miranda (DEM-DF) —o parlamentar disse ter ouvido de Bolsonaro que os “rolos” da Saúde eram assunto do líder do governo na Câmara; o presidente não levou o caso à Polícia Federal e será investigado por prevaricação.

Os últimos anos foram de declínio institucional do chamado lava-jatismo, que teve início com a descoberta de um esquema gigantesco de desvios na administração petista e contribuiu para o descrédito geral do mundo político.

Assim, apesar da percepção negativa que ajuda a piorar sua avaliação, Bolsonaro conta com adversários cujos telhados envidraçados são tão ou mais vistosos quanto o seu —ainda que o dano a quem está no poder sempre seja maior.

Não constitui novidade que o PT, mesmo com as decisões judiciais recentes favoráveis a Luiz Inácio Lula da Silva, queira evitar tratar do assunto no seu planejamento para a campanha de 2022.

No passado, a legenda também usou o discurso anticorrupção de forma demagógica, como arma para a conquista do poder —e é bom que isso seja reconhecido hoje.

Uma abordagem mais madura do tema não pode se confundir, porém, com a leniência. Há fortes incentivos para tanto entre as principais forças políticas, na situação e na oposição.

A ordem dos fatores

Folha de S. Paulo

Governador gay ou gay governador, gesto de Leite ajuda a derrubar preconceitos

Há poucos dias, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), declarou-se homossexual. A afirmação tem gerado reações variadas —inclusive porque Leite, além de nome ventilado para concorrer à Presidência em 2022, na faixa da chamada terceira via, apoiou o candidato Jair Bolsonaro no segundo turno do pleito de 2018.

Críticos à esquerda, ligados ou não à militância LGBTQIA+, viram no anúncio do tucano uma espécie de manobra midiática para torná-lo mais palatável a setores liberais do eleitorado. O governador estaria, por esse ponto de vista, sendo oportunista ao revelar o que seria um segredo de polichinelo.

Além disso, a adesão ao notório homofóbico Bolsonaro seria prova de hipocrisia ou descompromisso com a agenda de direitos dos homossexuais. O fato de Leite ter estabelecido distinção entre ser um governador gay e um gay governador também contribuiu para questionamentos sobre até que ponto ele se engajaria em tais demandas.

Esse tipo de crítica, muitas vezes em tom sectário e ressentido, não foi bastante para acobertar o gesto corajoso e significativo do político, que mereceu amplos elogios.

Num ambiente ainda contaminado por preconceitos e mesmo ameaças de agressões, um ocupante de cargo tão proeminente vir a público assumir sua homossexualidade é motivo de aplauso.

O episódio convida a uma reflexão menos acalorada sobre a relação entre orientação sexual e opções político-ideológicas.

A aproximação nas últimas décadas de movimentos identitários com a esquerda e a explicitação de uma pauta homofóbica por áreas radicais de direita acabaram por reforçar uma divisão que, na realidade, não é tão esquemática.

Pesquisa Datafolha de 2018 mostrou que expressivos 29% dos eleitores que se diziam gays tinham a intenção de votar em Bolsonaro.

Muitos indivíduos LGBTQIA+ são favoráveis a valores não associados aos programas de esquerda e consideram mais relevantes certas pautas, como o combate à corrupção, do que a interferência do Estado em questões sexuais e de gênero. Não é demais lembrar, também, que diversos regimes de esquerda perseguiram homossexuais.

A despeito de atritos e contradições, o mundo assiste a um alvissareiro avanço no reconhecimento dos direitos da comunidade LGBTQIA+, para o qual atos de transparência, como o do governador gaúcho, sem dúvida contribuem.

O Globo

Aprovar ‘distritão’ levaria políticos a arrependimento

Os políticos não parecem ter noção de que o distritão não é ruim apenas para a sociedade ou para a representação democrática

Ninguém ignora que o sistema eleitoral conhecido por “distritão” é péssimo. Foi o último colocado numa enquete realizada anos atrás com 169 cientistas políticos para avaliar o melhor método para escolher representantes. Parece, contudo, que tem se tornado o preferido dos parlamentares brasileiros, que ensaiam levá-lo mais uma vez a votação numa proposta de reforma política, apesar de já ter sido derrotado em plenário em 2015 e 2017.

Pelo distritão — tecnicamente chamado “voto único não transferível” —, seriam eleitos em cada estado simplesmente os deputados mais votados, sem levar em conta a votação dos demais ou o total das legendas (todos esses votos seriam jogados fora). Além de ser o sistema que mais desperdiça a preferência do eleitor, favorece candidaturas de líderes religiosos, esportistas, youtubers e celebridades conhecidas não exatamente pela atuação política. Enfraquece os partidos e torna as eleições ainda mais personalistas.

Não é o tipo de argumento que tem sensibilizado os parlamentares brasileiros. Partidos nanicos, ameaçados pela cláusula de barreira imposta na última reforma política, veem a ideia de atrair celebridades como salvação. Mesmo nos partidos tradicionais tem crescido o apoio ao desatino (um levantamento detectou que 25 dos 32 deputados tucanos apoiam o distritão).

Os políticos não parecem ter noção de que o distritão não é ruim apenas para a sociedade ou para a representação democrática. Também é, nas palavras do cientista político Jairo Nicolau, “uma péssima opção para a maioria dos políticos brasileiros”. Em artigo no site do GLOBO, Nicolau elencou três argumentos em defesa dessa visão.

Primeiro, os deputados estão equivocados ao usar simulações de eleições anteriores como evidência de que estariam eleitos caso o distritão fosse adotado. O aumento na competição atrairia à corrida nomes hoje fora da vida partidária. “Basta se filiar a um partido, se inscrever para disputar as eleições e pronto”, diz Nicolau. “O acesso fica mais simples para lideranças religiosas, empresários, personalidades do mundo digital e líderes de todo tipo de organização. O incentivo para que políticos locais tentem a sorte na eleição para deputado também aumenta.”

Segundo, fica impossível para um deputado menos votado se beneficiar dos votos dados aos colegas mais populares de seu partido ou aos tradicionais “puxadores de voto”. Para quem pertence a partidos com estrelas que se destacam — Nicolau cita o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) —, seria necessário convencer os eleitores a votar noutros nomes, do contrário o voto seria desperdiçado num candidato já eleito.

Terceiro, ao retirar a representação dos partidos, o distritão acaba com os suplentes. Se o governo convocasse um deputado a um cargo no Executivo, levaria para a Câmara o primeiro nome entre os mais votados a ficar fora dos eleitos. Em tal situação, um novo ministro no gabinete de Bolsonaro poderia aumentar a bancada do PT. O presidente faria isso? “Os deputados perdem duas vezes”, diz Nicolau. “O titular deixa de ser convocado para um cargo no Executivo, e o suplente deixa de ocupar uma vaga no Legislativo.”

Como Nicolau deixa claro, os parlamentares seriam os primeiros a se arrepender se, como deseja o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), viessem a aprovar o distritão. E todo o Brasil pagaria o preço da barbaridade.

Indústria ajuda a puxar o PIB, mas crescimento é desigual

Valor Econômico

A expectativa é que a indústria siga em crescimento, mas existem problemas no horizonte

O crescimento em maio deixou a indústria otimista. Depois de ter encolhido de fevereiro a abril, a produção industrial retomou o ritmo, cresceu 1,4% em relação ao mês anterior e deu um salto de 24% sobre igual período de 2020, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar da expectativa mais cautelosa para junho, cujos dados ainda não foram fechados, as previsões para o restante do ano são positivas, e embalam a aposta de aumento da participação da indústria no Produto Interno Bruto, em um momento em que os serviços, sob efeito das medidas de distanciamento social para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, estão em baixa.

A comparação com 2020 tem que ser relativizada porque toma como referência o período em que a pandemia do novo coronavírus pegou em cheio a atividade econômica e jogou a produção calculada pelo IBGE aos níveis mais baixos da série histórica, iniciada em 2002. Nos dois primeiros meses da pandemia, desabou 27%. O avanço de 1,4% de maio não compensa o recuo de 1,5% registrado em abril, mas levou o nível da produção ao patamar pré-pandemia, de fevereiro de 2020. A indústria, porém, ainda está 16,7% abaixo do nível recorde, de maio de 2011.

Alguns outros indicadores sinalizam que a indústria segue em expansão. O Índice Gerente de Compras (PMI) do setor industrial da IHS Markit para o Brasil, por exemplo, subiu de 53,7 pontos em maio para 56,4 pontos em junho. A indústria vem impulsionando o Índice de Confiança Empresarial (ICE) calculado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), que atribui ao setor o aumento de 4,3 pontos registrado no indicador de maio para junho, para 98,8 pontos. Dos quatro grandes segmentos empresariais usados para cálculo do indicador, o setor industrial foi o único a apresentar pontuação acima de 100 pontos em junho, com índice de confiança de 107,6 pontos; os serviços registraram 93,8 pontos; o comércio, de 95,9 pontos; e a construção, de 92,4 pontos.

Com base nessas sinalizações já se espera o aumento da participação da indústria no PIB, especialmente da indústria de transformação, cuja fatia no valor adicionado do PIB avançou de 9,9%, no quarto trimestre de 2019, para 10,3% nos primeiros três meses deste ano, de acordo com cálculos do pesquisador sênior do Ibre/FGV, Samuel Pessôa (Valor 6/7). A indústria de transformação responde por mais da metade da indústria total no PIB.

Os números não significam a reversão da tendência de redução do peso da indústria na economia, que vem de longa data. No início do século, a transformação representava 15% do PIB. Mas sim, reflete a resposta à dinâmica desencadeada pela pandemia, que levou ao encolhimento do setor de serviços, em consequência do distanciamento social. A tendência é global, embora haja diferenciações conforme o ciclo de espalhamento da pandemia nos diferentes países. Levantamento elaborado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) mostrou que o Brasil melhorou sua posição em ranking de 45 países. Com avanço de 5,2% no primeiro trimestre, ante igual período de 2020 e feito o ajuste sazonal, a indústria brasileira ficou na 13ª colocação, à frente de países como França, Japão, Alemanha e Estados Unidos. No primeiro trimestre de 2020, o Brasil estava no 24º lugar e, em 2019, em 38º.

Mas o desempenho da indústria é desigual. Dos 26 ramos pesquisados, 15 acompanharam a alta de abril para maio. O melhor resultado é o de produtos farmaquímicos e farmacêuticos, cuja fabricação cresceu 8%. Outros destaques são móveis, bebidas e alimentos. Praticamente estagnada ficou a produção de veículos. Recuaram entre outros setores os de máquinas e equipamentos, produtos têxteis e de madeira.

A expectativa é que a indústria siga em crescimento. Mas há alguns problemas no horizonte. Um deles é a escassez global de insumos e partes, que colocam em xeque a expansão de alguns segmentos, como a indústria de automóveis e veículos. Há dúvidas se a reforma tributária em estudo pelo governo vai contribuir para a tão esperada redução do custo Brasil ou pode até elevá-lo, como receiam alguns especialistas. Mais recentemente surgiu a ameaça da crise hídrica, que obriga as empresas a acelerarem o uso das fontes alternativas energéticas e, de imediato, eleva os custos de produção, que já vinham sendo pressionados pela alta do dólar e da inflação. A renovação do auxílio emergencial tirou uma nuvem do horizonte, mas restam a preocupação com a reformulação de um programa social mais duradouro e com o andamento da vacinação.


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