Valor Econômico
Governo vai passar para a história como
aquele em que faltou vacina na pandemia, mas sobraram ameaças e prepotência
A República brasileira viveu na semana
passada o seu pior momento desde a redemocratização, há 36 anos. Em meio à
saraivada de notas de repúdio que cruzaram a Esplanada dos Ministérios, entre a
pasta da Defesa e o Congresso Nacional, soube-se da expressiva desaprovação do
governo nas pesquisas junto ao eleitorado e mesmo os empresários, até então
quietos em seus redutos, manifestaram forte insatisfação com o projeto que
propõe o aumento do imposto de renda sobre lucros e dividendos.
Ficou a impressão de que o governo está se
desintegrando um ano e meio antes de acabar.
Sem plano e sem rumo, mas com forte dose de
arrebatamento e ataques de fúria que crescem ao longo do mandato, o presidente
Bolsonaro deixou boa parte da sociedade perplexa ao ouvi-lo chamar de imbecil e
de idiota o presidente do Tribunal Superior Eleitoral(TSE) e integrante do
Supremo Tribunal Federal(STF), ministro Luís Roberto Barroso, na sexta-feira.
Teria atingido o limite? Difícil dizer, mas parece claro que o presidente não sente qualquer constrangimento nem arrependimento em denegrir a imagem de representantes dos poderes da República.
Com o jeito bolsonariano de ser, este
governo vai passar para a história como aquele em que faltou vacina na pandemia,
mas sobraram ameaças, prepotência e destempero.
As etapas podem ser facilmente demarcadas
por episódios emblemáticos.
No início, mal tendo assumido, Bolsonaro
patrocinou um sistema oligárquico ao delegar aos filhos - um senador, um
deputado federal e um deputado estadual - o direito de falarem e agirem em nome
da Presidência da República. Ainda hoje buscam influenciar o governo, embora já
não tenham o mesmo poder desde a substituição a duras penas dos ministros da
Educação, das Relações Exteriores e do Meio Ambiente, aliados de primeira hora.
O primeiro grande embate público do
presidente foi travado contra o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, em 24 de
abril de 2020. Redundou na troca do comando da Polícia Federal, como queria
Bolsonaro, mas deixou como rastro denúncias relacionadas aos filhos no caso das
“rachadinhas” e a divulgação, autorizada pelo STF, da gravação de uma espantosa
reunião ministerial que explicitou o comportamento errático do governo.
E assim segue, aos trancos e barrancos.
Pego de surpresa e sem competência para
lidar com o desafio da pandemia, ao invés de adotar providências no sentido de
combater o sars cCoV-2, o presidente preferiu menosprezá-lo e ficou refém do
inesperado. Optou por um discurso que insufla a população à vingança com
atitudes de confronto que estimulam as aglomerações, condenam o uso de máscaras
e desprezam as vacinas. Comporta-se como se o vírus fosse o seu inimigo
político número um.
Bolsonaro apostou no contrassenso e paga um
preço político por isso.
Por ocasião da instalação da CPI - Comissão
Parlamentar de Inquérito - que investiga os atos (ou não atos) do governo
relacionados à pandemia, Bolsonaro tentou desviar a atenção para as outras
esferas de governo. Mas não colou. A CPI segue com os depoimentos e a investigação
parece ter esbarrado naquilo que até há poucas semanas a sociedade desconhecia:
a suspeita de uma rede de corrupção, próxima ao Ministério da Saúde,
relacionada à compra de vacinas.
De novo, o presidente prefere agir como se
a realidade não existisse e vai fundo: diz que caga para a CPI. Em meio ao
devaneio surge, de repente, algo inexplicável: a manifestação dos comandantes
das Forças Armadas contra os trabalhos da CPI que apura denúncias de atos
irregulares com potencial de comprometerem escalões do governo federal. Deve
soar estranho para alguém que não vive no Brasil nos tempos de agora, em pleno
século XXI, e não entende o que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica têm a ver
com o Ministério da Saúde. A rigor, nada, mas na confusão institucional dos
últimos tempos virou rotina confundir Estado com governo, público com privado,
servidor com atribuições da carreira civil com servidor militar.
A escalada dos arroubos bolsonarianos
cresce em novos decibéis à medida em que as pesquisas de opinião pública
revelam queda cada vez mais acentuada da preferência do eleitorado por
Bolsonaro nas eleições de 2022. Na última pesquisa DataFolha, divulgada no
final da semana passada, ele perderia no segundo turno para o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, para o governador de São Paulo, João Doria, e para o
ex-governador do Ceará Ciro Gomes, se o pleito ocorresse hoje. Já se trabalha
com a hipótese de Bolsonaro não passar do primeiro turno.
Quanto mais cai nas pesquisas, mais ataca a
urna eletrônica, o outro grande inimigo declarado. Contra ela, Bolsonaro tem
esgrimido tal qual espadachim que tenta lutar contra um rival fantasioso.
Ameaça que não haverá eleições se não houver voto impresso, uma retórica sem
sentido em um país que há muitos anos não ouve falar de fraude eleitoral e cujo
sistema de votação tem sido, inclusive, considerado um exemplo a ser seguido no
mundo.
Tal qual o vírus da covid 19, Bolsonaro
quer apagar a realidade das pesquisas e elege um bode expiatório para alimentar
suas ilusões.
Diante das idiossincrasias bolsonarianas,
deve-se perguntar para que serve tudo isso? De que serve negar a existência do
vírus? De que serve atacar o STF, a CPI da pandemia, governadores e prefeitos?
De que serve o apoio das Forças Armadas a pessoas e fatos suspeitos de
corrupção, antes mesmo de serem investigados? De que servem os ataques à urna
eletrônica?
Definitivamente, não servem à República, à Constituição, aos poderes democraticamente constituídos e muito menos às Forças Armadas. Não se pode perder de vista o caminho percorrido na redemocratização. Não estamos em Cuba nem na Venezuela.
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