Folha de S. Paulo
A maior virtude da democracia é simplificar
o despacho de maus governantes
A proposta de adotar o semipresidencialismo
é para valer? A viabilidade prática me parece mínima, mas, como adoro
discussões sobre modelos políticos, vamos a ela.
Começo chamando a atenção para uma
patacoada do ministro do STF Ricardo Lewandowski. Segundo o magistrado, falar
em semipresidencialismo às vésperas do pleito de 2022 "lembra a polêmica
que levou à implantação do parlamentarismo antes da posse de Jango na
Presidência em 1961, com as consequências que todos conhecemos".
Não, não lembra. A adoção do parlamentarismo em 61, após a renúncia de Janio Quadros, foi uma espécie de golpe, porque tirou poderes de um cargo para o qual Jango já havia sido eleito, ainda que na condição de vice. Ninguém foi ainda escolhido para ocupar a Presidência a partir de 2023. E, como FHC já ensinou, dá azar sentar na cadeira antes do pleito. Dado que a analogia é uma das fontes do direito, preocupa que um ministro de corte suprema faça comparação tão desleixada.
No mérito, porém, me aproximo de
Lewandowski. Não gosto muito do semipresidencialismo. Embora tenha precursores
mais antigos, esse sistema surge mesmo em 1958, com a 5ª República Francesa.
Sempre me pareceu um coelho que De Gaulle tirou da cartola para ampliar seus
poderes e reduzir focos de impopularidade, que poderiam ser jogados na conta do
primeiro-ministro.
É verdade que funciona razoavelmente bem em
várias nações, mas não me parece o mais adequado para o Brasil. No país do
"fui traído" (Lula, 2005), do "fui vítima de uma
conspiração" (Temer, 2017) e do "não posso tomar providências sobre
tudo" (Bolsonaro, 2021), parece-me um erro oferecer mais possibilidades
institucionais para governantes se eximirem de obrigações.
A maior virtude da democracia é simplificar
os processos pelos quais o eleitor despacha maus governantes para casa. Assim,
vejo com um pé atrás tudo o que dilua ou obnubile responsabilidades.
Nenhum comentário:
Postar um comentário