O Globo
Há divergência quanto às causas do
desarranjo verbal que cada vez com maior frequência vem acometendo o presidente
Jair Bolsonaro. Há os que o chamam de “Bolsonero” e já o veem vestido com
camisa de força. Outros acham que os surtos têm lógica, e esses acessos
pretendem desviar o foco da CPI da Covid, onde são expostos diariamente os
podres de um governo que se elegeu prometendo honestidade. Ele reage recorrendo
a seu vocabulário chulo e escatológico, tentando mostrar que não dá a mínima
importância à comissão, a cujas sessões um de seus filhos, no entanto,
comparece.
Em vez de desmentidos, ele distribui ofensas. Xinga a mãe de senador, joga pedra (por enquanto metaforicamente) em juiz do Supremo e só não voltou a chamar repórter de “idiota” ou “quadrúpede”, conforme a inconveniência da pergunta, porque nenhuma se arriscou a chegar perto para entrevistá-lo. A fúria do mito aumentou quando ele se deu conta de que a opinião pública já havia percebido seus desatinos, inclusive a pirraça de não querer se vacinar. Pesquisa Datafolha revelou que, em meio ao avanço da CPI da Covid, a rejeição ao presidente atingiu o índice mais alto desde o início do mandato: 51% dos eleitores classificaram o governo como ruim ou péssimo.
Pior: mais da metade dos entrevistados o
considera “desonesto”, “falso”, “incompetente”, “despreparado”, “autoritário”.
Mais grave ainda: pela primeira vez, a maioria de 54% defende a abertura do
processo de impeachment contra Bolsonaro, considerado incapaz de governar por
63%.
A grande audiência das sessões da CPI da
Covid, transmitidas pela televisão, transformando o programa diário numa
espécie de BBB da corrupção, talvez seja a responsável pelo recorde de
avaliação negativa do governo Bolsonaro: segundo o Datafolha, 70% declararam
que há corrupção no governo. De fato, a comissão dos senadores, ao dirigir o
foco para a questão da compra de vacinas, vem revelando que o Ministério da
Saúde é um balcão de negócios, um antro de malfeitos numa dimensão escandalosa.
Só para citar o esquema das propinas, segundo as investigações, um ex-diretor
de Logística do ministério deixou o cargo em meio à acusação de que teria
pedido US$ 1 a mais por dose de vacina AstraZeneca, numa negociação que
envolveria 400 milhões de doses, ou a estratosférica cifra de US$ 400 milhões.
A pesquisa que mais abalou os planos de
reeleição de Bolsonaro, porém, a que mais o deixou destrambelhado, foi a que
revela as intenções de voto para a eleição do próximo ano. Hoje, Lula venceria
por 58% a 31% no segundo turno.
Daí a afirmação de que está disposto a
entregar a faixa presidencial, “desde que de forma limpa”, ou seja, desde que
ele ganhe.
Se não for mais uma de suas bravatas, seria uma ameaça de golpe. E desde já as instituições e a sociedade devem dar uma resposta à altura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário