terça-feira, 13 de julho de 2021

Zuenir Ventura - As causas do desarranjo

O Globo

Há divergência quanto às causas do desarranjo verbal que cada vez com maior frequência vem acometendo o presidente Jair Bolsonaro. Há os que o chamam de “Bolsonero” e já o veem vestido com camisa de força. Outros acham que os surtos têm lógica, e esses acessos pretendem desviar o foco da CPI da Covid, onde são expostos diariamente os podres de um governo que se elegeu prometendo honestidade. Ele reage recorrendo a seu vocabulário chulo e escatológico, tentando mostrar que não dá a mínima importância à comissão, a cujas sessões um de seus filhos, no entanto, comparece.

Em vez de desmentidos, ele distribui ofensas. Xinga a mãe de senador, joga pedra (por enquanto metaforicamente) em juiz do Supremo e só não voltou a chamar repórter de “idiota” ou “quadrúpede”, conforme a inconveniência da pergunta, porque nenhuma se arriscou a chegar perto para entrevistá-lo. A fúria do mito aumentou quando ele se deu conta de que a opinião pública já havia percebido seus desatinos, inclusive a pirraça de não querer se vacinar. Pesquisa Datafolha revelou que, em meio ao avanço da CPI da Covid, a rejeição ao presidente atingiu o índice mais alto desde o início do mandato: 51% dos eleitores classificaram o governo como ruim ou péssimo.

Pior: mais da metade dos entrevistados o considera “desonesto”, “falso”, “incompetente”, “despreparado”, “autoritário”. Mais grave ainda: pela primeira vez, a maioria de 54% defende a abertura do processo de impeachment contra Bolsonaro, considerado incapaz de governar por 63%.

A grande audiência das sessões da CPI da Covid, transmitidas pela televisão, transformando o programa diário numa espécie de BBB da corrupção, talvez seja a responsável pelo recorde de avaliação negativa do governo Bolsonaro: segundo o Datafolha, 70% declararam que há corrupção no governo. De fato, a comissão dos senadores, ao dirigir o foco para a questão da compra de vacinas, vem revelando que o Ministério da Saúde é um balcão de negócios, um antro de malfeitos numa dimensão escandalosa. Só para citar o esquema das propinas, segundo as investigações, um ex-diretor de Logística do ministério deixou o cargo em meio à acusação de que teria pedido US$ 1 a mais por dose de vacina AstraZeneca, numa negociação que envolveria 400 milhões de doses, ou a estratosférica cifra de US$ 400 milhões.

A pesquisa que mais abalou os planos de reeleição de Bolsonaro, porém, a que mais o deixou destrambelhado, foi a que revela as intenções de voto para a eleição do próximo ano. Hoje, Lula venceria por 58% a 31% no segundo turno.

Daí a afirmação de que está disposto a entregar a faixa presidencial, “desde que de forma limpa”, ou seja, desde que ele ganhe.

Se não for mais uma de suas bravatas, seria uma ameaça de golpe. E desde já as instituições e a sociedade devem dar uma resposta à altura.

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