O Globo
No sábado à meia-noite, o presidente do
Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, telefonou ao presidente Jair Bolsonaro,
preocupado com mais um ataque dele a membros do Supremo. Naquela noite, o STF
havia soltado uma nota oficial em defesa do ministro Luís Roberto Barroso, a
quem Bolsonaro acusara pela manhã de ser a favor da pedofilia.
Era a segunda nota de Fux na semana, contestando ataques do presidente a
membros do STF, como, além de Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin. A
reunião de ontem foi acertada nesse telefonema noturno, e Fux repetiu a
Bolsonaro o que já dissera brevemente ao telefone.
Propôs uma reunião entre os chefes do três Poderes para que a questão da
democracia seja reafirmada formalmente. O ministro Fux deixou claro que o
presidente Bolsonaro tinha o dever de assumir publicamente o respeito ao que
está estabelecido na Constituição e de falar sobre o acatamento aos limites
impostos por ela aos Poderes da República.
Especificamente sobre o ministro Luís Roberto Barroso, Bolsonaro disse que
estaria exercendo seu direito à liberdade de expressão e que estaria defendendo
seus “valores morais”. Fux sublinhou que a liberdade de expressão tem limites,
o que já dissera na primeira nota após os ataques a ministro do STF.
Como se viu depois da reunião, o presidente voltou a criticar Barroso, afirmando que ele faz um “ativismo legislativo” contra o voto impresso, que Bolsonaro continua querendo ver instituído no país. Na verdade, o “ativismo legislativo” teve mais um componente, o ministro Alexandre de Moraes, que será presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na época da eleição no ano que vem.
A conversa com os partidos deu resultado, e hoje já há uma clara tendência contrária ao que Bolsonaro quer. Ambos tomaram a iniciativa de contatar parlamentares simplesmente porque Barroso é o atual presidente do TSE, e Alexandre de Moraes será o próximo. Estão, pois, dentro de suas prerrogativas de defender a urna eletrônica.
Além do mais, Bolsonaro tem atacado decisões desses e de outros ministros do Supremo por razões pessoais e com mentiras. A nota de sábado do Supremo esclarecia que, ao contrário do que Bolsonaro falou, Barroso votou a favor da continuidade de um processo em que um rapaz de 18 anos, alegando sexo consensual, era acusado de ter estuprado uma menina de 13. Barroso também foi o responsável pela autorização da instalação da CPI da Covid no Senado.
Alexandre de Moraes, por sua vez, prossegue com as investigações das fake news, já tendo identificado uma rede de financiamento e incitamento de mensagens fraudadas envolvendo o “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto, que seria coordenado por Carlos Bolsonaro, o filho Zero Dois do presidente.
Bolsonaro, em sua cruzada para indicar um ministro “terrivelmente evangélico”, voltou a pregar ontem que o Supremo abra suas reuniões semanais com uma oração e, para constranger os ministros, disse que tinha certeza de que nenhum seria contra. Essa questão já foi enfrentada pelo Judiciário, na teoria e na prática.
A escolha religiosa do indicado nunca foi empecilho para sua nomeação. Ser ou não adepto de uma religião não é característica nem favorável nem contrária à nomeação de alguém com “notável saber jurídico”. O que se deve evitar é a subserviência do indicado ao presidente que o indicou. Boa parte dos senadores considera ser esse o caso de André Mendonça.
Quando presidente, Lula indicou para uma das vagas do Supremo o ministro do STJ Carlos Alberto Direito, “terrivelmente católico”. Ele morreu no exercício do cargo, tendo sido um ministro austero e competente. Quando presidiu o Supremo, de 1971 a 1973, Aliomar Baleeiro, que era agnóstico, mandou retirar o crucifixo feito por Alfredo Ceschiatti que ficava na parede atrás do presidente. Só em 1978 ele voltou à parede, na presidência do ministro Thompson Flores.
O presidente Bolsonaro, ao que tudo indica, continuará em sua campanha para enfraquecer o Supremo, assim como várias outras instituições republicanas. Talvez modere sua fúria por uns tempos, mas ninguém muda aos 66 anos. Os embates institucionais continuarão, e o STF terá de manter sua unidade interna, que os ataques a Barroso consolidou, para barrar as claras intenções golpistas de Bolsonaro.
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