Valor Econômico
Procedimento sobre urnas pode virar
inquérito no STF
Um dos senadores com assento na CPI da
Covid rechaçou à coluna qualquer comparação com a CPI do PC Farias, cujo
relatório final desaguou na abertura do processo de impeachment do presidente
Fernando Collor.
Este senador argumenta, em primeiro lugar,
que no fim de setembro de 1992, quando a Câmara aprovou a abertura do processo
de impedimento do presidente, por 441 votos a favor, e 38 contrários, Collor já
havia perdido a governabilidade, e, portanto, o país estava sem timoneiro.
Em segundo lugar, este mesmo senador lembra
que Collor estava no meio do mandato quando a crise se agigantou e desembocou
no impeachment. Dar posse ao vice-presidente Itamar Franco, que teria pelo
menos dois anos para governar, era um investimento político lucrativo.
Por isso, o tempo joga contra o eventual impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Resta-lhe, na prática, pouco mais de um ano de mandato, já que a campanha eleitoral estará a todo vapor em agosto de 2022. Antes disso, a pré-campanha dominará o noticiário a partir de abril, quando os ocupantes de cargos públicos vão de desincompatibilizar das funções para disputar as eleições.
Por fim, talvez a blindagem mais eficiente
de Bolsonaro seja mesmo o vice-presidente Hamilton Mourão, general da reserva.
“O vice [do Collor] era o Itamar, agora ninguém quer colocar o Mourão [na
Presidência]”, resumiu este integrante da CPI.
Segundo este senador, a ideia de afastar um
ex-deputado federal, que mal ou bem, entre soluços e engasgos, fala a língua
dos políticos, para devolver a cadeira de presidente da República aos generais
provoca arrepios em deputados e senadores.
Mourão não inspira confiança no parlamento.
Essa desconfiança ganhou proporções maiores após a nota oficial dirigida à CPI
da Covid, classificada como “intimidadora”, assinada pelo ministro da Defesa e
pelos três comandantes militares na semana passada.
Em contraponto, o vice de Collor era o
afável Itamar Franco, ex-senador por Minas Gerais, e ex-prefeito de Juiz de
Fora. Um autêntico e habilidoso político mineiro, legítimo representante da
política tradicional, um perfil que se ajustou como luva ao Congresso há 19
anos.
No sábado, o presidente da Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), afirmou em entrevista à CNN Brasil que “não é o presidente da
Câmara que faz o impeachment". Segundo Lira, o impeachment exige mais que
uma pesquisa, e mais do que a pressão da oposição.
O parlamentar do PP referiu-se à recente
pesquisa Datafolha, que detectou que a maioria da população apoia a deposição
do presidente Bolsonaro, e à onda de protestos contra o governo, que na
percepção de Lira, e de seu entorno, têm levado apenas a esquerda às ruas.
Lira expressou o que está na ponta da
língua dos políticos calejados. São fatores externos que impulsionam o
presidente da Câmara a assinar um pedido de impeachment.
A fórmula é conhecida, remonta ao processo
de Collor, e exige três ingredientes, não excludentes entre si: baixa
popularidade do presidente, população nas ruas, perda da governabilidade. A
ausência de um desses elementos desautoriza o impeachment.
As últimas pesquisas atestam que a
popularidade presidencial está em queda livre, e a população saiu às ruas. As
manifestações têm sido associadas à oposição. Mas o deputado Kim Kataguiri
(DEM-SP) anunciou que o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua, que
lideraram os protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, já começaram a
convocar uma grande manifestação pelo “fora Bolsonaro” para o dia 12 de
setembro.
Além de contar com o tempo a seu favor, e a
blindagem de um vice com os atributos de Mourão, Bolsonaro ainda desfruta de
ampla governabilidade. O governo tem aprovado medidas provisórias, às vezes,
com placar favorável de mais de 300 votos. A polêmica medida provisória da
capitalização da Eletrobras passou sem sustos com 258 votos.
Nesse contexto, o obstáculo para Bolsonaro
garantir o fim do mandato sem tantos sobressaltos é o próprio Bolsonaro, que
continua a semear vento. Propenso a arroubos, ele ouviu ontem do presidente do
Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, um pedido de trégua, após o tiroteio dos
últimos dias, inclusive tendo como alvo um ministro da Corte, o presidente do
Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. Além de insultar Barroso,
Bolsonaro o atacou com “fake news”.
Em entrevista após o encontro, Fux disse
que ponderou a Bolsonaro “o quão importante é, para a democracia brasileira, o
respeito às instituições e aos limites impostos pela Constituição Federal”.
O recado de Fux foi uma advertência de que
o tempo fechou para ele no Judiciário. Presta-se, também, a evitar que,
adiante, Bolsonaro perca aliados, e colha tempestade.
Em meio aos ataques dos últimos dias, Bolsonaro
teve como respostas de Barroso, e do ministro Alexandre de Moraes - que
presidirá o TSE no ano que vem -, o alerta de que ameaçar a democracia
constitui crime de responsabilidade - um pressuposto do impeachment.
Em movimento paralelo, o ministro Gilmar
Mendes, um dos poucos interlocutores de Bolsonaro no STF, saiu em defesa de
Barroso no Twitter. “Disseminar notícias falsas é corrosivo para a democracia e
configura crime”, alertou.
Não se descarta entre integrantes do STF
que, esgotado o prazo legal, o procedimento em curso na Corregedoria da Justiça
Eleitoral sobre supostas fraudes nas urnas eletrônicas seja convertido em
inquérito no próprio Supremo Tribunal. Ontem Bolsonaro disse que pediu a Fux
“mais prazo” ao TSE para apresentar as supostas provas de fraudes. Mas ele já
ganhou um mês, devido ao recesso do Judiciário, e o prazo de 15 dias acabou
sendo adiado para o começo de agosto.
A se confirmar essa hipótese, seria mais um inquérito no qual Bolsonaro constaria como alvo indireto. Os inquéritos que assombram o presidente estão se multiplicando: ontem a Polícia Federal abriu investigação sobre a compra da vacina indiana Covaxin, alvo preferencial da CPI.
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