O Estado de S. Paulo
Nota de comandantes das Forças Armadas
lembra 'teoria econômica de falar bobagem'
Após a troca do início do
ano, os comandantes das três Forças Armadas voltaram
aos holofotes na semana passada, com iniciativas que geraram indignação em boa
parte da opinião pública pelo tom bananeiro: primeiro uma nota conjunta, depois
uma entrevista de um deles, seguida de um tuíte de apoio de outro. Passada uma
revolta inicial, tentei ver nas manifestações algo além do velhaquismo. Lembrei
da “teoria econômica de falar bobagem”.
A teoria, que tem no título original, na
verdade, um palavrão substituindo o eufemismo “bobagem”, é do economista
Leonardo Monasterio. A motivação que ele coloca é a seguinte: “Por que alguns
caras falam tanta bobagem? A explicação usual é burrice e/ou mau-caratismo”.
Para Monasterio, há outra explicação: as falas seriam um esforço de
“sinalização”.
A bobagem seria dita para sinalizar a terceiros de seu grupo o seu comprometimento com uma causa comum: “Quanto maior a besteira, maior o sacrifício de reputação. Isso é um sinal claro para os seus de que ele queimou as pontes do bom senso e é um bom soldado”.
Na teoria microeconômica, o tema de
sinalização foi desenvolvido com o trabalho do Prêmio Nobel Michael Spence. O sinal dado a outros
tende a ser mais crível se for caro, isto é, representar uma perda para aquele
que sinaliza. A perda não precisa ser financeira, pode ser, por exemplo, de
reputação – como o caso aqui. Nesse sentido, comandantes militares falariam
bobagem, mesmo sabendo que vão se queimar diante de setores da sociedade, como
mostra de sua seriedade para um grupo (que naturalmente inclui o
presidente).
Poderíamos ir além. Vou pedir ao leitor
para aceitar uma hipótese que parece difícil agora: imagine que os comandantes
são simultaneamente inteligentes e comprometidos com a democracia. Como um
comandante com essas características deve agir no contexto atual? O que você
faria?
Podemos ver esse desafio pela lente da
teoria dos jogos, aquele campo meio mítico da academia associado a outro Nobel,
o matemático John Nash,
que inspirou o filme Uma
Mente Brilhante. O jogo em questão lembra um xadrez, quando
consideramos que as ações de um jogador (por exemplo, um comandante) vão
despertar reações de outro jogador (por exemplo, o presidente), razão pela qual
o jogador deve considerar esses efeitos sucessivos na sua tomada de decisão
inicial.
Uma forma de resolver o jogo é começar da
rodada final, contemplando primeiro o resultado desejado e, depois, as ações
que levariam até ele (simplificadamente, é a solução conhecida como “backward
induction”, ou indução retroativa). Imagine que o resultado almejado é a
manutenção da estabilidade no País. Uma condição para isso seria ter
comandantes das Forças Armadas que não topam rupturas. Assim, se você é um
desses, deve evitar as ações do jogo que levariam à nomeação de um comandante
mais golpista que você.
Se entre o seu conjunto de informações
estão as de que o presidente é narcisista e impulsivo e age deslealmente com
ex-aliados – e sabendo que você próprio já é o substituto de um comandante que
desagradou ao presidente –, você jogaria para não ser substituído. Afinal, o
presidente pode fazer sucessivas substituições até que o comandante seja o
“tiozão” mais bolsonarista do churrasco.
Entre as ações que o manteriam no cargo,
estariam as sinalizações – por exemplo, notinhas e entrevistas que provocam
críticas duras da imprensa (caso evidentemente em que se ganham pontos
adicionais com o chefe). Voltamos, então, à teoria econômica de falar bobagem.
Elas integrariam uma estratégia dos que não querem ser o próximo Santos Cruz,
o general bonzinho que terminou ex-amigo de Jair. Vale frisar: a premissa aqui é
de comandantes inteligentes, comprometidos com a democracia e que agem racional
e estrategicamente.
Pode não ser assim: e a análise do colunista seria um caso de “xadrez 5D”, como são ridicularizados na internet os comentários que enxergam estratégias sofisticadas onde não há nenhuma. Não nego a hipótese alternativa, mas elas implicariam reconhecer um grande déficit de capital humano nas Forças Armadas, se os seus comandantes – em tese, os melhores das tropas – são apenas o clichê que aparentam ser: um trio de ressentidos e despreparados.
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