terça-feira, 13 de julho de 2021

Pedro Cafardo - Já passou da hora de planejar o pós-pandemia

Valor Econômico

Com a ascensão ameaçadora da China e a pandemia, até economias avançadas passaram a apoiar a intervenção estatal

As previsões de crescimento do PIB brasileiro neste ano vêm sendo revisadas para melhor a cada semana e já superam 5%. O número é bom, mas apenas compensa, com pequena vantagem, a recessão de 4,1% do ano passado. Então, este é um momento oportuno para reflexões sobre expansão da economia brasileira.

Uma constatação inicial indiscutível é que a economia está semiestagnada há quase quatro décadas. O baixo crescimento da produção fez com que o PIB per capita tivesse nesse período uma pequena expansão, aquém das médias globais.

Avaliações heterodoxas indicam que a principal razão dessa semiestagnação foi o abandono ou a adoção equivocada das políticas econômicas voltadas para o desenvolvimento que haviam transformado o país em um grande exportador de produtos industrializados. No fim da década de 1980, o Brasil exportava anualmente US$ 9 bilhões em manufaturados, mais que a China, com US$ 8 bilhões. Passados 40 anos, as exportações chinesas desses produtos (mais de US$ 2 trilhões em 2020) são 30 vezes maiores que as brasileiras (US$ 61 bilhões).

Costuma-se dizer que o Brasil foi o país cuja economia mais cresceu no século XX. Isso parece não ser verdadeiro, embora não haja estatísticas mundiais conclusivas sobre o assunto. Pode-se dizer apenas que o país foi um dos que mais cresceram no século, tendo o PIB per capita aumentado em média 3,5% ao ano, índice superado por alguns países, entre eles Coreia do Sul, Japão e Taiwan.

A fase de ouro da economia brasileira foi de 1920 a 1980, quando o país adotou políticas desenvolvimentistas. Depois, os anos 1980 foram dominados pela crise da dívida externa e pela hiperinflação. Nos 1990, resolvido o problema da dívida, veio o plano de estabilização (Real), bem-sucedido, mas o país enfrentou duas crises financeiras e permaneceu semiestagnado. Após acordo com o FMI, adotou-se a política do tripé macroeconômico - câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal -, que manteve a estabilidade, mas não funcionou para promover crescimento.

É fato: um país que foi destaque global em crescimento durante grande parte do século XX perdeu ímpeto nas últimas quatro décadas. Um passeio pelo gráfico ao lado, preparado pelo economista Robinson Moraes, do Valor Data, mostra números registrados nos oito governos no período da redemocratização. Nenhum deles promoveu expansão forte nesse período pós-1985. O maior crescimento médio do PIB se deu no segundo governo Lula (4,6% ao ano) e o segundo maior no de José Sarney (4,35%). Nos demais, houve taxas anuais baixas ou recessões, o que deixaram estagnada ou mesmo em queda a renda real per capita.

Estagnação e semiestagnação, como se viu em seis décadas do século XX, não são destinos inexoráveis brasileiros. Há condições favoráveis para o país voltar a figurar entre os líderes do crescimento no mundo.

A agenda neoliberal defende a redução drástica do papel do Estado em quase todos os setores, para abrir espaço ao empreendimento privado. Os exemplos globais de sucesso do século XX, porém, mostram que não há experiência de desenvolvimento que tenha prescindido de um papel proativo do Estado na economia e em conjunto com a iniciativa privada.

O papel do Estado indutor do desenvolvimento vinha sendo menosprezado pelo neoliberalismo nas últimas décadas, mas a ascensão ameaçadora da China e a pandemia mudaram o discurso. Até economias avançadas passaram a apoiar a intervenção estatal. No mês passado, o Senado americano aprovou o maior pacote de política industrial da história dos EUA. Cerca de US$ 250 bilhões serão injetados em cinco anos em empresas privadas para investimentos na fabricação de semicondutores, pesquisa de inteligência artificial, robótica, computação quântica e outros setores de alta tecnologia. Em condições normais, sob a agenda neoliberal, esses recursos só poderiam ser buscados no mercado de capitais.

O Brasil deveria pelo menos começar a pensar em planejar a economia pós-pandemia, apesar de ter um governo que extinguiu o Ministério do Planejamento. Em tempos de emergência climática, a vocação brasileira está estampada nas características naturais do país, com florestas tropicais, biodiversidade, potencial agrícola e para geração de energias renováveis.

Em lúcido artigo no Valor, o economista Jorge Arbache, vice-presidente do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), observou que o Brasil e toda a região latino-americana terão de apostar em um “crescimento sustentável e sustentado”. A economia das mudanças climáticas oferece oportunidades sem precedentes, disse. A agricultura poderia ser vista como ponto de partida, e não de chegada, na matriz produtiva e de comércio exterior. Há claras chances de atração de investimentos em pesquisas, tecnologias, equipamentos, produção e exportação de alimentos industrializados, marcas e redes de distribuição.

O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, em artigo de ontem no Valor, lembrou que o FMI projeta déficit primário de apenas 1,7% do PIB no país neste ano e volta do superávit em 2024. Essa projeção deveria reduzir a pressão dos “terroristas fiscais” por cortes de gastos e abrir espaço para investimentos públicos na nova economia, verde e tecnológica.

Infelizmente, o Brasil tem um governo que abomina o óbvio e não só no combate à pandemia. Um ministro do Meio Ambiente, demitido em junho, ficou dois anos e meio “passando a boiada” para sabotar a política ambiental. Enquanto isso, o país enfrentava a onda de fuga de cérebros para o exterior. Só para os EUA, houve no ano passado 3.387 pedidos de visto de trabalho para pessoal de alta qualificação. Para jovens talentosos, vai ficando cada vez mais difícil não desistir do Brasil.

 

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