Valor Econômico
Documentos do Copom alertam que os riscos
são grandes, mas Roberto Campos Neto vem expressado um tom esperançoso e
sugerindo que uma boa explicação vai eliminar dúvidas
O Banco Central está com uma comunicação
dúbia sobre a política fiscal nas últimas semanas. De um lado, todos os
documentos oficiais do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC alertam que
os riscos são grandes. De outro, o presidente da instituição, Roberto Campos
Neto, vem expressado um tom esperançoso e sugerindo que uma boa explicação vai
eliminar as dúvidas. “Cadê a grande deterioração fiscal? Os números não
mostram”, disse, em um evento na sexta-feira.
Afinal, quem está certo? A resposta é
relevante para determinar os próximos passos no ciclo de alta de juros. Desde
junho de 2020 o Copom diz que o forte risco fiscal torna o balanço de riscos
para a inflação assimétrico, levando agora a cortes de juros maiores do que os
recomendados pelo cenário básico do colegiado.
Na sua reunião de agosto, o Banco Central
apresentou projeções econômicas que mostram que, com uma taxa de juros de 7% ao
ano, seria possível levar a inflação à meta, de 3,5%, em 2022. Mas, devido a
todos os perigos fiscais, há um risco relevante de o índice de preços superar o
alvo. Por isso, o BC sinaliza mais juros, e os analistas do mercado já falam em
percentuais para a Selic de cerca de 8% ao ano mais.
A comunicação oficial do Banco Central é forte o suficiente para mostrar que a autoridade monetária está preocupada com os riscos fiscais e que, hoje, já está reagindo a eles, fazendo o que for necessário para levar a inflação para a meta. Os pronunciamentos recentes de Campos Neto, que ultimamente têm destacado mais a esperança de um bom desfecho nas discussões no orçamento e na reforma tributária para pagar um Bolsa Família turbinado, turvam um pouco a mensagem do Copom. Um presidente do BC menos preocupado com o fiscal levanta dúvidas se, nas reuniões do comitê, será dado menos peso aos cenários alternativos de projeção de inflação que consideram uma trajetória fiscal de pior qualidade. Como desdobramento disso, o aperto monetário tenderia a ser menor. O risco é o mercado achar que o BC está subestimando os riscos fiscais e, assim, ocorrer uma deterioração adicional nas expectativas de inflação.
O que, exatamente, o presidente do BC tem
falado de diferente da comunicação oficial do Copom? O comitê, como Campos
Neto, reconhece que houve uma “melhora recente nos indicadores de
sustentabilidade fiscal”. Um dado que Campos Neto vem destacando é que, apesar
de todo o impacto da pandemia, não mudaram substancialmente as projeções do
mercado financeiro para a dívida bruta e para o superávit primário para este
ano. Antes da covid, o mercado previa dívida bruta de 81% do PIB ao fim deste
ano, e, agora, de 81,5% do (Produto Interno bruto) PIB. Antes, previa um
déficit primário de 1% do PIB e, agora, estima ao redor de 1,5% do PIB.
O colegiado, nos documentos oficiais, não
entra muito na polêmica sobre se essa melhora é um simples desdobramento da
surpresa inflacionária, que corroeu uma parte da dívida pública. Já o chefe do
BC vem destacando o papel da alta dos termos de troca, das reformas fiscais e
também na contenção das despesas que estão fora do teto de gastos durante a
pandemia.
O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore
é um dos que enfatizam o peso da inflação na queda da dívida. “Atribuir isso a
uma eficiência do governo é um ato que nenhum presidente do Banco Central
deveria ter”, disse na quinta-feira, no VII Seminário Anual de Política
Monetária do Instituto Brasileiro de Economia (IbreFGV). “Desculpe-me a
franqueza.”
De forma geral, os economistas de mercado
reconhecem o progresso na queda do endividamento e do déficit primário. Mas
dizem que, apesar de a pandemia não ter piorado muito as coisas, o quadro
fiscal já era muito frágil antes. E, para lidar com ele, é preciso ter
instituições fiscais sólidas para dar tranquilidade para o BC fazer o seu
trabalho. Atualmente, as discussões no Congresso colocam em risco o teto de
gastos. “A âncora fiscal passou a ser uma âncora flutuante”, disse Pastore.
“Quando ocorre o risco de descumprir o teto de gasto, muda-se a lei.”
Tanto Campos Neto quanto o Copom citam os
riscos no horizonte. Ambos têm dito, como está escrito nos documentos oficiais
do colegiado, que “novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à
pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem
elevar o prêmio de risco país”.
A grande diferença é que o Copom diz que “o
risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de
riscos”, dando uma ênfase maior no lado mais negativo. Por alguns dias, o
presidente do Banco Central repetiu de forma mais literal a mensagem do comitê,
porém recentemente passou a se mostrar mais confiante num bom desfecho nas
discussões sobre o Bolsa Família. “Nós estamos muito encorajados com as
palavras do presidente [da Câmara, Arthur] Lira nessa parte do compromisso do
legislativo com o fiscal”, disse Campos Neto, num evento com a participação do
parlamentar.
Muitos veem uma inflexão na visão do
presidente do BC, que sempre se mostrou mais preocupado com evolução fiscal. Em
fins do ano passado, ele chegou a ameaçar uma remoção da indicação então
vigente de não subir os juros tão cedo porque o Congresso estudava manobras no
uso também dos precatórios para bancar também o novo programa social. Na época,
ele disse que medidas que não violam legalmente o teto de gastos, mas
representam um drible à regra, estavam sendo punidas pelo mercado porque
representavam uma ameaça à trajetória de consolidação fiscal do país. Mais para
o começo do ano, Campos Neto discorreu sobre como países com altas dívidas,
como o Brasil, estavam vulneráveis a uma alta de juros - e chegou a citar o
risco de dominância fiscal.
Em termos práticos, o tom esperançoso de
Campos Neto significa alguma correção na condução da política monetária?
Provavelmente, não. Os membros do colegiado atual tem se notabilizado em citar
cenários positivos, mas na hora das decisões de juros o que acaba prevalecendo
são os dados concretos na mesa.
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