segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Alex Ribeiro - Os ruídos fiscais na comunicação do BC

Valor Econômico

Documentos do Copom alertam que os riscos são grandes, mas Roberto Campos Neto vem expressado um tom esperançoso e sugerindo que uma boa explicação vai eliminar dúvidas

O Banco Central está com uma comunicação dúbia sobre a política fiscal nas últimas semanas. De um lado, todos os documentos oficiais do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC alertam que os riscos são grandes. De outro, o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, vem expressado um tom esperançoso e sugerindo que uma boa explicação vai eliminar as dúvidas. “Cadê a grande deterioração fiscal? Os números não mostram”, disse, em um evento na sexta-feira.

Afinal, quem está certo? A resposta é relevante para determinar os próximos passos no ciclo de alta de juros. Desde junho de 2020 o Copom diz que o forte risco fiscal torna o balanço de riscos para a inflação assimétrico, levando agora a cortes de juros maiores do que os recomendados pelo cenário básico do colegiado.

Na sua reunião de agosto, o Banco Central apresentou projeções econômicas que mostram que, com uma taxa de juros de 7% ao ano, seria possível levar a inflação à meta, de 3,5%, em 2022. Mas, devido a todos os perigos fiscais, há um risco relevante de o índice de preços superar o alvo. Por isso, o BC sinaliza mais juros, e os analistas do mercado já falam em percentuais para a Selic de cerca de 8% ao ano mais.

A comunicação oficial do Banco Central é forte o suficiente para mostrar que a autoridade monetária está preocupada com os riscos fiscais e que, hoje, já está reagindo a eles, fazendo o que for necessário para levar a inflação para a meta. Os pronunciamentos recentes de Campos Neto, que ultimamente têm destacado mais a esperança de um bom desfecho nas discussões no orçamento e na reforma tributária para pagar um Bolsa Família turbinado, turvam um pouco a mensagem do Copom. Um presidente do BC menos preocupado com o fiscal levanta dúvidas se, nas reuniões do comitê, será dado menos peso aos cenários alternativos de projeção de inflação que consideram uma trajetória fiscal de pior qualidade. Como desdobramento disso, o aperto monetário tenderia a ser menor. O risco é o mercado achar que o BC está subestimando os riscos fiscais e, assim, ocorrer uma deterioração adicional nas expectativas de inflação.

O que, exatamente, o presidente do BC tem falado de diferente da comunicação oficial do Copom? O comitê, como Campos Neto, reconhece que houve uma “melhora recente nos indicadores de sustentabilidade fiscal”. Um dado que Campos Neto vem destacando é que, apesar de todo o impacto da pandemia, não mudaram substancialmente as projeções do mercado financeiro para a dívida bruta e para o superávit primário para este ano. Antes da covid, o mercado previa dívida bruta de 81% do PIB ao fim deste ano, e, agora, de 81,5% do (Produto Interno bruto) PIB. Antes, previa um déficit primário de 1% do PIB e, agora, estima ao redor de 1,5% do PIB.

O colegiado, nos documentos oficiais, não entra muito na polêmica sobre se essa melhora é um simples desdobramento da surpresa inflacionária, que corroeu uma parte da dívida pública. Já o chefe do BC vem destacando o papel da alta dos termos de troca, das reformas fiscais e também na contenção das despesas que estão fora do teto de gastos durante a pandemia.

O ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore é um dos que enfatizam o peso da inflação na queda da dívida. “Atribuir isso a uma eficiência do governo é um ato que nenhum presidente do Banco Central deveria ter”, disse na quinta-feira, no VII Seminário Anual de Política Monetária do Instituto Brasileiro de Economia (IbreFGV). “Desculpe-me a franqueza.”

De forma geral, os economistas de mercado reconhecem o progresso na queda do endividamento e do déficit primário. Mas dizem que, apesar de a pandemia não ter piorado muito as coisas, o quadro fiscal já era muito frágil antes. E, para lidar com ele, é preciso ter instituições fiscais sólidas para dar tranquilidade para o BC fazer o seu trabalho. Atualmente, as discussões no Congresso colocam em risco o teto de gastos. “A âncora fiscal passou a ser uma âncora flutuante”, disse Pastore. “Quando ocorre o risco de descumprir o teto de gasto, muda-se a lei.”

Tanto Campos Neto quanto o Copom citam os riscos no horizonte. Ambos têm dito, como está escrito nos documentos oficiais do colegiado, que “novos prolongamentos das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar o prêmio de risco país”.

A grande diferença é que o Copom diz que “o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos”, dando uma ênfase maior no lado mais negativo. Por alguns dias, o presidente do Banco Central repetiu de forma mais literal a mensagem do comitê, porém recentemente passou a se mostrar mais confiante num bom desfecho nas discussões sobre o Bolsa Família. “Nós estamos muito encorajados com as palavras do presidente [da Câmara, Arthur] Lira nessa parte do compromisso do legislativo com o fiscal”, disse Campos Neto, num evento com a participação do parlamentar.

Muitos veem uma inflexão na visão do presidente do BC, que sempre se mostrou mais preocupado com evolução fiscal. Em fins do ano passado, ele chegou a ameaçar uma remoção da indicação então vigente de não subir os juros tão cedo porque o Congresso estudava manobras no uso também dos precatórios para bancar também o novo programa social. Na época, ele disse que medidas que não violam legalmente o teto de gastos, mas representam um drible à regra, estavam sendo punidas pelo mercado porque representavam uma ameaça à trajetória de consolidação fiscal do país. Mais para o começo do ano, Campos Neto discorreu sobre como países com altas dívidas, como o Brasil, estavam vulneráveis a uma alta de juros - e chegou a citar o risco de dominância fiscal.

Em termos práticos, o tom esperançoso de Campos Neto significa alguma correção na condução da política monetária? Provavelmente, não. Os membros do colegiado atual tem se notabilizado em citar cenários positivos, mas na hora das decisões de juros o que acaba prevalecendo são os dados concretos na mesa.

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