O Estado de S. Paulo
Esse é um bem comum. Não se pode querê-la
apenas para alguns e negá-la para outros
Todos a querem para si, mas poucos a
reconhecem também como um direito do outro. Querem-na na exata medida de sua
vontade, de suas pretensões, pouco se importando com a liberdade alheia. Poucos
a entendem e uma mínima parcela a exerce com sabedoria e espírito coletivo.
Talvez nunca na História do Brasil se tenha falado tanto em liberdade como agora. Aliás, o que é grave, fala-se dela sem pudor e sem escrúpulos para pregar o seu extermínio. Reivindicam a liberdade para operar a sua extinção. E os seguidores do discurso oficial disseminador do ódio e da destruição das instituições não escondem a sua intenção. Agora mesmo se fala da necessidade de “se tomar a liberdade, pois ela não se ganha, se toma”. Pergunta-se: tomar de onde? Tomar de quem? Tomar para quem e para o quê?
Aí o sentido do verbo tomar é o de
arrancar, subjugar, apoderar, capturar, dominar, por um ato de força. Essas
condutas são exatamente a antítese da própria liberdade.
É de fácil percepção que não são defensores
da liberdade aqueles que acham que ela deve ser “tomada”, pois não aceitam que
o outro a tenha. Dizem ainda que ela não se “ganha”, se “toma”. Liberdade se
ganha, sim. Ela é conquistada, e jamais de forma truculenta.
Há uma única situação em que ela deve ser obtida de qualquer forma: no caso em que ela tenha sido abolida à força. Nessa hipótese, são legítimos todos os meios aptos a recuperá-la, retirando-a de quem a usurpou: o déspota, o ditador, o governante autoritário, aqueles que só reconhecem um tipo de liberdade: a de governar sem os limites impostos pela lei, pelos direitos individuais e pela própria vontade popular.
Está se tornando voz corrente a pregação em
prol da liberdade de opinião e de crítica como um direito sem peias, sem
limites, sem controle de qualquer natureza ou espécie.
Sabemos que o homem é um animal gregário,
necessita viver em comunhão com outros homens. Ademais, é ele dotado de
aspirações, anseios, interesses que nem sempre podem ser satisfeitos, pois
esbarram, se chocam com interesses de terceiros. O conflito daí surgido só pode
ser resolvido pelo Poder Judiciário, por meio da aplicação da lei adequada. Em
todos os setores e situações da vida em sociedade podem surgir e surgem
conflitos.
O fenômeno conflituoso, verdadeira crise
que atinge a paz e a harmonia sociais, em inúmeras situações tem como centro,
como cerne, a liberdade. Disputa-se a prevalência da liberdade por vezes posta
em confronto com direitos subjetivos, de igual relevância.
Em face de abusos da liberdade de
expressão, que atingem a honra alheia ou põem em risco a normalidade
institucional, o Poder Judiciário é acionado para apurar responsabilidades e
eventualmente aplicar as sanções previstas, tanto na esfera cível quanto na penal.
Atualmente, vem se assistindo a uma maior atenção e um maior cuidado por parte
da imprensa escrita para, no exercício da liberdade que lhe é essencial, não
extrapolar o seu direito à livre manifestação, não ferindo a honorabilidade
alheia.
No entanto, não é isso que se percebe
quando informações, opiniões e críticas são divulgadas pelas redes sociais. Aí
se perde completamente o respeito pelo próximo e pelas instituições, não se
teme punição de nenhuma espécie e não se tem nenhum escrúpulo para evitar
ofensas – ofensas que extrapolam em muito os limites do próprio tema abordado.
Xinga-se, utiliza-se de um tosco e
grosseiro linguajar absolutamente desnecessário para ilustrar a opinião
emitida. Faltam a decência e o pudor de se colocar no lugar do outro para
avaliar o sofrimento causado. O mesmo se dá em relação às instituições
democráticas. Usa-se a liberdade de opinião para pregar a sua destruição.
Eu me referi às falas e aos escritos com
autoria identificada. O que dizer, então, da covarde canalhice do anonimato que
serve de escudo para a impunidade?
Sob o abrigo da liberdade de opinião
prega-se a violência social, a destruição das instituições, o fechamento do
Supremo Tribunal Federal e do Parlamento, o banimento de garantias, a
destituição de autoridades do Judiciário de seus cargos e outras violências do
mesmo jaez. Liberdade como alvará de permissividade, como licença da prática de
crimes de lesa-pátria e lesa-democracia.
Causa muita estranheza juristas da maior
envergadura estarem entendendo que o Supremo e os demais tribunais não devem
interferir. Pergunta-se: quem pode no País pôr fim aos conflitos senão o
Judiciário? É incrível que as críticas à conduta dos magistrados, que são
chamados a atuar, não sejam apenas do leigo, mas dos homens da lei. Os juízes
podem errar, podem acertar, mas não podem ser objeto de repreensão porque estão
cumprindo o seu dever de dizer o direito e tentar pôr fim aos conflitos.
É preciso que se entenda: a liberdade é um bem comum. Não se pode querer a liberdade apenas para alguns e negá-la para outros nas mesmas situações. Eu posso falar o que quiser, você, não, só o que eu consentir. Não existe liberdade sob medida e ninguém é seu proprietário.
*Advogado
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