Blog do Noblat / Metrópoles
Ainda faltam 14
tumultuados meses para a eleição de 2022, e tudo pode acontecer, inclusive nada
É um coquetel
mortífero. Misture insônia crônica com remédios para males próprios da idade,
medo de morrer ou de ser morto, receio que um ou mais dos seus filhos seja
preso de repente, perfeita inadequação ao cargo e que ninguém que o conhece há
muito tempo imaginou que fosse capaz de ocupar um dia.
Adicione a
memória dos erros cometidos ao longo de uma epidemia que matou mais de 579 mil
pessoas, inflação em disparada, desemprego em alta, apagão de energia devido à
falta de chuva, e o fantasma de uma possível derrota eleitoral próxima.
Resultado: um presidente da República em surto.
Jair
Bolsonaro é um fio desencapado que ocasiona curtos circuitos e faíscas
e pode produzir pequenos ou grandes incêndios. Na maioria das vezes, os produz
deliberadamente, como esse marcado por ele para o dia 7 de setembro com o
propósito de agravar a crise institucional que o país atravessa por sua inteira
culpa.
Quando a palavra impeachment não era tão popular como é hoje, a teoria política ensinava que o governante tinha três alternativas: conciliar, renunciar ou ser deposto. Tradução literal: ou acaba derrubado, ou cai fora espontaneamente, ou enfia o rabo entre as pernas e vai tocando da melhor maneira que pode.
O presidente João
Goulart foi derrubado pelo golpe militar de 64. Seu antecessor, Jânio Quadros,
renunciou com o plano de voltar ao poder carregado pelo povo e mais forte. Não
deu certo. Getúlio Vargas conformou-se com o golpe que o derrubou em 1945, mas
não com o de 1954, e por isso matou-se com um tiro.
Bolsonaro disse
que o futuro lhe reserva três alternativas: ser morto, ser preso ou a vitória.
A morte é o destino de quem vive. No caso dele, vítima de uma facada, talvez
queira dizer que poderá outra vez ser alvo de um atentado. Está sujeito a isso,
sim, como, por exemplo, Lula também está a crer-se nas ameaças que recebe.
Quanto a ser
preso, Bolsonaro descartou a hipótese porque faz “a coisa certa” e “nenhum
homem aqui na Terra” o amedronta. A coisa certa não faz, se fizesse não teria
com o que se preocupar. A inexistência de homem que o amedronte é retórica pura
– o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, mete-lhe medo.
Entre as
alternativas, Bolsonaro se esqueceu de citar a derrota. Deve ter sido
aconselhado a não fazê-lo porque candidato algum, mesmo com grandes chances de
ser derrotado, admite isso. “Ê, ê, Eymael, um democrata cristão” que disputou e
perdeu quatro eleições presidenciais e será candidato de novo, nunca o fez.
De resto,
Bolsonaro posa de mártir para não perder os votos que ainda tem e porque sabe
que não está fora do jogo. Desde a redemocratização do país em 1985, duas
variáveis se repetem e o favorecem: presidente da República, candidato à
reeleição, sempre vence; e o PT tem lugar garantido no segundo turno.
Há uma terceira variável
que poderá beneficiá-lo ou não: faltam 14 meses para a eleição. Em 1989,
Fernando Collor só emergiu como favorito 5 meses antes do primeiro turno. Em
1984, o favorito era Lula a 5 meses no primeiro turno, e Fernando Henrique
Cardoso se elegeu com folga e se reelegeu sem precisar de segundo turno.
Em 2005, a 1 ano
da eleição, o presidente Lula foi dado como morto, atropelado pelo mensalão do
PT. Ao impeachment, a oposição preferiu deixar que ele sangrasse até o fim, e
Lula se reelegeu. A um ano da eleição de 2010, Dilma Rousseff era uma ilustre
desconhecida, e se elegeu. E reelegeu-se. E foi derrubada.
Não sei se o acaso quer brincar ou se é a vida que escolhe, mas ele não pode ser desprezado.
O recado do STF
via Lewandowski para os partidários do golpe
A quem interessar
possa
O presidente Jair
Bolsonaro detesta ler, gosta mais de figurinhas como já disse, mas alguém deve
ler os jornais por ele, atento aos fatos mais importantes que possam despertar
seu interesse.
Sendo assim, ele
tomou conhecimento, quando nada por alto, do artigo publicado, ontem, na Folha
de S. Paulo e assinado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal
Federal.
O título do
artigo diz tudo: “Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível”. Seu
autor é professor titular de teoria do Estado da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo.
Lewandowski
lembra que na Roma antiga, para segurança do governo, existia uma lei segundo a
qual nenhum general poderia atravessar, acompanhado das respectivas tropas, o
rio Rubicão.
Mas em 49 a.C., à
frente das legiões que comandava, o general romano Júlio César atravessou o rio
pronunciando a célebre frase: “A sorte está lançada”. Empalmou depois o poder
político.
Em seguida,
instaurou uma ditadura. Mas ao cabo de cinco anos foi assassinado “a punhaladas
por adversários políticos, dentre os quais seu filho adotivo, Marco Júnio
Bruto”.
Segundo o
ministro, o episódio revela “que distintas civilizações sempre adotaram, com
maior ou menor sucesso, regras preventivas para impedir a usurpação do poder
legítimo pela força”.
A Constituição de
1988 estabeleceu que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de
grupos armados, civis e militares, contra a ordem constitucional e o Estado
democrático”.
Por sua parte, o
projeto de lei há pouco aprovado pelo Congresso, que revogou a Lei de Segurança
Nacional, desdobrou esse crime em vários delitos autônomos, inserindo-os no
Código Penal.
É criminosa a
conduta de subverter as instituições vigentes, “impedindo ou restringindo o
exercício dos poderes constitucionais”. Golpe de Estado para depor governo
eleito é crime.
Ambos os
ilícitos, como observa Lewandowski em seu artigo, “são sancionados com penas
severas, agravadas se houver o emprego da violência”. E ele vai adiante:
“Cumpre registrar que não
constitui excludente de culpabilidade a eventual convocação das Forças Armadas
e tropas auxiliares, com fundamento no artigo 142 da [Constituição], para a
‘defesa da lei e da ordem’, quando realizada fora das hipóteses legais, cuja
configuração, aliás, pode ser apreciada em momento posterior pelos órgãos
competentes”.
Entendeu o
recado, Bolsonaro? Ou prefere que o ministro desenhe?
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