O Estado de S. Paulo
Com suas milícias de rua e digitais,
Bolsonaro tenta instaurar um regime autoritário
O presidente Jair Bolsonaro pauta suas
ações pelo confronto incessante, pela produção permanente do enfrentamento. Não
há nenhum apaziguamento possível, percebido por ele e por seus familiares e
subordinados como um sinal de enfraquecimento. O diálogo, o reconhecimento do
outro não fazem parte de seu mundo, que se constitui num mundo à parte ao da
democracia e das liberdades.
Sua concepção, conforme já assinalamos
nesta página, reside na ideia schmittiana do político concebida sob a forma da
oposição amigo/inimigo. Não importa que o inimigo seja real ou imaginário,
contanto que exista em sua percepção e constitua o seu campo de ataque. Assim
se recorta para ele a realidade.
O conflito estabelecido com o Supremo
Tribunal Federal (STF) é exemplar. O que faz o STF? Reage e se defende dos
ataques incessantes que sofre, em defesa dos princípios democráticos do Estado.
Cabe ao Supremo, em última instância, dizer não ao arbítrio, à ameaça e à
violência. Os ataques aos ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes
fazem parte da estratégia bolsonarista de minar as instituições democráticas,
no caso, a mais Alta Corte do País.
Não são eles a causa dos conflitos, mas
propriamente o efeito da política bolsonarista. E enganou-se quem pensou que,
uma vez o Supremo recuando, Bolsonaro cessaria os seus ataques. Ele não o faria
pela simples razão de que deles vive. Alguém já viu peixe respirando fora da
água?
O seu enfrentamento não é com o indivíduo A
ou B, mas com as instituições que representam. Seu alvo consiste em destruir a
democracia, pretendendo, assim, estabelecer o seu regime autoritário. E não
mede meios para isso. Ele o faz metodicamente, a exemplo de Adolf Hitler, na
ascensão do nazismo, e Hugo Chávez, na Venezuela.
Direita e esquerda são aqui termos irrelevantes, por compartilharem a mesma concepção da política. No início, ambos os ditadores se utilizaram das instituições existentes para miná-las por dentro, dizendo – pasmem! –, seguir a Constituição. Citavam artigos constitucionais e eram supostamente contra suas distorções. Capturaram a opinião pública em eleições para, depois, virem a destruí-las. Restaram a morte e a violência.
Bolsonaro agora inventou a ideia do
“contragolpe”. Aparentemente não se sabe muito bem o que isso significa, salvo
a sua designação de ministros do Supremo e outros, como o PT, e sabe-se lá quem
mais neste amálgama ideológico e confuso. No entanto, tudo isso tem uma
significação precisa: dar um golpe, dizendo preveni-lo.
Como não ousa abertamente dizer que
pretende instaurar uma ditadura, porque perderia adeptos que ainda acreditam no
que ele diz, apesar de a mentira ser o seu modo de orientação, arvora-se em
defensor das liberdades que estariam sendo usurpadas. Ora, é ele o usurpador,
por identificar o seu arbítrio com as liberdades.
É uma espécie de arbítrio da liberdade que
se volta contra as liberdades. Liberdade sem regras equivale ao mero arbítrio,
na medida em que não tem barreiras, limites, que são os estabelecidos por
regras morais, jurídicas e políticas. Bolsonaro procura impor a sua vontade
arbitrária como se fosse a encarnação das liberdades ou de sua dita vontade do
povo, da qual, evidentemente, ele seria o único intérprete. Mas é ele que
almeja produzir uma ruptura institucional, com o emprego de suas milícias de
rua e digitais, hoje pretendendo incorporar algumas Polícias Militares.
É falacioso o argumento de que Bolsonaro
não produz violência, mas tão só discursos e narrativas. Ora, discursos,
narrativas e declarações são atos de fala, atos de linguagem, que suscitam
efeitos. E esses efeitos, uma vez acolhidos por aqueles que o escutam, se
traduzem por ações concretas. Isto é, atos de fala são ações que devem ser
consideradas enquanto tais, principalmente no campo da política. Logo, quando
Bolsonaro conclama seus seguidores a se manifestarem contra as instituições,
seu objetivo reside em destruir essas mesmas instituições com a ajuda de seus
fanáticos. Um conflito de rua seria nada mais do que um detalhe, que seria
evidentemente atribuído à esquerda ou a algum governador de oposição ou
supostamente tal.
Neste contexto, está fadado ao fracasso o
esforço de ministros e políticos em conter Bolsonaro, como se pudessem eles ser
“amortecedores”. Não faz o menor sentido, uma vez que o diálogo e a política
democrática não fazem parte do seu cardápio político. Chega a ser risível o que
se lê na imprensa, que os que procuram controlar o presidente no final o
consideram imprevisível. Porém só é imprevisível para os que são seus “amigos”
neste momento, usufruindo privilégios e posições de poder, pois sua
previsibilidade é total quando vista sob o prisma da política baseada na
distinção entre amigos e inimigos, no uso sistemático do enfrentamento e na
destruição das instituições democráticas.
Não se trata somente de distúrbios psicológicos, graves, de um líder, mas da tentativa de instauração no País de um regime autoritário. Não se pode compactuar com isso!
*Professor de Filosofia na UFGRS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário