EDITORIAIS
O Brasil está secando
O Estado de S. Paulo
Do atual governo não se pode esperar nada positivo. Políticas ambientais propositivas deveriam estar no centro dos debates para as eleições de 2022
O Brasil está secando. Segundo o projeto MapBiomas, que reúne
universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia, nos últimos 35
anos o País perdeu 16% da superfície de água e as queimadas atingiram 20% do
território nacional.
Dois terços do fogo ocorreram em áreas de
vegetação nativa. Cerrado e Amazônia concentram 85% da área queimada ao menos
uma vez.
O padrão do fogo evidencia a relação com
causas humanas. Entre 1985 e 2020, 61% das áreas afetadas foram queimadas duas
vezes ou mais. No caso da Amazônia, 69% das áreas afetadas queimaram mais de
uma vez; 48% queimaram mais de três vezes. A Amazônia, advertiu a coordenadora
do MapBiomas Fogo, Ane Alencar, “é uma floresta úmida, o fogo não faz parte do
seu regime natural, mas temos visto esse avanço puxado por fatores como o
avanço das áreas de pastagem”.
Desde 2004, quando o desmatamento na Amazônia atingiu o pico das duas últimas décadas, ou 27,8 mil km², o País o reduziu expressivamente – ainda que insuficientemente –, chegando ao menor índice da série histórica em 2012: 4,6 mil km². Mas nos últimos dois anos o desmate se acelerou.
A perda de água é em certa medida mais
preocupante, porque desde os anos 90 a desidratação é quase contínua e nos
últimos 10 anos se acentuou, revelando que as crises hídricas deverão ser mais
recorrentes e intensas. “O que assusta é a tendência de longo prazo. Cada vez
que temos um ano de seca mais forte, o País pode se recuperar um pouco depois,
mas parece que não consegue voltar ao patamar anterior”, disse o coordenador do
MapBiomas, Tasso Azevedo. “Nesse ritmo, vamos chegar a um quarto (25%) de redução da superfície de
água antes de 2050.”
A primeira das causas apontadas são as
mudanças climáticas, que tendem a acentuar dois extremos: estiagens mais longas
e extensas e chuvas mais curtas e intensas. “Chove muito, de forma concentrada,
a água escorre e vai embora.”
Outro fator está ligado à expansão das
fronteiras agrícolas. O aumento das represas em fazendas provoca o assoreamento
e a fragmentação da rede de drenagem, desencadeando um ciclo vicioso: “Estas
represas privadas tiram água do curso natural. Menos água, menos
evapotranspiração das árvores da floresta, o que causa menos chuva, e mais
seca. E para combater a seca”, conclui Azevedo, “mais reservatórios privados”.
Por fim, o desmatamento, sobretudo na
Amazônia, está reduzindo, a um tempo, as chuvas e o efeito esponja das
vegetações nativas, ou seja, a capacidade de absorver a água no solo e
liberá-la aos poucos.
O Pantanal é o maior emblema da correlação
nefasta entre queimadas e desidratação. Mato Grosso – que abriga Amazônia,
Cerrado e Pantanal – é o Estado com maior área afetada pelo fogo e o segundo em
perda de água, atrás apenas de Mato Grosso do Sul. Comparativamente, o Pantanal
foi o bioma que mais queimou nas últimas três décadas – 57% de sua área queimou
ao menos uma vez – e também foi o que mais secou – 74% de sua superfície
aquática foi perdida. É outro ciclo vicioso: menos água deixa a matéria
orgânica no solo mais vulnerável ao fogo. Mais fogo elimina a vegetação
fundamental para proteger a nascente dos rios. Em 2020, o Pantanal registrou o
recorde de queimadas, e neste ano já atingiu o mesmo patamar de área destruída
até o mesmo período do ano passado.
Todos os biomas estão conectados; a
degradação ambiental hoje está conectada à perda de capacidade agrícola amanhã;
e as causas dessa degradação também estão conectadas. No caso das queimadas e
da desidratação, entre as três causas, as mudanças climáticas, as
interferências nos mananciais e o desmatamento, a primeira é mais difusa e
global. Já as últimas podem ser contidas imediatamente com políticas públicas
enérgicas. Aprimorar a regulamentação e fiscalização das represas privadas é
indispensável. Mas o maior freio é a repressão ao desmatamento ilegal.
Do atual governo não se pode esperar nada
positivo. O melhor a fazer é um esforço de contenção de danos. Mas políticas
ambientais propositivas deveriam estar no centro dos debates para as eleições
de 2022.
A asfixia orçamentária da ciência
O Estado de S. Paulo
Redução do volume de recursos comprometerá desempenho econômico e a geração de empregos
Criado há mais de cinco décadas para
fornecer análises e subsídios destinados a orientar a formulação da política
econômica do Poder Executivo, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
acaba de publicar um estudo que confirma o desprezo do governo Bolsonaro pela
ciência.
Segundo o trabalho, realizado pela
economista Fernanda De Negri, no ano passado a União investiu em ciência um
volume de recursos inferior ao que destinou em 2009. Apesar da importância das
pesquisas científicas num período de pandemia, em 2020 foram repassados R$ 17,2
bilhões, ante R$ 19 bilhões em 2009, em valores corrigidos pela inflação.
A redução do volume de recursos para a
ciência atingiu órgãos estratégicos, como o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o Centro
Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, a Empresa Brasileira de Pesquisa e
Inovação Industrial, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Além disso, há cinco meses o governo
Bolsonaro desrespeitou uma lei complementar aprovada pelo Congresso, que impede
o bloqueio de recursos de fundos que financiam projetos de desenvolvimento
tecnológico. Essa lei havia sido aprovada semanas antes pelo Congresso após
pressão da comunidade científica. Entre os problemas causados pela aversão do
governo à ciência destaca-se, por exemplo, o recente colapso da plataforma
Lattes, do CNPq, que reúne informações sobre os trabalhos realizados por todos
os pesquisadores brasileiros. Outro problema foi o corte de bolsas de
pós-graduação no Brasil e no exterior, que atingiu mais de 2 mil cientistas com
projetos já devidamente aprovados pelo CNPq.
A redução de recursos também dificultou a
atuação da Capes, órgão encarregado da avaliação do sistema brasileiro de
pós-graduação, cuja meta é formar 10 mil doutores por ano. Igualmente, ameaça
paralisar o supercomputador Tupã, do Inpe, responsável por previsões de tempo e
clima, monitoramento de queimadas e emissão de alertas climáticos. E ainda
afetou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Apesar de o CNPq, a Capes e o FNDCT responderem por 40% de todas as verbas da
União para a ciência, seus recursos orçamentários vêm diminuindo e, além disso,
sofrendo contingenciamento. Ou seja, o CNPq, a Capes e o FNDCT perdem recursos
e o que sobra ainda demora para ser repassado.
“Isso tem um forte impacto do ponto de
vista da formação de ciência, o que afeta nossa capacidade de produção do
conhecimento”, diz Fernanda De Negri. “É uma sabotagem ao desenvolvimento.
Precisamos urgentemente de uma política científica que aponte o futuro. A
fixação em limitar gastos com ciência a qualquer preço limita o crescimento do
País a longo prazo”, afirma o presidente da Academia Brasileira de Ciências,
Luiz Davidovich.
De fato, o desprezo do governo Bolsonaro pela ciência terá um custo alto para o País – a começar pelo fato de que leva à perda de competitividade da economia brasileira num momento em que as disputas no comércio mundial são cada vez mais acirradas. Esse desprezo também nega ao poder público informações estratégicas para a formulação de projetos de planejamento destinados a assegurar a inserção das novas gerações no mercado de trabalho. E ainda agrava o problema da “fuga de cérebros” – a saída do País de pesquisadores que, apesar de terem se pós-graduado com financiamento público, não encontram condições de trabalho em suas áreas de especialização. Eles vão trabalhar em países desenvolvidos que não investiram um centavo em sua formação.
Esse cenário de desmanche da pesquisa
científica e tecnológica brasileira é o preço que o País está pagando por ser
dirigido por um presidente da República que, além de ignaro e tempestivo, é um
negacionista da ciência.
O falso rigor da Lava Jato
O Estado de S. Paulo
É constrangedor constatar que o único político que continua preso seja Sérgio Cabral
No início de agosto, o Tribunal Regional
Federal da 2.ª Região manteve a prisão preventiva de Sérgio Cabral, em processo
decorrente da Operação Eficiência, um dos desdobramentos da Lava Jato. Na ação,
o ex-governador do Rio de Janeiro é acusado de corrupção passiva, lavagem de
dinheiro e evasão de divisas.
A situação processual penal de Sérgio
Cabral tem características superlativas. Condenado em primeira instância em
duas dezenas de processos, o ex-governador carioca recebeu penas que totalizam
mais de 392 anos de prisão. No entanto, mais do que um paradigma, o caso de
Sérgio Cabral é uma exceção. Ele é hoje o único político preso pela Lava Jato.
Todos os demais políticos envolvidos em alguma fase da Lava Jato estão soltos.
A situação é estranha. Depois de tantas
fases, escândalos, denúncias e delações, o único político preso na Lava Jato é
o ex-governador do Rio de Janeiro. Fazer essa advertência não significa pedir
punições generalizadas a políticos ou pleitear uma aplicação da lei penal
alheia às garantias individuais.
Trata-se de reconhecer que, apesar de todas
as interpretações extensivas por parte do Ministério Público e muitas vezes da
própria Justiça, a Lava Jato foi incapaz de fazer com que políticos que
cometeram crimes cumprissem suas penas atrás das grades. Sérgio Cabral é
rigorosamente uma exceção que confirma a regra.
Sob o pretexto de combater a impunidade, a
Lava Jato abandonou várias vezes o caminho escorreito do processo penal, com
suas estritas garantias. Tolerou-se o que não se devia tolerar sob o argumento
de que era preciso um pouco de flexibilidade para levar adiante a empreitada de
passar o Brasil a limpo. O discurso era de que, diante de um objetivo tão
importante, não se podia pôr empecilhos ao trabalho do Ministério Público
Federal e da Polícia Federal. Agora, tem-se a dimensão do resultado da Lava
Jato em relação aos políticos: Sérgio Cabral, apenas ele, está preso.
Entre outros aspectos, essa inusitada
situação – apenas um único político preso na Lava Jato – deve suscitar uma
reflexão sobre os custos e os benefícios para a sociedade do modo como o
Ministério Público utilizou a delação.
A colaboração premiada é um instrumento
negocial com o qual, em troca de uma pena mais leve para o colaborador – a
sociedade abre mão de puni-lo com todo o rigor –, se consiga desvendar e punir
outros e mais graves crimes. Pela própria natureza negocial da delação, não
existe uma fórmula mágica capaz de identificar perfeitamente quando se deve ou
não utilizá-la.
Por isso, a reflexão sobre o resultado das
delações na Lava Jato, com o consequente aprendizado, é tão importante. Ainda
que não se tenha uma regra pronta, existe um critério fundamental. A
colaboração premiada não deve ser meio para ampliar a impunidade, e sim para
aumentar a eficiência da persecução criminal.
Após as muitas descobertas sobre relações
espúrias entre estatais, empreiteiras e políticos, é no mínimo constrangedor
constatar que o único político que continua preso seja Sérgio Cabral. Não
parece que a sociedade, em seu legítimo interesse de que os crimes não fiquem
impunes, tenha sido beneficiada com a realização de delações à baciada, tal
como ocorreu na Lava Jato. A relação de troca existente na colaboração
(indulgência em relação a algumas penas versus persecução e punição de outros e
mais graves crimes) não se mostrou especialmente vantajosa para a
sociedade.
Nos Estados Unidos, a promotoria está
sujeita ao controle popular. Seus cargos são, em geral, preenchidos por
eleição. Depois de um resultado assim pífio, dificilmente os promotores seriam
reconduzidos a suas funções. Eles têm o poder de negociar penas via delação,
mas respondem por isso.
No Brasil, o Ministério Público ganhou poderes com a delação, mas suas responsabilidades continuaram as mesmas. Tal desequilíbrio é mais um efeito da importação, sem os devidos cuidados, de um instituto de outro sistema jurídico, com pressupostos e regras diferentes dos daqui. Não surpreende que os resultados sejam frustrantes.
Golpes com criptomoedas preocupam
O Globo
À medida que notícias sobre criptomoedas saem da seção de economia e negócios e
entram na policial, fica mais clara a necessidade de regulação mais eficaz. Na
última quarta-feira, a Polícia Federal (PF) deflagrou, em parceria com o
Ministério Público e a Receita Federal, uma operação que tinha como um dos
alvos a GAS Consultoria Bitcoin, acusada de operar uma pirâmide financeira e de
ser responsável por fraudes bilionárias. Nos estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Ceará e no Distrito Federal, foram cumpridos sete mandados de prisão
preventiva, dois de prisão temporária e 15 de busca e apreensão.
Numa mansão em um condomínio de luxo às
margens da Lagoa de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, a PF prendeu Glaidson
Acácio dos Santos, dono da GAS. Com ele, foram encontrados R$ 15,3 milhões em
espécie e o equivalente a R$ 150 milhões em bitcoins, além de barras de ouro.
Em toda a operação, a PF capturou 21 veículos de luxo, entre eles um
Lamborghini. Antes, no começo deste mês, o investidor em criptomoedas e
influenciador digital Wesley Pessano Santarém, de 19 anos, foi morto a tiros
dentro de um Porsche Boxster, em São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos.
Bitcoin é a mais conhecida e a principal
expoente de um grupo que já reúne mais de 11 mil criptomoedas – há um ano havia
cerca de 6 mil. Emitidas à revelia de autoridades monetárias e mantidas por
meio de sofisticados protocolos digitais, tornaram-se cobiçadas como ativo
financeiro que não deixa traços. Juntas, têm um valor estimado em mais de US$ 2
trilhões. Seus fãs há muito não se restringem a libertários. Pessoas físicas,
muitas delas grandes investidores, e fundos têm criptomoedas em suas carteiras
de aplicações, como estratégia para diversificação de ativos.
Apesar de criada como alternativa para
fornecer um dinheiro sem emissor formal, a ideia do ativo financeiro que
depende apenas da tecnologia das redes e do mercado para circular também atrai
bancos centrais. Vários investem em projetos para lançar instrumentos digitais
que realmente façam o papel de uma moeda, conhecidos pela sigla em inglês CBDC.
O Banco Central do Brasil é um deles. Em maio, divulgou as diretrizes para a
criação do “real digital”, com a previsão de uso em pagamentos de varejo. Desde
julho, promove debates que se estenderão até novembro.
O uso das criptomoedas para lavar dinheiro
e financiar a criminalidade é a principal preocupação aqui e no resto do mundo.
Num fórum realizado no início de agosto, Gary Gensler, chefe da Securities and
Exchange Commission (SEC), órgão regulador do mercado financeiro americano,
comparou o mercado de criptomoedas ao Velho Oeste, “cheio de fraude, golpes e
abuso”.
Em seu último relatório anual, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), o banco central dos bancos centrais, com sede na Basileia, Suíça, diz que “já está claro que bitcoin e as outras criptomoedas são ativos especulativos em vez de dinheiro e, em muitos casos, são usados para facilitar lavagem de dinheiro, ataques digitais e outros crimes financeiros”. Operações como a da PF na semana passada infelizmente deverão se tornar mais frequentes até que haja uma regulação eficaz, capaz de trazer a tecnologia das criptomoedas das sombras do crime para o ambiente de negócios claro e transparente.
Aumento de incêndios florestais expõe
desmonte da fiscalização
O Globo
O Brasil tem assistido a cenas apocalípticas: florestas devastadas pelo fogo,
espécies dizimadas, cidades tomadas por nuvens de fumaça, e o governo assiste a
tudo com a habitual indiferença. É inegável que a seca favorece as queimadas.
Mas não se podem culpar apenas os humores de São Pedro. Sabe-se que a ação
humana é a maior responsável pelos incêndios, que atingem indistintamente
terras públicas, privadas, reservas naturais ou territórios indígenas. O uso do
fogo é proibido no período mais crítico de estiagem, até o fim de outubro, mas
a ausência de fiscalização é o combustível perfeito para o desastre.
Agosto ainda não acabou, mas, em pelo menos
três biomas — Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga —, já há mais focos de
incêndio que no mesmo mês do ano passado. Não significa que nos outros biomas a
situação seja muito melhor. No Amazonas, as queimadas bateram recorde
histórico. No Pantanal, põem em risco a biodiversidade na maior área inundável
do planeta. Só o estado de Mato Grosso concentra 20% dos focos no país.
Um dos fatores que alimentam as chamas é o
desmantelamento dos órgãos de fiscalização ambiental. A má vontade do
presidente Jair Bolsonaro com a preservação do meio ambiente é conhecida. Antes
de assumir, prometeu acabar com a “farra” das multas do Ibama e do ICMBio. No
governo, promoveu, com o ex-ministro Ricardo Salles, um desmonte da estrutura
de fiscalização. Agentes do Ibama perderam a autonomia para multar. Mudou o
ministro — Salles foi substituído por Joaquim Alvaro Pereira Leite —, mas não a
política antiambiental.
Na última terça-feira, o vice-presidente,
Hamilton Mourão, comandou mais uma reunião do Conselho da Amazônia em que o
tema do desmatamento esteve em pauta. Estavam lá os ministros da Casa Civil,
Ciro Nogueira; das Relações Exteriores, Carlos Alberto França; e da Secretaria
de Assuntos Estratégicos, Flávio Rocha. O do Meio Ambiente não foi, mandou
representante. Já é um avanço, porque Salles nem representante mandava.
Mourão anunciou que os militares
permanecerão mais 45 dias na Amazônia em ações de combate ao desmatamento, por
meio do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Mas reconhece que eles não
têm função de fiscal, estão ali para assegurar a ação dos agentes ambientais —
a questão é saber onde estão os agentes, depois da razia promovida pelo
governo. Mourão prevê que o desmatamento na Amazônia será reduzido entre 4% e
5%, metade da meta.
Não há como controlar a seca que assola boa parte do país e contribui para o surgimento dos focos de incêndio que devastam as florestas — a tendência é que esses fenômenos se tornem mais intensos e frequentes devido às mudanças climáticas. Mas é possível controlar quem põe fogo. Não é por falta de tecnologia ou de profissionais especializados que não se faz isso. Combater incêndios ilegais demanda fiscalização e, sobretudo, vontade política. O problema está justamente aí.
Fed não tem pressa em elevar juros e isso
dá tempo ao Brasil
Valor Econômico
O Federal Reserve System (Fed), o banco
central dos Estados Unidos, deve começar a reduzir, ainda neste ano, os
estímulos monetários que adotou no início da pandemia. A tendência do Fed é
diminuir o volume de compras mensais de títulos, mecanismo utilizado
originalmente durante a crise mundial de 2008 para dar liquidez à economia americana.
Por enquanto, não se planeja elevar a taxa de juros, restringindo-se, portanto,
o aperto monetário a uma aquisição menor de papéis privados - hoje, o Fed
compra mensalmente o equivalente a US$ 120 bilhões.
Os recados foram dados em Jackson Hole,
pequena cidade americana no Estado do Wyoming, onde uma vez por ano se reúnem,
para debater principalmente o estado da economia dos EUA, autoridades do Fed e
de outros bancos centrais do planeta, além de acadêmicos e economistas de
organismos multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
A principal mensagem foi dada pelo
presidente do Fed, Jerome Powell, que, tradicionalmente, faz o principal
discurso do simpósio de Jackson Hole. “Eu fui da opinião, como a maioria dos
integrantes [do Fed], de que, se a economia evoluísse amplamente conforme o
previsto, poderia ser apropriado começar a reduzir o ritmo de compras de ativos
este ano”, disse Powell, referindo-se à posição manifestada durante a reunião
do Fed em julho. “O mês trouxe mais progresso, na forma de um forte resultado
de emprego, mas, também, a disseminação da variante delta [do novo
coronavírus]. Vamos avaliar cuidadosamente os dados recebidos e os riscos em
evolução.”
O mandato do Fed, que possui independência
institucional para cumpri-lo, é fazer tudo ao seu alcance para manter a
inflação no patamar mais baixo possível, enquanto, paralelamente, busca
assegurar condições ao pleno emprego. Nos EUA, diferentemente do que se
proclama em países em desenvolvimento como o Brasil, a inflação baixa é
condição para a aceleração do crescimento da economia e, assim, para a
diminuição das taxas de desemprego. Por aqui, especialmente entre economistas
de corte “desenvolvimentista”, “um pouco mais” de inflação é visto como algo
inevitável para se ter um ritmo mais rápido de crescimento.
Esse arranjo institucional dá ao Fed a
flexibilidade necessária para lidar com problemas econômicos graves em momentos
de crise como os vividos em 2008 e nesta pandemia - a boa notícia é que, desde
fevereiro, o Banco Central do Brasil goza de independência formal, e esta foi
confirmada na semana passada, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou
ação da PGR contrária à lei que deu independência ao BC.
Powell deixou claro, em sua manifestação em
Jackson Hole, que não tem pressa em iniciar o aumento dos juros. “O momento e o
ritmo da próxima redução das compras de ativos não terão a intenção de
transmitir um sinal direto sobre o momento do aumento da taxa de juros, para o
qual articulamos um teste diferente e substancialmente mais rigoroso”, disse o
presidente do Fed.
Ainda em Jackson Hole, estudo elaborado e
apresentado por economistas do Fed de Kansas City fez dois alertas importantes.
O primeiro diz que, no momento em que a maioria dos mercados emergentes ainda
tenta encontrar uma saída econômica da pandemia, o aperto precoce da política
monetária de países desenvolvidos teria “fortes consequências adversas” sobre
esses países. A outra advertência feita pela pesquisa é a de que as economias
avançadas evitem promover apoio fiscal adicional porque este, em vez de ajudar,
pode ter efeitos negativos sobre os emergentes.
“Não achamos que pacotes fiscais
descomunais em economias avançadas aumentaram a atividade econômica nos
mercados emergentes. Pelo contrário, achamos pequenas - e, muitas vezes,
negativas - repercussões fiscais transfronteiriças. Assim, a falta de espaço
fiscal nos emergentes não foi compensada por pacotes fiscais descomunais nas
economias avançadas”, diz o estudo. Uma recuperação da economia global em duas
velocidades - uma média maior entre os ricos e outra menor, entre os emergentes
- forçará os juros mundiais para cima, “o que prejudicaria ainda mais os
mercados emergentes”. Além disso, com juros mais altos, os emergentes
“enfrentarão condições de financiamento externo mais rígidas por meio de
aumento dos prêmios de risco”.
O que se ouviu em Jackson Hole é positivo para a economia brasileira, que vem enfrentando forte piora das condições financeiras há quase dois meses, devido à crescente desconfiança do mercado quanto ao equilíbrio das contas públicas. Na verdade, cria um tempo para que governo, Congresso e a classe política em geral se entendam para tirar o país do caminho de uma grave crise anunciada.
Prioridades vacinais
Folha de S. Paulo
3ª dose deve focar muito idoso e
vulnerável; é crucial dar 2ª a todos os adultos
Há indícios consideráveis de que as vacinas
contra a Covid-19 perdem um pouco de sua eficácia depois de alguns meses de
aplicação completa e diante de infecções pela variante delta do coronavírus.
Além do mais, elas oferecem proteção abaixo
da média para pessoas de idade avançada ou com sistema imunológico frágil por
outro motivo. Essas evidências, ainda preliminares, levaram autoridades de
países ricos, e agora também do Brasil, a anunciar programas de injeções de
reforço.
Os primeiros estudos, analogias e
experiência sugerem que a medida pode salvar vidas. O que é motivo de grande
polêmica é a conveniência de fortalecer em massa e desde logo a vacinação de
pessoas já totalmente imunizadas.
Para a Organização Mundial de Saúde,
aplicar injeções de reforço enquanto a epidemia se dissemina entre populações
quase inteiramente desprotegidas é não apenas imoral, mas um equívoco
sanitário.
Por essa visão, o vírus continuaria a se
disseminar sem freio, o que propicia o espalhamento contínuo da doença pelo
mundo, talvez em variantes mais perigosas.
O argumento da OMS em certa medida se
aplica ao Brasil. A oferta de imunizantes no país ainda é limitada e disputada
pela população adulta, vítima mais frequente do vírus, por adolescentes e, em
breve, por aqueles autorizados a receber uma proteção adicional.
Um programa racional e humanitário tem de
levar em conta os benefícios de reservar mais ou menos doses para cada um
desses grupos. A julgar pelas estatísticas disponíveis, seria conveniente dar
ênfase à vacinação completa dos adultos.
No Brasil, apenas 33% da população de 12
anos ou mais foi totalmente vacinada; 74% recebeu ao menos uma dose. Apenas
entre pessoas de 60 anos ou mais a cobertura atingiu mais de 95% da população
—isso no caso de São Paulo, de processo mais adiantado.
Está evidente na análise dos dados que a
mortalidade entre os grupos de idade com vacinação quase completa é bem menor
do que entre aqueles com proteção parcial. Por outro lado, estudos recentes
mostram que pessoas mais idosas, além dos 80 anos, têm proteção menor mesmo
tendo recebido o esquema completo.
Neste ano, quase 81% dos mortos por
Covid-19 no Brasil tinham 50 anos ou mais, um grupo que contém 26% da
população. Os mortos com 19 anos ou menos foram 0,35% das vítimas da Covid-19 e
são 28% da população. É fácil perceber qual é a população sob risco maior.
As autoridades devem urgentemente fazer um
levantamento de riscos por idade e condição (de saúde, de tempo de vacinação,
de infecção prévia) a fim de elaborar o programa de imunização mais eficiente
de agora em diante.
Ainda há escassez para imunizar em massa e
com celeridade. Os dados disponíveis indicam que parece razoável dar o reforço
aos muito idosos e a outras pessoas mais vulneráveis, dar menor prioridade à
vacinação de 18 milhões de adolescentes de 12 a 17 anos e vacinar total e
rapidamente os adultos.
Polícia sem política
Folha de S. Paulo
Não pode haver dúvida quanto à ilegalidade
de movimentos de agentes armados
É difícil dimensionar os riscos envolvidos
na participação de policiais nos atos favoráveis a Jair Bolsonaro no 7 de
Setembro. O que não se pode colocar em dúvida é que a legislação veda,
corretamente, atividades políticas por parte das forças de segurança pública e
defesa.
Conforme noticiou a Folha, entidades
representativas das PMs estaduais avaliam que não há ameaça de abusos dos
manifestantes nem de indisciplina dos encarregados de manter a ordem.
Seria isolado, por essa interpretação, o caso
do coronel Aleksander Lacerda, da corporação paulista, afastado de seu posto de
comando por insuflar protestos nas redes sociais. A preocupação principal das
tropas seria com salários e condições de trabalho.
Mesmo que esteja correto tal diagnóstico, restam
motivos para inquietação. A Constituição proíbe que militares se sindicalizem
ou façam greve; em 2017, o Supremo Tribunal Federal estendeu as restrições aos
policiais militares, civis e federais —e por bons motivos.
São óbvios os perigos para a sociedade em
movimentos de profissionais armados, e legislações diversas contemplam a
questão.
O Regulamento Disciplinar da PM paulista,
por exemplo, estabelece que “aos militares do estado da ativa são proibidas
manifestações coletivas sobre atos de superiores, de caráter reivindicatório e
de cunho político-partidário”.
O cenário se agrava porque Bolsonaro, desde
os tempos de deputado, faz a defesa da impunidade policial e de pleitos
corporativos de militares e agentes em geral. No Planalto, insufla a politização
inaceitável desses estratos.
Estudo divulgado em 2020 pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública apontou que o discurso bolsonarista mais
radicalizado nas redes sociais alcançava 12% de uma amostra de PMs, 7% entre
policiais civis e 2% de policiais federais.
É fundamental que governos estaduais, forças políticas e instituições de controle não permitam que prosperem episódios de indisciplina, inclusive digitais. Não caberá nenhuma complacência com eventuais abusos no 7 de Setembro.
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