O Globo
Todos tememos um pouco as pessoas a quem
perguntamos se está tudo bem e que respondem com longas reclamações, recheadas
de detalhes.
Eu arrisco ser uma dessas pessoas, quando
volto de algumas viagens pelo interior do Brasil. Não está tudo bem. O inverno
foi duro, e as geadas em algumas regiões destruíram cafezais, milharais e até
bananeiras.
Nem sei se vi tudo bem, porque me desloquei
no meio de nuvens de poeira que a seca trouxe para as estradas secundárias do
Sudeste. As cachoeiras, em grande número, tornaram-se discretos filetes de
água, como é o caso da Rasga Canga, no Parque Nacional da Serra da Canastra.
A seca me pareceu uma realidade tão nítida,
e a crise hídrica tão evidente, que não posso me calar sobre ela, embora saiba
que nem sempre esses problemas interessem.
Acontece que, além da escassez de água,
caminhamos para a falta de energia. Na verdade, a escassez de água não é apenas
um dado conjuntural: perdemos 15,8% de nossa água doce nas últimas três
décadas.
Por que menciono algo tão áspero como seca, nuvens de poeira, cachoeiras minguantes? Porque é preciso fazer campanhas de uso racional de água e energia e, se dependermos do governo, isso não sairá. Assim como não saiu a vacinação antes que fizéssemos uma tremenda gritaria.
A mesma tendência a negar está presente
agora. O governo considera o voto impresso o principal problema do Brasil. O
desmatamento progressivo só interessa na medida em que possam faltar árvores
que dão o papel para imprimir os votos.
Menciono a insistência oficial em negar a
realidade, mas queria vê-la sob outro ângulo também. O ministro da Educação
afirmou que o governo não quer saber de inclusivismo, de integração nas escolas
de pessoas com deficiência, porque atrapalham o ritmo dos trabalhos.
Sempre acreditei em incluir essas pessoas
nas escolas. Sei que não basta a vontade, mas também a criação de condições
para que isso aconteça com eficácia.
Minha filha é psicóloga e professora. Ela
vê a inclusão como um dos aspectos mais importantes de seu trabalho.
Entre outras características, temos essa
que nos coloca como indesejáveis para o governo Bolsonaro.
Gostaria de lembrar um grande nome da
cultura alemã: Nietzsche. Foi um brilhante filósofo preocupado em libertar as
pessoas de consolos em outro mundo, para que vivessem alegremente sua vida
terrena.
Mas Nietzsche foi um pouco longe, na medida
em que afirmava que, quanto mais solitária, mais forte seria a pessoa para
suportar sua liberdade. Ele achava a comunidade uma ilusão, e sua filosofia
tornou-se um risco ecológico e político. Vivemos num mundo que precisamos
proteger e entre pessoas com quem precisamos colaborar.
A empatia era uma lacuna na filosofia de
Nietzsche, e ele acabou inspirando algumas ideias do nazismo. O governo
Bolsonaro foi também atingido por alguns dos humores dessa ácida concepção. O
pavor de uma política de inclusão não o iguala ao nazismo, mas revela que
pertence à mesma família política.
Nesse diálogo, lembro também apenas que não
podemos seguir o caminho dos adversários e excluí-los da humanidade porque seu
coração secou. Isso não significa que devamos deixar de responsabilizar essas
ideias quando se apresentam numa visão de pandemia que acabou contribuindo para
a morte de milhares de pessoas.
Sei que é difícil explicar que um governo
com vontade de exclusão tenha apoio de muitos grupos religiosos. Mas essa
contradição, trabalho num outro momento.
Não só pela empatia, como pela própria
eficácia, a política de inclusão deve seguir sendo nosso horizonte na vida
social. Sigamos em frente. Eles não querem o inclusivismo, não queremos o
exclusivismo. Estamos empatados. Veremos adiante para quem a História sorrirá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário