Folha de S. Paulo
O nexo entre a estrutura fundiária e a
perpetuação da injustiça social não é novidade no país
Dados demográficos sobre o Brasil colonial
apontam que pelos idos de 1798 a população era estimada em 3,25 milhões de
pessoas. Quase metade (48,7%) era de escravizados e outros 12,5%, de negros e
mulatos libertos. Os indígenas "pacificados" somavam 7,7%. Brancos,
só 31,1%.
Os percentuais fazem lembrar do Atlas do
Espaço Rural Brasileiro, publicação do IBGE do final de 2020, que identificou
pela primeira vez a cor ou raça dos produtores dirigentes dos estabelecimentos
rurais do país e cruzou esses dados com outras variáveis. O resultado é a
exposição em números de uma realidade conhecida há séculos: no Brasil, a terra
também tem cor.
A metodologia evidenciou que produtores rurais pretos, pardos e indígenas estão concentrados em pequenos estabelecimentos. À medida que aumenta a área de terras, cresce também o número de proprietários brancos, deixando clara a relação entre etnia e concentração fundiária.
A história mostra que o nexo entre a
estrutura fundiária e a perpetuação
da injustiça social não é novidade no país. Líder do movimento
abolicionista no século 19, Joaquim Nabuco já defendia “uma democracia de
pequenos proprietários rurais”.
Em discurso proferido em 1884, Nabuco
chegou a afirmar que acabar com a escravidão não seria o bastante; era preciso
destruir “a obra da escravidão”. E atrelou a emancipação dos escravizados à
democratização do solo. Como se sabe, aconteceu exatamente o contrário.
O engenheiro negro André Rebouças, outro
abolicionista, pregava a adoção de uma lei agrária que distribuísse a terra. A
concentração fundiária exposta no Atlas é um dos frutos de uma sociedade que
optou pelo extermínio de povos nativos, substituição da mão de obra escravizada
pela de colonos europeus e marginalização dos negros.
A publicação do IBGE fornece uma “visão
integrada” do espaço rural brasileiro e desenha por meio de mapas, gráficos e
tabelas que também no campo as ações do passado moldaram as desigualdades do
presente.
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