EDITORIAIS
A convocação do golpe
O Estado de S. Paulo
O objetivo das manifestações de 7 de
setembro não é manifestar apoio a Jair Bolsonaro. É para invadir o STF e o
Congresso.
Como os próprios organizadores têm
alertado, o objetivo das manifestações bolsonaristas previstas para o dia 7 de
setembro não é manifestar apoio ao presidente Jair Bolsonaro. A convocação não
é para expressar determinada posição política – defender, por exemplo, a
aprovação da reforma administrativa ou do novo Imposto de Renda –, e sim para
invadir o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso.
“Vamos entregá-los (STF e Congresso) às
Forças Armadas, para que adotem as providências cabíveis”, disse um dos
organizadores, que se apresenta como coronel Azim, em vídeo que circula nas
redes sociais.
“Ninguém pode ir a Brasília simplesmente
para passear, balançar bandeirinhas, tampouco ficar somente acampado”, advertiu
o coronel Azim. No vídeo, menciona-se que a ação do dia 7 de setembro está
sendo coordenada por alguns militares da reserva, com experiência em formar
grupamentos de pessoas. “Vamos juntos adentrarmos no STF e no Congresso”,
disse.
Segundo os organizadores, os manifestantes
bolsonaristas não admitem que lhes impeçam de entrar no STF e no Congresso.
“Iremos organizados e queremos entrar na paz, mas, caso haja reações, nós vamos
ter que enfrentar, mesmo com a força. O que tiver lá para nos impedir nós
poderemos atropelá-lo”, avisou o tal coronel Azim.
Em nenhum país civilizado, esse tipo de convocação é considerado “manifestação de pensamento” ou “expressão de opinião política”. Trata-se não apenas de incitação à violência contra as instituições – o que já configura crime –, mas de convocação para o golpe. Os organizadores estão dizendo abertamente que querem fechar o Supremo e o Congresso, entregando-os às Forças Armadas.
Desmentindo quem tenta relativizar as
ameaças bolsonaristas às instituições – estaria havendo, segundo essas vozes,
uma criminalização da opinião –, o coronel Azim explicitou o objetivo dos
manifestantes bolsonaristas no dia 7 de setembro. “Eu não vou a lugar nenhum se
não for para tomar atitude. Ficar no blá-blá-blá, no mimimi, dizendo vou fazer
isso, vou fechar aquilo… isso aí não. Eu quero essa compreensão de todos os
caminhoneiros”, pediu no vídeo o militar da reserva. “O mais importante é o
nosso planejamento da ação. (...) Gente, chega de nós estarmos apenas
amedrontando.”
As ameaças são gravíssimas pelo mero fato
de terem sido feitas, e reclamam a atuação das autoridades correspondentes. Não
se pode assistir passivamente à organização de uma manifestação cujo objetivo é
invadir o Supremo e o Congresso, para “entregá-los às Forças Armadas”. A
agravar a situação, o presidente Jair Bolsonaro em nenhum momento desautorizou
a convocação golpista. Ao contrário, tem fomentado a adesão popular aos atos
bolsonaristas de 7 de setembro.
Perante esse quadro, não basta a existência
de um inquérito no STF para investigar organizações criminosas de ataque à
democracia. É urgente que o Congresso reaja e que o Ministério Público acione a
Justiça, de forma a impedir a ação criminosa contra as instituições.
Impõe-se o realismo. Depois de tudo o que
já foi divulgado, eventual tentativa de golpe no dia 7 de setembro não será
nenhuma surpresa. Será a estrita realização das táticas e objetivos anunciados,
repetidas vezes, por bolsonaristas.
A quem reclama de falta de liberdade de
expressão, caberia sugerir que experimente fazer na Alemanha ou na Inglaterra o
que os bolsonaristas estão fazendo aqui, anunciando a invasão e o fechamento da
Corte Constitucional e do Legislativo. O respeito às instituições democráticas
não é uma opção, e sim um grave dever, cujo descumprimento acarreta severas
consequências.
No Brasil, tem havido uma irresponsável
tolerância com atos contrários à lei, a consolidar uma sensação de impunidade.
Veja, por exemplo, a atuação política nas redes sociais do coronel Aleksander
Lacerda, afastado da chefia do Comando de Policiamento do Interior-7 da Polícia
Militar de São Paulo. Polícia que faz política está fora da lei – e merece ser
responsabilizada com rigor, sem nenhuma indulgência.
O bom combate à desinformação
O Estado de S. Paulo
Disseminar desinformação sobre a segurança
da urna eletrônica, como fazem o presidente Jair Bolsonaro e muitos de seus
apoiadores nas redes sociais, abala a confiança dos cidadãos no sistema
eleitoral e, portanto, atenta contra a democracia. Por si só, isto já seria muito
grave, pois deteriora o debate público, que, para ser honesto, deve ser
balizado pela verdade factual, vale dizer, por um consenso mínimo sobre o que é
fato e o que é ficção.
Contudo, a perniciosa ação dos farsantes na
internet vai além da mera tática para obter eventuais ganhos eleitorais para
Bolsonaro. Ela também tem servido para enriquecer alguns de seus apoiadores à
custa do vigor da democracia no Brasil e do sequestro da agenda nacional,
atropelada que é pelos reiterados ataques do presidente da República contra as
leis e a Constituição. Figuras-chave do bolsonarismo nas redes sociais
reverberam as imposturas do presidente e alimentam suas teorias conspirativas
para milhões de seguidores. E lucram com isso.
Uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE) aproximou o Brasil dos países que estão na vanguarda do combate à
desinformação e aos conteúdos de ódio veiculados na internet. Impedir a chamada
monetização de canais que divulgam conteúdo perigoso tem sido vista como a
melhor maneira de frear o fluxo de mentiras e mensagens de ódio que grassa em
plataformas como Facebook, Twitter, Youtube, Twitch e Instagram.
Monetização é o repasse de dinheiro que é
feito pelas empresas de tecnologia aos usuários que mais geram tráfego, ou
seja, têm mais visualizações e interações. O grande público que atraem amplia a
audiência da publicidade que é veiculada nas redes sociais. E a publicidade,
como se sabe, é a principal forma de remuneração das empresas de tecnologia.
O corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe
Salomão, decidiu de forma cautelar que os repasses aos canais bolsonaristas que
mais disseminam desinformação sobre a urna eletrônica nas redes sociais sejam
suspensos. A decisão foi tomada no processo administrativo aberto para apurar a
conduta de Bolsonaro durante a live em que afirmou ter havido fraudes nas
eleições de 2014 e 2018. O dinheiro que estes usuários receberiam das empresas
de tecnologia deverá ser depositado em uma conta judicial.
A medida do corregedor-geral é prudente e
acertada. Primeiro, porque é temporária. A Corte Eleitoral ainda estuda editar
uma resolução que aborde o tema de forma definitiva. Há conversas entre o TSE e
as empresas. Segundo, porque não significa cerceamento da liberdade de
expressão. Tudo o que se diz naqueles canais bolsonaristas seguirá sendo dito.
Apenas foi sustada a possibilidade de os mentirosos ganharem dinheiro com suas
mentiras. E se trata de muito dinheiro. Só no Youtube, os 14 canais atingidos
pela decisão do ministro Salomão podem gerar quase US$ 3 milhões por ano – mais
de R$ 16 milhões.
“Quanto mais se atacam as instituições e o
sistema eleitoral, maior proveito econômico os envolvidos obtêm”, afirmou o
ministro Salomão. Entre seus pares, há quem entenda que a política e a
ideologia não são objetos de mercadejo. O interesse econômico estimula a
polarização e polui o debate público.
A cautelar do ministro Salomão recebeu
ampla aprovação entre especialistas no combate à desinformação. “A forma mais
eficiente de combater a desinformação profissional é seguir o dinheiro. Em vez
de dizer que não se pode usar esta ou aquela palavra, ou proibir determinado
assunto, o melhor é ir atrás do dinheiro”, disse ao Estado Fabro Steibel,
diretor executivo do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS). Para
Luiza Bandeira, pesquisadora do Digital Forensics Research Lab (DFRLAB), “o TSE
anda em uma direção interessante” ao mirar na monetização, mas destaca que a
ação precisa ser mais bem calibrada no futuro em relação ao período de
desmonetização e aos critérios para definição dos alvos da medida.
Sem dúvida, o aprimoramento é necessário.
Mas um primeiro e importante passo foi dado.
A hemorragia da evasão escolar
O Estado de S. Paulo
A pandemia provocou a mais severa ruptura
da educação global da história. As consequências mal começaram a ser
calculadas, serão sentidas por anos e podem deixar sequelas permanentes em toda
uma geração. Além da defasagem no aprendizado devida ao apagão escolar, no
Brasil uma mazela crônica, que se tornou aguda na pandemia – e, dada a
deterioração do orçamento das famílias de baixa renda, deve se agravar logo
depois dela –, é a evasão escolar. Por isso, não poderia ser mais procedente o
anúncio do governador de São Paulo, João Doria, de que o Estado oferecerá
bolsas de estudo no valor de R$ 1.000 anuais ao longo de 2021 e 2022 a 300 mil
alunos do ensino médio.
Já antes da pandemia, a taxa de conclusão
dos alunos do ensino médio antes de completar 25 anos era de apenas 58%. A
título de comparação, no Chile é de 86% e nos países da OCDE, de 79%.
Além da lesão ao direito fundamental de
cada jovem à educação, base de todo desenvolvimento humano na vida adulta, a
evasão tem consequências sociais e econômicas. Um estudo da Fundação Roberto
Marinho calculou que cada ponto porcentual de redução dos índices de evasão
equivale a 550 homicídios a menos por ano. O levantamento estima que o prejuízo
causado pela evasão corresponda a R$ 372 mil ao ano por aluno, no total, R$ 214
bilhões por ano, ou 3% do PIB.
Um dos fatores estruturais que explicam as
baixas taxas de conclusão é a pouca atratividade dos currículos. A
maleabilidade da nova base curricular dará às escolas a oportunidade de
oferecer conteúdos diversificados e robustecer opções de formação técnica ou
profissional. Outros dois fatores são o excesso de reprovações e a necessidade
de buscar trabalho. Ambos foram agravados pela pandemia.
Segundo o Unicef, em 2020, 5,5 milhões de
brasileiros entre 6 e 17 anos não tiveram acesso a atividades escolares. Entre
eles, 1,38 milhão abandonou o ensino. São 3,8% dos estudantes, enquanto em 2019
foram 2%. “A taxa de conclusão do ensino médio deve voltar ( na América Latina)
aos níveis de 1971 a 1975 por conta da pandemia. Não estamos falando de uma
regressão de alguns anos, estamos falando de décadas”, afirmou o secretário de
Educação de São Paulo, Rossieli Soares, no lançamento do programa Bolsa do Povo
Educação.
O programa integra a Rede de Proteção Social
de São Paulo, que beneficia mais de 2 milhões de pessoas em alta
vulnerabilidade. As 300 mil bolsas cobrem os mais de 20% dos alunos do ensino
médio em situação de pobreza e pobreza extrema. Os beneficiados deverão
obedecer a uma frequência mínima de 80% e estudar duas horas por dia pelo
aplicativo Centro de Mídias SP. Os alunos do 3.º ano também deverão realizar
atividades preparatórias para o Enem. O foco no ensino médio é pertinente,
porque, além de ser a área específica de responsabilidade dos governos
estaduais, é onde se verificam as maiores taxas de evasão.
O programa também pagará R$ 500 mensais a
20 mil pais e mães de alunos para trabalharem quatro horas por dia nas escolas,
em atividades como acompanhamento de protocolos sanitários, apoio à educação
especial ou a busca ativa de estudantes que abandonaram os estudos. Além de
reforçar as equipes escolares nas condições excepcionais da pandemia, o
programa proporcionará renda para parte da população desempregada e será uma
oportunidade de reforçar o vínculo entre alunos, pais e professores, o que
também terá efeitos positivos contra a evasão.
O programa paulista é um modelo que deveria
ser replicado em outros Estados. Com o auxílio federal e a arrecadação acima
das expectativas, os entes subnacionais fecharam 2020 com o caixa abastecido. É
difícil imaginar um destino melhor para esses recursos do que o combate à
evasão escolar. Além de aumentar a pobreza no curto prazo, aprofundar as
desigualdades sociais no médio prazo e deteriorar a formação de capital humano
indispensável para o desenvolvimento sustentável, a evasão tolhe de cada jovem
um horizonte virtualmente infinito de possibilidades. É uma perda irreversível
e nenhum esforço para impedi-la é demais.
Sem trégua
Folha de S. Paulo
Mundo político adota cautela, mas acredite
quem quiser em diálogo com Bolsonaro
Crescem as tensões em torno dos atos
relacionados ao feriado do Dia da Independência, enquanto o presidente da
República se mantém empenhado no conflito institucional e manifestações
extremistas de seus seguidores vêm à tona.
Especialmente alarmante é o caso do coronel
Aleksandro Lacerda, líder de sete batalhões da PM paulista, a fazer descarada
pregação política em rede social, beirando a apologia da violência ao chamar
sua audiência às ruas. “Precisamos de um tanque, não de um carrinho de
sorvete”, escreveu, como noticiou O Estado de S. Paulo.
Trata-se de um policial militar de alta
patente a desdenhar os limites e as responsabilidades da função —o que justifica seu
afastamento imediato, determinado pelo governador João Doria (PSDB).
Mais do que isso, reforçam-se os temores de politização das forças de segurança
pública, entre as quais é conhecida a influência de Jair Bolsonaro.
Outros riscos parecem menos evidentes, mas
não deixam de merecer atenção. Na sexta-feira (20), a Polícia Federal
cumpriu mandados de
busca e apreensão em endereços de apoiadores do presidente, dos
quais os mais célebres eram o deputado Otoni de Paula (PSC-RJ) e o músico
Sérgio Reis.
Este fizera ameaças ao Supremo Tribunal
Federal em uma reunião privada, e sua fala acabou por vir a público. “Se em 30
dias não tirarem os caras, nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na
marra.”
Decerto é difícil precisar se uma
declaração assim constitui mera bravata impensada —uma boçalidade protegida pela
liberdade de expressão— ou se representa de fato uma incitação. Com ruralistas
e caminhoneiros, o cantor planejava um ato em apoio a Bolsonaro e à bandeira do
voto impresso.
Cumpre notar que a ação da PF foi
autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, alvo de um pedido de
impeachment apresentado pelo presidente, e pedida pela Procuradoria-Geral da
República —numa exceção à costumeira complacência da instituição durante o
mandato de Augusto Aras.
Já o mundo político ainda hesita em uma
resposta mais dura aos arreganhos bolsonaristas. Não está claro, até aqui, como
o Senado deliberará sobre a indicação de André Mendonça ao Supremo; o
presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), indicou que pretende dar nova
chance a um encontro entre os chefes dos Poderes.
Reunidos nesta segunda (23), os
governadores também preferiram uma atitude acomodatícia, defendendo o entendimento
entre as cúpulas de Executivo, Legislativo e Judiciário para
superar a crise.
Percebem-se a cautela e a preocupação em
não acirrar ainda mais os ânimos, mas acredite quem quiser em diálogo com
Bolsonaro.
Desastre repetido
Folha de S. Paulo
Estiagem e ação humana provocam outro ano
de queimadas recordes no Pantanal
Após sofrer uma hecatombe em 2020, quando
cerca de um terço de sua superfície foi consumida por chamas, o Pantanal
caminha para repetir o
maior desastre ambiental de sua história documentada.
Dados compilados pelo Laboratório de
Aplicações de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
mostram que a destruição da mais extensa planície alagada do planeta segue
ritmo semelhante ao do ano passado.
De 1º de janeiro deste ano até sábado (21),
já haviam sido devastados pelo fogo 261.800 hectares do bioma —uma área
praticamente igual à queimada no mesmo período de 2020, equivalente a duas
vezes a do município do Rio.
Embora seja o menor dos seis biomas do
país, com 150 mil km², o Pantanal concentra biodiversidade exuberante, com mais
de 600 espécies de aves e mil de borboletas.
Tem como característica mais marcante as
cheias que se iniciam em fevereiro e chegam a alagar mais de 90% da região,
avançando lentamente de Mato Grosso para a porção sul-matogrossense.
Porém em 2021, o terceiro ano consecutivo
de estiagem severa, as chuvas foram insuficientes para recuperar rios e inundar
baías e corixos. O mais importante rio do Pantanal, o Paraguai, registrou no
dia 20 de agosto em Cáceres (MT) seu nível mais baixo, 0,44 metro. A média para
a época é de 1,49 metro.
Essa tragédia hídrica, conquanto pareça
atingir o ápice agora, vem sendo engendrada ao longo das últimas décadas. De
1985 a 2020, o Pantanal perdeu assombrosos 74% de superfície de água, segundo
levantamento recente do MapBiomas Água. O fenômeno não apenas compromete toda a
dinâmica ecológica do bioma como favorece a propagação de incêndios.
À seca se soma a mão do homem. Relatório do
Instituto Centro de Vida mostrou que, em 2020, 46% da área incendiada ocorreu
em propriedades registradas no Cadastro Ambiental Rural, e outros 7%, em
assentamentos rurais, ou seja, terra ocupada —evidência de que queimadas
surgiram de maneira intencional e criminosa.
Tal situação, tudo indica, vai se repetindo
neste ano. Em meio às chamas que ora castigam a cidade de Corumbá (MS), o
governo estadual declarou que “infelizmente, há indícios de ação (des)humana”.
Faltando pouco para o início de setembro,
quando os focos de incêndio costumam atingir o pico, é urgente que o poder
público se mobilize para evitar nova catástrofe.
É abuso reajustar Fundo Eleitoral acima da
inflação
O Globo
Em mais um sinal de desconexão absoluta da vontade popular, parte dos
parlamentares se mobiliza para garantir ao menos R$ 4 bilhões para as campanhas
eleitorais de 2022. Depois de o presidente Jair Bolsonaro acertadamente vetar
trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que destinava R$ 5,7 bilhões ao
fundo eleitoral, o Congresso, infelizmente, se prepara agora para
contra-atacar.
O valor pretendido é mais que o dobro do
que os candidatos tiveram para gastar em 2018 . Nada justifica um aumento maior
que a simples correção pelo índice de inflação. Considerando o Índice Nacional
de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desde 2018 e a projeção para os próximos
12 meses, o valor não deveria exceder os R$ 2,1 bilhões, como defende
Bolsonaro.
O debate até aqui tem sido marcado pela
confusão de parâmetros. Alguns parlamentares têm argumentado que os gastos no
ano que vem não podem ficar no mesmo patamar que o registrado em 2020, de R$ 2
bilhões. A justificativa é que se trata de uma eleição geral. Serão eleitos
deputados federais, estaduais, distritais, senadores, governadores e o
presidente da República. Portanto, seguem os defensores dessa tese, um pleito
mais caro que o municipal, que escolheu apenas prefeitos e vereadores em 2020.
Os congressistas esquecem apenas que o ponto de comparação para 2022 é 2018,
quando se gastou R$ 1,7 bilhão.
O curioso — e triste —nessa discussão é a
ausência de um debate respaldado por planilhas de custos e análises
independentes sobre a eficiência do gasto em disputas anteriores. As campanhas
eleitorais no Brasil são consideradas paupérrimas quando comparadas às de
outros grandes países de renda média? Existe alguma evidência de que as
disputas e o debate democrático aqui sejam prejudicados por falta de dinheiro?
Ao que parece, nenhuma.
A choradeira dos congressistas fica ainda
mais escandalosa quando se constata que, hoje, as campanhas eleitorais são
imensamente mais baratas do que já foram, quando a legislação eleitoral
permitia a impressão de vasto material gráfico e previa mais tempo de
propaganda eleitoral em rádios e televisões. O custo de produção de material
para internet e redes sociais é muito menor, sem nenhuma perda de eficácia na
transmissão da mensagem política — ao contrário.
Deputados e senadores interessados em
aumentar o dinheiro que poderá ser gasto no ano que vem discutem agora a melhor
maneira de reverter o veto presidencial. Dando continuidade à aprovação do
Orçamento, o governo federal deverá mandar em breve ao Congresso a proposta de
Lei Orçamentária Anual (LOA), que fixa quanto poderá ser gasto em cada rubrica
no próximo ano, informando de onde virão os recursos. É provável que Bolsonaro
mantenha a posição de corrigir pela inflação os valores de 2018.
Com o país mergulhado na maior crise
econômica da sua história, desempregados e desalentados em patamar recorde, há
seguramente necessidades mais urgentes do que aumentar o dinheiro público
disponível às campanhas eleitorais. A melhor forma para deputados e senadores
conquistarem a própria reeleição não é garantir mais dinheiro para as
campanhas, mas tratar de dar soluções aos problemas reais que afligem a
população.
Resistência à venda do Capanema ignora
papel cultural do setor privado
O Globo
Na gritaria que se armou contra a venda do Palácio Gustavo Capanema, símbolo da
arquitetura modernista no Centro do Rio, havia argumentos razoáveis. O mais
convincente é que ela interromperia uma reforma em andamento que prevê, além da
preservação do edifício e das obras de arte a ele integradas, a destinação a
atividades públicas, boa parte rentáveis, sem colocar no lugar uma estratégia
equivalente. Infelizmente, o plano de vender o Capanema foi massacrado pelas
razões erradas. Atacou-se a venda como se a transferência da propriedade ao
setor privado equivalesse à destruição do patrimônio cultural. Nada mais
distante da realidade.
Não faltam exemplos bem-sucedidos de
monumentos arquitetônicos mantidos pelo setor privado. É o caso de um prédio
igualmente importante na história da arquitetura brasileira: a sede do Museu de
Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista. Projetada por Lina Bo Bardi,
também é “objeto de estudo em faculdades”, “símbolo da cidade”, “tesouro da
cultura”, “marco”, “patrimônio nacional”, “atração turística” e tudo o que se
diz do edifício idealizado por Lucio Costa e outros modernistas sob supervisão
de Le Corbusier.
O fato de o Masp ser mantido por uma
instituição privada nunca diminuiu nenhum desses atributos. Pelo contrário. No
mês que vem, começam as obras de seu anexo, orçadas em R$ 180 milhões, 90%
garantidos via doações privadas. A previsão de entrega é em 2024. A reforma do
Capanema já custou mais de R$ 100 milhões aos cofres públicos, dura sete anos —
e o prédio segue fechado.
No mundo todo, empresas e fundações são
essenciais para difusão da cultura e preservação do patrimônio. Os exemplos vão
de Bilbao a Nova Délhi. Um dos ícones do modernismo americano é a rotunda que
Frank Lloyd Wright projetou para o Guggenheim, museu privado em Nova York. O
Met, principal museu nova-iorquino, é outro mantido pelo capital privado. Em
São Paulo, depois da privatização do Banespa, seu edifício-símbolo, rebatizado
Farol Santander, passou a receber milhares de visitantes. Também no Rio não
faltam exemplos de obras arquitetônicas criadas ou preservadas com apoio do
setor privado, caso do Museu de Arte do Rio (MAR) — parte dele fica num prédio
tombado, o Palacete Dom João VI — e do Museu do Amanhã, projeto do espanhol
Santiago Calatrava.
Antes de a comoção em torno do Capanema
ganhar proporções histéricas, o secretário de Desestatização do Ministério da
Economia, Diogo Mac Cord, disse ao GLOBO que “caso houvesse interesse da
iniciativa privada em acolher o prédio, isso com certeza viria com uma série de
encargos, inclusive a obrigação de abertura à população do jardim suspenso do
Burle Marx, para visitação dos painéis de Portinari”.
É inevitável que a situação fiscal crítica da União continue a atrasar a reforma do Capanema. Foi por isso espantosa, no debate dos últimos dias, a ausência de defensores da venda do edifício, desde que em termos que garantam a preservação e o caráter público desse patrimônio cultural inestimável.
Polêmicas de Ribeiro ignoram os desafios da
educação
Valor Econômico
Coleção de equívocos acumulados em quase 14
meses no cargo é ampla
Milton Ribeiro manteve-se quieto por muito
tempo, o suficiente para se desconfiar que o Brasil não tinha um ministro da
Educação. Engano: Ribeiro ultimamente se esforça para não ficar atrás de seus
péssimos antecessores na pasta, Ricardo Velez Rodrigues e o indescritível
Abraham Weintraub. O mais recente movimento de Ribeiro foi um ataque ao sonho
dos estudantes de cursar a universidade, ignorando que quem tem curso superior
ganha até o dobro de quem concluiu o médio. Mas a coleção de equívocos
acumulados em quase 14 meses no cargo é ampla.
No fim de semana Ribeiro voltou à carga nas
críticas à busca por uma formação universitária. O ministro disse, no interior
de São Paulo, que os estudantes usam financiamento para pagar o curso
universitário e depois ficam endividados “porque não têm emprego”.
Anteriormente já havia falado que “a universidade deveria, na verdade, ser para
poucos”, e que havia muitos engenheiros trabalhando no Uber porque não
encontravam emprego. Com o mesmo alheamento e soberba ignorância do presidente
e de alguns ministros, Ribeiro disse que são os ricos que custeiam as
universidades públicas, como se o ICMS (que banca a USP, por exemplo) fosse um
tributos sobre as elites. Lava as mãos para a existência de quase 15 milhões de
desempregados.
Nas mesmas ocasiões, o ministro também
defendeu o ensino técnico como mais eficiente, indicando a Alemanha como modelo.
A Alemanha, porém, tem mais universitários do que o Brasil, 30% da população em
comparação com 20% no Brasil. Nos países da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média é de 44% de universitários. Em
relação ao ensino técnico tão defendido, não consta investimento digno de nota
na área feito pelo governo Bolsonaro.
A questão da formação técnica já foi
enfrentada quando se elaborou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que
poderia ter sido o mecanismo mais adequado para Ribeiro colocar sua posição.
Sabe-se que há realmente uma distância entre a mão de obra que as empresas
demandam atualmente e o ensino oferecido. Com a flexibilidade proporcionada
pela BNCC, é possível reforçar as áreas de formação mais necessárias, inclusive
técnicas profissionalizantes.
Ribeiro, em outro acesso, criticou a
participação de crianças especiais nas salas de aulas, argumentando que
prejudicavam o avanço do ensino das demais e que era difícil conviver com
algumas delas, uma fala que ignora as vantagens da inclusão para todas as
crianças, e até estranha para o pastor presbiteriano que é. Foram declarações
tão chocantes que o levaram a pedir desculpas públicas dias depois.
Ao perder tempo com temas desse tipo,
Milton Ribeiro deixa de enfrentar as questões centrais da sua pasta, a respeito
das quais poderia fazer muitas coisas e não faz - outra característica comum ao
governo Bolsonaro. Uma delas é a volta ao ensino presencial. Aparentemente, o
ministro se deu conta do assunto ao participar de uma reunião internacional em
que descobriu que o Brasil era um dos países em que os estudantes ficaram mais
tempo sem aula presencial - durante a pandemia nada disse a respeito, como se o
assunto não tivesse relação com sua área. Passou então a falar sobre a necessidade
da retomada nas escolas, atribuindo a demora em tomar providências aos governos
estaduais e municipais. Ao mimetizar seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro, o
ministro passou então a defender, enfim, a volta das aulas presenciais - desde
que sem a obrigatoriedade da vacina.
Quando Ribeiro assumiu o cargo, as escolas
estavam fechadas havia cerca de três meses por causa da pandemia. Secretários e
especialistas cobram desde o ano passado uma coordenação federal para garantir
a infraestrutura adequada para a volta às aulas presenciais com segurança e
conectividade para alunos e plataformas educacionais. Neste ano, a comissão
externa da Câmara dos Deputados constatou que o ministério não usou nenhum
centavo do R$ 1,2 bilhão reservado para ações de apoio à infraestrutura da
educação básica.
A pandemia deixa um legado de mais evasão
escolar, defasagem na aprendizagem entre ensino público e privado,
desaparelhamento da rede pública. Ribeiro nada faz de relevante contra isso e
prefere tocar adiante projetos secundários como o homeschooling.
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