Valor Econômico
Com inflação, negacinismo, desemprego,
desindustrialização, estgnação e política ambiental desastrosa, Brasil
tornou-se irrelevante sob vários aspectos
Volta e meia, rolam correlações absurdas
nas redes sociais. Uma das mais bizarras e maldosas relacionava, anos atrás, o
número de filmes feitos pelo ator Nicolas Cage com o número de pessoas vítimas
de afogamento em piscinas nos EUA. Um gráfico que viralizou nas redes mostrava
as duas curvas caminhando mais ou menos paralelas, embora nada tivesse uma a
ver com a outra.
Uma correlação criativa e nada bizarra foi
feita pelo documentarista João Moreira Salles, em Live do Valor comandada
pela jornalista Daniela Chiaretti. Salles, na prática, lançou o “Índice
Botafogo” para avaliar o desempenho do Brasil como país, embora não tenha usado
essa expressão.
A tese de Salles, “meio maluca”, segundo
ele mesmo, sustenta que nada reflete mais o Brasil que o desempenho do Botafogo
de Futebol e Regatas. Assim como o time carioca, o Brasil também teria caído
para a Série B no ranking dos países e estaria sob risco de ser rebaixado para
a C.
Um momento de glória do Botafogo, diz
Salles, foi no fim dos anos 1950 e até 1963. O Brasil, igualmente, viveu um bom
momento nessa época em vários setores, com industrialização, cinema novo,
“Grande Sertão: Veredas”, bossa nova e construção de Brasília. O Brasil tinha
potência e ambição, podia fazer coisas grandes e ganhou duas Copas do Mundo
(1958 e 1962) com participação direta de jogadores do Botafogo.
A partir de 1968, observa Salles, o Botafogo deprimiu-se, porque o Brasil também se deprimiu com o endurecimento da ditadura e o AI-5. E o time só foi conquistar um título novamente 21 anos depois, em 1989, ano em que os brasileiros votaram para presidente pela primeira vez após o fim da ditadura. Também foi campeão brasileiro, sua única vez, em 1995, quando o país saboreava a vitória contra a hiperinflação.
Neste momento, faria todo o sentido o
Botafogo ter caído para a Serie B, porque o Brasil também caiu. E a
reconstrução de ambos terá de vir de baixo para cima. No Botafogo, fazendo com
que os meninos da base sejam formados sabendo quem foram Garrincha, Didi,
Gérson, Nilton Santos, Jairzinho. No Brasil, com a garotada estudando Paulo
Freire, Dom Paulo Evaristo Arns, Betinho, Carlos Drummond de Andrade, João
Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes. Esses grandes brasileiros, na
expressão de Salles, estão sendo “obliterados por este governo”, que não dá a
mínima importância à educação.
A tese de Salles é mesmo “meio maluca” e
citada com um leve sorriso no rosto, até porque o Brasil viveu outros bons
momentos, como na primeira década deste século, sem correlação com o desempenho
do Botafogo. Mas a ideia de que o Brasil se tornou um país irrelevante e caiu
para a Série B é uma metáfora válida para o momento atual. O país não é bom em
nada: na economia, no meio ambiente, na educação, na cultura e nem mesmo no
futebol, onde já foi dominante. Obteve um número recorde de medalhas (21) na
recém-terminada Olimpíada de Tóquio, mas ficou ainda no 12º lugar entre os
países.
Por que o Brasil caiu para a Série B e está
a caminho da Série C? Há várias razões.
Está praticamente desgovernado há quase
três anos.
No exterior, é tido como decrépito pela
política ambiental equivocada, pela indiferença em relação à devastação da
Amazônia e pelo negacionismo no enfrentamento da pandemia da covid-19.
Em todo o país, quase 575 mil pessoas já
morreram vitimizadas pela pandemia, número inflado por erros evidentes na
condução da política de saúde pública: em vez de buscar vacinas, o governo
central procurou estimular o uso de medicamentos ineficazes no combate à
doença; em vez de um médico ou cientista, manteve um general no cargo de
ministro da Saúde durante quase um ano, num dos piores momentos da disseminação
do vírus.
O dragão da inflação, que havia sido domado
desde o Plano Real, com recrudescimento no governo Dilma, reapareceu
principalmente por causa do aumento do preço dos alimentos, da energia e dos
combustíveis. Com isso, a taxa anual já passa de 8%, o que obriga o Banco
Central a elevar os juros.
O desemprego, a despeito do crescimento de
vagas formais, continua a torturar 15 milhões de brasileiros, sem contar os 6 milhões
de desalentados. E o governo tenta reduzir ainda mais os direitos trabalhistas.
O cenário de recuperação econômica, que
começava a se desenhar, mudou sob a ampliação de riscos políticos, fiscais e
inflacionários.
Milhares de pessoas passaram a viver nas
ruas e embaixo de viadutos nas grandes cidades, sem ação nem compaixão das
autoridades em todos os níveis. O presidente só as vê de longe, ao passar pelas
barracas durante suas passeatas de motocicleta.
Não há planos de desenvolvimento de médio e
longo prazo - até o Ministério do Planejamento foi extinto. O apoio a avanços
tecnológicos e a modernizações não desperta nenhum interesse na área oficial.
O investimento público praticamente
desapareceu, por falta de recursos e também porque, no ideário liberal, cabe ao
setor privado a tarefa de investir, mesmo em setores estratégicos.
Há constantes sinalizações de golpe pelo
presidente da República, que já falou em atuar fora das quatro linhas da
Constituição e em cancelar eleições se não houver voto impresso, rejeitado pelo
Congresso. O presidente até organizou um desfile de tanques de guerra em
Brasília para intimidar congressistas. A democracia está claramente em risco.
Sob ameaça de impeachment, o presidente
trabalha unicamente olhando para a reeleição em 2022. A política liberal do
ministro Paulo Guedes, outrora abençoada pelo mercado, vem sendo deixada de
lado para a adoção de medidas consideradas “populistas” e até mais alinhadas
com propostas da esquerda.
São visíveis a olho nu as inúmeras
barbeiragens brasileiras que hoje entristecem o país e o tornam irrelevante no
cenário internacional. Na economia, a maior parte dos indicadores que mostram o
rebaixamento do país para a Série B - inflação, estagnação,
desindustrialização, falta de investimento, desemprego, pobreza - pode ser
encontrada nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Todavia, como o ministro Guedes considera que o IBGE está na idade da pedra
lascada, talvez ele possa se valer do bem moderno Índice Botafogo, embora seja flamenguista.
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