Valor Econômico
Recuo do presidente nos vetos da LDO
coincide com ofensiva redobrada do Judiciário
Como não dava para brigar com todos os
Poderes ao mesmo tempo, o presidente Jair Bolsonaro escolheu um, o Judiciário.
É isso que explica o recuo nos vetos às emendas de relator e de comissão. A
notícia do veto, na sexta-feira, deixara o presidente da Câmara, Arthur Lira
(PP-AL), transtornado. Sem os meios de manter controle sobre a fatia
orçamentária em que está baseada sua ação política, lhe sobrariam poucas razões
para continuar barrando o impeachment.
O recuo não atingiu o fundo eleitoral, que
continua vetado, mas o desfecho já estava combinado. Os parlamentares jogaram
para R$ 5,7 bilhões o valor do fundo para que o veto presidencial, derrubado,
lhes possibilitasse fixá-lo em R$ 4 bilhões. O valor, então, soaria como uma
concessão do Congresso quando, na verdade, é o dobro do fundo vigente.
Com o flanco parlamentar contido e a divisão entre governadores, os torpedos de Bolsonaro se voltam não apenas para o Supremo mas para o Judiciário como um todo. A decisão do ministro Alexandre de Moraes de não aceitar a queixa-crime contra o procurador-geral da República, Augusto Aras, foi percebida, em Brasília, como uma tentativa de preservar alguma interlocução com o PGR em seu segundo mandato de maneira a romper a blindagem que hoje protege o presidente. Esta aposta, de uma inflexão de Aras com o objetivo de salvar os rodapés do seu currículo, não tem a aderência de procuradores federais.
A percepção, entre ministros do Supremo, é
a de que o presidente, de fato, estica a corda em busca de uma prisão sua ou
dos seus. No dia 12 de agosto o senador Flávio Bolsonaro chegou a procurar o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para sondar sobre sua atitude
caso uma ordem de prisão contra um integrante da Casa se efetivasse. O alvo,
porém, não era o filho de Bolsonaro, mas o presidente do PTB, Roberto
Jefferson, detido no dia seguinte.
O recado, porém, estava dado. A Corte
mostrava-se cada vez mais próxima do chamado “gabinete do ódio”, grupo liderado
pelo vereador Carlos Bolsonaro e financiado por empresários como Antonio
Galvan, a Aprosoja. A reação não se restringe à Corte mas ao Judiciário como um
todo. Flávio Bolsonaro tem sofrido sucessivos revezes no inquérito das
“rachadinhas” no Rio.
Na semana passada, o Superior Tribunal de
Justiça negou novo pedido do senador para o arquivamento do inquérito que,
depois de ficar parado por seis meses, voltou a andar no Tribunal de Justiça do
Rio. Também na semana passada o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou
jurisprudência prejudicial a Flávio Bolsonaro ao julgar um recurso de uma
vereadora paulista acusada de promover “rachadinha” em seu gabinete.
Por sete votos a zero, o tribunal
considerou que o desvio em questão provoca “dano ao erário”, contrariando a
tese da defesa de que o dinheiro é de quem o recebe e, portanto, poderia ser
repassado com sua anuência.
O azedume atingiu o Judiciário de cima a
baixo. Na semana anterior, o Tribunal Regional Eleitoral negara pedido da
defesa do senador para que o juiz Flávio Itabaiana fosse declarado suspeito no
inquérito que apura se Flávio Bolsonaro cometeu lavagem de dinheiro e falsidade
ideológica ao declarar bens à Justiça Eleitoral. O pedido de suspeição
baseava-se no fato de que Itabaiana também era, até o ano passado, o juiz do processo
das “rachadinhas” no Tribunal de Justiça do Rio.
O Poder Judiciário unido contra Bolsonaro
recebeu uma carta de desagravo de 14 governadores mas ontem, ao tentarem
ampliar o quórum de signatários, houve dissidência e uma nova carta foi
barrada. Os governadores ainda pediram uma reunião com Bolsonaro, aproximação
que os ministros do Supremo já consideram infrutífera, visto que nem o
presidente demonstra capacidade de assumir compromissos nem seus emissários,
como o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, mostram-se capazes de atuar como
mediadores do conflito.
Pesou a favor da decisão dos governadores,
porém, o receio de distúrbios nos seus Estados, em 7 de setembro e além,
decorrentes da capacidade de o presidente arregimentar seguidores em forças
paramilitares e nas próprias polícias. Ao mostrar interesse no diálogo, os
governadores buscam, também demonstrar, para os comandos das Forças Armadas dos
seus Estados terem ido ao limite. E, assim, terem seus pedidos de intervenção,
em caso de baderna generalizada, respaldados pelos próprios militares. Se um
encontro dos governadores com Bolsonaro, porém, for seguido de tumultos
promovidos por seus seguidores, o esgarçamento da teia que sustenta o
presidente da República tende a se acelerar.
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