O Globo
Os governadores tinham maioria para assinar
uma carta contra as ameaças de Jair Bolsonaro à democracia, mas preferiram
fazer um movimento estratégico e aceitaram propor uma reunião ao presidente. Na
ata do Fórum dos Governadores está claro o que foi discutido e isso, segundo me
disse um governador, mostra o isolamento do presidente. Se o encontro
acontecer, contudo, Bolsonaro vai aproveitar para reafirmar sua beligerância.
Ele está usando a radicalização, que inclui até o pedido de impeachment contra
o ministro Alexandre de Moraes, para manter mobilizados os seus apoiadores até
a manifestação de 7 de setembro. Bolsonaro quer conflito, convulsão social, por
isso os governadores preferiram propor o diálogo.
A economia continua demonstrando cada vez mais desconfiança em relação ao presidente e à gestão econômica. Ontem o Ibovespa caiu em dia de alta nas outras bolsas. O dólar teve mais um dia de volatilidade. A tendência de todos os indicadores mostra a deterioração da confiança, e o mês de agosto marcou esse ponto de virada na percepção do mercado financeiro.
O risco institucional passou a ser
considerado central nas avaliações sobre o governo Bolsonaro. Nas últimas
semanas o dólar saiu do patamar de R$ 4,90 para R$ 5,30, apesar de o país estar
no meio de um ciclo de alta de juros no mundo de juros baixos. Isso deveria
valorizar a moeda brasileira. A projeção de crescimento vai murchando para o
ano que vem. No Focus está em 2%, mas em várias instituições formadoras de
opinião no mercado, como o Itaú, está em 1,5%. A MB calcula 1,4%.
Nos últimos dias o país viu uma sucessão de
notas de partidos políticos e manifestações de instituições da sociedade civil
contra o governo. Apesar disso, Jair Bolsonaro colherá uma enorme vitória hoje
graças ao Senado Federal. Críticos do presidente e integrantes da oposição
ajudarão a fortalecer o projeto Bolsonaro ao votarem pela recondução do
procurador-geral da República, Augusto Aras.
Aras foi durante dois anos subserviente a
Bolsonaro. Ao fazer isso, ele traiu o papel constitucional da PGR. Para quem
precisa de números para ver isso, as professoras Eloísa Machado e Luiza Pavan
Ferraro, da FGV Direito de São Paulo, não deixaram dúvidas. As duas publicaram
na “Folha de S. Paulo”, no dia 19, um artigo mostrando que 287 ações
questionando a constitucionalidade dos atos do presidente foram apresentadas ao
Supremo. “Chama a atenção, diante da agenda de ofensas contínuas à Constituição
promovidas pelo governo Bolsonaro, a quase inexistente participação da
Procuradoria-Geral da República, enquanto autora da ação. Propôs apenas 1,74%
das ações”, disseram as professoras. Há outro número estarrecedor: em 93,9% das
manifestações da PGR e da AGU houve alinhamento de posições. Aras é o agente de
Bolsonaro no MPF e hoje o Senado será cúmplice desse atentado à Constituição ao
dar a ele mais um mandato.
A ata da reunião dos governadores registrou
“a escalada constante de ameaças de ruptura institucional” do presidente.
Colocou também o dedo em outra ferida: o risco de as polícias militares se
politizarem. Ontem mesmo o dia começou com o governador de São Paulo, João
Dória, exonerando o coronel Aleksander Lacerda que, segundo revelou o “Estado
de S.Paulo”, estava em suas redes ofendendo o governador, o STF, e conclamando
para a manifestação bolsonarista no dia 7 de setembro.
Os governadores também falam do resultado
disso: “Cria-se em decorrência dessa situação um cenário de grande
instabilidade e insegurança perante os investidores nacionais e internacionais,
sendo necessário para o Brasil salvaguardar um ambiente estável e atrativo para
o crescimento econômico”.
Quem olha para qualquer lado da economia vê
a desconfiança aumentando. Não faltam motivos. Ontem o ministro Paulo Guedes
declarou que “pode ser que o Congresso tire o precatório do teto”. Ou seja,
Guedes tentará de novo apresentar o inaceitável como se fosse coisa do
Congresso.
Todo esse barulho se reflete nos números. O
Ibovespa acumula queda de 1,16% no ano —tendo caído 10% desde junho — enquanto
o índice americano S&P500 tem alta de 21%. O Banco Central tem que
enfrentar todas essas incertezas e é por isso que já se fala em Selic a 8%. A
questão é que não há juros que segurem uma crise de confiança quando o risco é
de ruptura institucional.
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