Correio Brazilense
A maioria dos ministros se
queixa do foco errado. O Palácio do Planalto é uma ‘jaula de cristal’, na qual
o presidente da República constrói um mundo só dele
Aos 32 meses de mandato, o presidente Jair
Bolsonaro se depara com um cenário mórbido e nebuloso: a “gripezinha” matou 575
mil pessoas, o país tem 14 milhões de desempregados e a inflação pode chegar a
9%, se não houver uma mudança de rumo. Deficit fiscal, insegurança jurídica e
instabilidade política formam o tripé que afugenta os investidores. A janela de
oportunidade da retomada da economia global está sendo perdida.
Os verdadeiros problemas do país são de natureza
objetiva e exigem soluções criativas, exequíveis e amparadas por amplo consenso
nacional. Em circunstancias normais, diante da gravidade da pandemia e de suas
sequelas, principalmente a iniquidade social, o presidente da República, o
Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) convergiriam suas decisões na
direção dessas soluções. Mas não é o que acontece. Estamos na antessala de uma
grave crise institucional, fabricada por Bolsonaro.
Seu problema não é falta de governabilidade — conta com o apoio do Centrão no Congresso. É a governança, “a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país, visando o desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir funções”, segundo o Banco Mundial. São características da boa governança: Estado de direito, transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e inclusividade, efetividade e eficiência e prestação de contas. Essa não é a praia de Bolsonaro.
A agenda do país é discutida em milhares de
lives, pelos mais diversos públicos, que buscam saídas para a situação em que
nos encontramos de olho no futuro. O presidente ignora tudo isso, empenhado em
levar adiante um programa ideológico, que só empolga os setores mais
reacionários da sociedade. Mesmo os conservadores, que o apoiaram na eleição e
participam do governo, têm uma agenda liberal voltada para os problemas reais,
ainda que ignorem as questões sociais. Bolsonaro está governando apenas
para seus seguidores fanatizados. A maioria dos ministros já se deu conta
disso e se queixa do foco equivocado. O Palácio do Planalto é uma “jaula
de cristal”, na qual Bolsonaro constrói um mundo só dele.
As atenções do país estão voltadas para as
manifestações convocadas para o dia 7 de setembro, que são apoiadas por
Bolsonaro. Não haverá desfiles militares por causa da pandemia, porém estão
previstas concentrações de defensores da intervenção militar em muitas cidades.
Até a semana passada, pretendiam parar o país, cercar Brasília, invadir e
fechar o Supremo Tribunal Federal (STF). Como era de se esperar, os mais
ousados, como o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o cantor Sérgio Reis,
já sofreram as consequências desse projeto sedicioso. Mas Bolsonaro, em solidariedade
a eles, pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator do
inquérito das fake news, que investiga a atuação de grupos extremistas, e
escalou mais um degrau no seu confronto com o Supremo.
Ontem, 23 governadores e dois vices se
reuniram em Brasília para discutir a situação e construir uma barreira de
contenção à escalada da radicalização golpista. Querem um encontro com
Bolsonaro para discutir a relação republicana entre os entes federados.
Coincidentemente, o governador de São Paulo, João Doria, demitiu o coronel da
Polícia Militar que comandava a corporação no interior paulista porque atuava
nas redes sociais convocando para os atos de 7 de setembro e pedindo o
fechamento do Supremo. Os governadores firmaram uma espécie de pacto para impedir
motins nas polícias militares. O caldo de cultura para isso existe, foi
fomentado pelo presidente.
Ciclo fechado
Enquanto segue o baile da política, a economia se deteriora a olhos vistos. O
cenário é de menos crescimento e mais inflação. Os juros de longo prazo superam
10% ao ano, segundo as taxas dos contratos futuros com vencimento em janeiro de
2031. As apostas para o crescimento em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma
taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos. Para 2021, ainda prevalecem
estimativas na casa dos 5% ou um pouco mais. O Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA) pode fechar 2021 em 7,5%, muito acima da meta de 3,75%
deste ano.
As reformas tributária e administrativa subiram no telhado. O que não passou até agora, provavelmente não mais passará. O Congresso não quer saber de remédios amargos. Bolsonaro também é negacionista na política monetária. O cobertor é curto, a política econômica deriva para o naufrágio. A alternativa que restou foi politizar o fracasso e pôr a culpa nos outros. Como não pode responsabilizar a oposição, culpa as instituições da República, principalmente o Supremo. É a velha cantilena de que a democracia não funciona.
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