terça-feira, 24 de agosto de 2021

Cristina Serra - Que Forças Armadas queremos?

Folha de S. Paulo

Trinta anos após fim da ditadura, fardados não acharam seu lugar na democracia

Além de golpistas e vocacionados para o ridículo —como foi demonstrado no desfile de tanques fumacentos e no treinamento em Formosa (GO)—, generais bolsonaristas são também rematados mentirosos. Braga Netto, ministro da Defesa, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria Geral da Presidência, confirmaram isso mais uma vez em depoimentos na Câmara dos Deputados.

Ambos mentiram ao negar a ditadura instaurada em 1964. O primeiro disse que houve um “regime forte”. “Se houvesse ditadura, talvez muitas pessoas não estariam aqui”. Braga Netto não consegue articular um raciocínio sem que esteja embutida uma ameaça. É um golpista raiz.

Ramos disse que houve um “regime militar de exceção, muito forte” e que tudo é uma questão “semântica”.

A ditadura matou, torturou, escondeu corpos, estuprou, perseguiu opositores, cassou mandatos, fechou o Congresso. Negar que houve ditadura ofende a honra e a memória de quem lutou pela democracia, os que sobreviveram e os que foram assassinados. Isso não é “semântica” nem “narrativa”. São fatos. É verdade histórica. Completa o trio de mitômanos o general Augusto Heleno, da Segurança Institucional, pregoeiro do “papel moderador” das Forças Armadas em situação de crise entre os Poderes, como disse em entrevista. Papel moderador é outra mentira que só existe nas mentes delirantes desses generais que exalam naftalina de seus ternos mal-ajambrados.

O general disse ainda outra frase, mais preocupante, ao comentar o ferro-velho apresentado na Esplanada: “Para atuar na Garantia da Lei e da Ordem, é um material perfeitamente compatível”. Ou seja, o equipamento é para ser usado internamente, nas controversas GLOs, pois o inimigo está aqui dentro. Declarações como essa reafirmam a origem, tradição e síndrome de capataz do Exército Brasileiro.

Mais de 30 anos depois do fim da ditadura, os fardados não encontraram seu lugar na democracia. Essa reflexão precisa ser feita pelo poder civil: que Forças Armadas queremos?

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