Valor Econômico
“Posto Ipiranga” ficou tão caro quanto a
gasolina
As medidas adotadas pelo presidente para
impulsionar sua reeleição estão todas causando o efeito contrário: a gastança
para viabilizar um Bolsa Família para chamar de seu cria reações adversas na
economia, o discurso inflamado para a militância provoca constantes crises, as
privatizações saem a custo alto, o fingimento sobre não existir crise hídrica
ameaça desabastecer o país e a reforma que devia promover mais justiça na
tributação da renda amplia desigualdades. A consequência das apostas do
presidente caminha para ser o inverso do esperado por ele e o afasta do
Planalto em 2023.
Havia a expectativa, dentro e fora do
governo, de que o avanço da vacinação e a volta ao quase normal das atividades
melhorasse a avaliação do presidente. Não é o que mostram as pesquisas. De 1º
de junho, quando 46 milhões de pessoas tinham recebido a primeira dose da
vacina, até domingo, quando 122 milhões foram ao menos parcialmente imunizados,
a popularidade do presidente manteve-se em baixa.
Segundo a XP/Ipespe, 54% dos brasileiros achavam o governo ruim ou péssimo em 17 de agosto. Eram 50% em junho. O bom ou ótimo caiu de 23% para 20%. O PoderData, do site “Poder 360”, tem oscilações, mas também mostra viés negativo: 52% de ruim/péssimo no começo de junho e 56% na semana passada. Em ambos os casos, a rejeição é recorde hoje.
A empolgação dos que voltam a circular nas
ruas com menos medo não reverteu em apoio ao governo, talvez porque saibam que
a volta poderia ter ocorrido antes e com menos vidas perdidas não fosse o
negacionismo governamental.
A fase mais popular do presidente coincide
com os meses do auxílio emergencial de R$ 600, mas o corte para R$ 300 já
iniciou o desgaste. A criação do novo programa social é a boia da salvação a
que os governistas se agarram, mas a contabilidade criativa para viabilizá-lo
aumentou as incertezas sobre a economia, fragilizou ainda mais o teto de
gastos, derrubou expectativas.
Numa disputa contra o “pai” do Bolsa
Família em 2022, é de se verificar se o discurso vai funcionar. O Auxílio
Brasil, se der certo, sairá no fim do terceiro ano de mandato de Bolsonaro. O
Bolsa Família foi acusado de viés eleitoral, mas Lula o lançou já em 2003,
meses depois de assumir o cargo.
Bolsonaro sempre criticou os programas de
transferência de renda. Prometeu na campanha um 13º para o Bolsa Família por
falta de ideias para aprimorá-lo e para rebater as acusações de que acabaria
com o programa. Pagou o benefício por um ano, mas vetou sua manutenção com o
argumento de que não havia dinheiro suficiente.
Agora tenta pôr fim à marca de seu
principal adversário e criar sua própria identidade social, mas o “timing”
mostra que a real preocupação não são os mais carentes, mas a eleição, a ponto
de lançá-lo sem valor.
Do modelo pensado pela equipe econômica não
sobrou nem o nome. A ideia até novembro para o “Renda Brasil” era redesenhar
programas assistenciais mal focados e ineficientes e direcionar o dinheiro a
quem precisa mais. Tirar do pobre para dar ao paupérrimo, como definiu Bolsonaro.
Politicamente mais difícil e abortado para não desagradar eleitores das classes
D e E às véspera da escolha de prefeitos, mas mais sustentável financeiramente
a longo prazo.
Paulo Guedes passou do economista liberal
que na campanha prometia zerar o déficit do governo no primeiro ano e defendia
que as políticas e gastos públicos teriam que seguir o preceito de equilíbrio
“intergeracional”, pensar no impacto para as futuras gerações, para o ministro
que acha razoável que se parcele dívidas e jogue a conta para os próximos anos
porque, sem isso, ficará no papel o programa social do qual depende a reeleição
de seu aliado.
O ministro também achou normal que a
reforma do imposto de renda causasse um prejuízo de R$ 30 bilhões aos cofres
públicos, quase tudo bancado pelos Estados e municípios, mas dinamitou a PEC
que poderia realizar uma reforma tributária de verdade, com simplificação dos
tributos sobre consumo e serviços, porque os governadores pedem R$ 40 bilhões
por ano. Preferiu priorizar as mudanças no IR, com a correta taxação dos
dividendos, mas, se não está claro o impacto fiscal, já que o governo se furta
a divulgar os números, é cristalino o incentivo à pejotização.
O receituário para reformular o Bolsa
Família poderia muito bem ter sido escrito pela ex-presidente Dilma Rousseff -
inclusive na ideia de que, na hora da eleição (antecipada), pode-se “fazer o
diabo” para vencer. Quem pagou, além da própria petista, foi o país com anos de
recessão. Agora, de novo, o dólar sobe, a inflação explode, o PIB murcha, os
investimentos retraem. A conta do “posto Ipiranga” ficou tão salgada quanto o
preço da gasolina vendida nas bombas.
O discurso golpista de Jair Bolsonaro para
manter a militância inflamada e desviar o foco sobre os reais problemas do país
que ele deveria estar empenhado em solucionar afasta investidores, preocupa
empresários, desgasta aliados, provoca seguidas crises, tudo com o objetivo de
manter entretidos 20% dos brasileiros.
Os investidores tupiniquins têm poucas
opções. Mas que estrangeiro, em sã consciência, vai colocar seu dinheiro num
país que não se sabe se ainda será uma democracia no fim do próximo ano porque
o presidente, com medo do resultado das urnas, dá sinais todos os dias de que
tentará melar as eleições e quer o apoio das Forças Armadas nisso?
A escolha do presidente do PP, Ciro
Nogueira (PI), para chefiar a Casa Civil se mostrou por enquanto mais eficiente
para garantir a aliança com o maior partido do “Centrão” do que para solucionar
os problemas do governo - menos por culpa do senador, mais do presidente. Se o
“amortecedor da República” o convence a amenizar as falas num dia, no seguinte
um furioso Bolsonaro sai a xingar ministros do STF e pedir o impeachment deles.
Nogueira avisou a aliados que “em um mês”
botaria a Casa Civil em ordem e melhoraria a relação com os Poderes, mas, além
de uma ingrata missão com o Judiciário, acabou cobrado publicamente por um
aliado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por mais empenho para
aprovar as reformas.
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