Valor Econômico
Mercado espera aceleração no ritmo de
aperto monetário
O mercado financeiro espera que o Comitê de
Política Monetária (Copom) do Banco Central, que se reúne nos próximos dois
dias, reaja com firmeza à crise fiscal causada pelo drible patrocinado pelo
governo no teto de gastos. Será que a ação será à altura das expectativas?
É bem provável que o Banco Central procure
se distanciar do barulho político em torno do mais forte ataque ocorrido, até
aqui, à âncora fiscal. O caminho é tomar a política fiscal como um fator
exógeno que afeta a inflação, fora do controle do BC, como se fosse uma geada
que leva à quebra da safra agrícola.
Em termos práticos, o Copom deverá
quantificar, nos seus modelos, o impacto direto do choque na inflação. Depois,
verificar se, depois de tudo o que aconteceu, cresceram as chances de a
inflação superar o previsto. Por fim, dosar o remédio dos juros para trazer a
inflação para a meta. Ainda assim, não será nada fácil, porque terá que julgar
o estado atual da política fiscal.
Os economistas do mercado estão fazendo os seus cálculos para tentar replicar a reação da autoridade monetária. Em setembro, o Copom projetou uma inflação de 3,7% em 2022 e disse que esse era o ano mais importante no seu horizonte de política monetária. Feitas as contas, o comitê concluiu que, num passo de alta de juros de um ponto percentual por reunião, seria capaz de cumprir seu objetivo no prazo escolhido.
Mesmo antes do ataque do governo ao teto de
gastos, dizem alguns analistas, já havia motivos para o BC recalibrar a dosagem
de juros, caso siga elegendo 2022 como alvo principal. As expectativas de
inflação do mercado, um importante insumo nas projeções do BC, subiram de 4,1%
para 4,2%, ante uma meta de 3,5%. A tendência parecia ser de alta, já que a
média das projeções do mercado para o IPCA já estava em 4,25%.
A taxa de câmbio já vinha se desvalorizando
em relação ao valor de R$ 5,25 usado nas projeções de inflação feitas pelo BC
de setembro, em parte devido às incertezas fiscais, além de um cenário
internacional menos favorável.
O quadro geral já dizia, segundo esses
analistas, que altas de um ponto percentual seriam insuficientes para colocar a
inflação na meta em 2022. Por isso, já havia motivos o bastante para o Copom
adotar um ritmo de alta de 1,25 ponto percentual por reunião.
Ainda assim, havia um grupo de economistas
de mercado, não pequeno, que achava que a autoridade monetária poderia seguir
com o passo de alta de um ponto percentual. Poucos deles achavam que, nessa
toada, seria possível colocar a inflação na meta de 2022. Mas havia certa
resignação de que o ritmo seria adequado para fazer com que o objetivo de 2023
seja cumprido, dependendo de onde o Copom levasse a taxa básica no fim do
ciclo.
O mundo se alterou de forma dramática
depois que o ministro da Economia, Paulo Guedes, deu um “waiver” para a ala
política do governo gastar mais no ano das eleições. Vários dos economistas
que, no começo da semana, achavam possível seguir no passo de um ponto
percentual passaram a defender uma aceleração no ritmo de aperto monetário. Muitos
advogam altas de 1,5 ponto percentual.
O que muda no cenário do Banco Central?
Mudam as projeções de inflação e se agrava o balanço de riscos, ou seja, os
fatores que podem fazer o índice de preços superar os percentuais hoje
projetados.
Depois da derrapagem fiscal, a taxa de
câmbio parece ter alcançado um novo patamar, junto com o risco Brasil, acima de
R$ 5,60. Isso agrega mais alguns pontos-base nas projeções de inflação do
comitê. Outro fator que tende a aumentar as estimativas oficiais para os índices
de preços é o provável aumento na taxa neutra de juros.
Pelo dado mais recente, o BC projetava os
juros neutros em 3% ao ano. A visão mediana do mercado financeiro apontava o
mesmo percentual. Mas a pesquisa pré-Copom feita às vésperas da reunião do
comitê em julho mostrava que pelo menos 25% dos analistas haviam elevado sua
estimativa para a taxa neutra a 3,5%. Há algumas casas, como o Santander, que
já trabalhavam com 4%.
O viés de alta nas estimativas para o juro
neutro não passou em branco. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que
esse era um desdobramento natural da piora no risco fiscal. Ele sugeriu que, no
caso de contínua deterioração no ambiente das contas públicas, era para lá que
o BC iria rumar.
Com a declaração de Campos Neto, criou-se a
expectativa de que, no Relatório de Inflação de setembro, o Copom fosse de fato
rever a suas estimativas. Mas o chefe do BC mudou um pouco a sua visão sobre o
assunto, dando um voto de confiança de que o governo e o Congresso fossem achar
uma solução dentro do teto de gastos para turbinar o programa Bolsa Família.
Ao fim da semana passada, muitos analistas
que estimavam o juro neutro em 3% ao ano estavam revendo suas convicções. Se,
de fato, o juro neutro for mais alto, a inflação projetada pelo Banco Central
fica mais alta, para um mesmo nível nominal de taxa Selic.
Dessa forma, a julgar apenas pelas
projeções de inflação, é muito provável que, nesta semana, o Copom conclua que
altas de um ponto percentual sejam pouco para colocar a inflação na meta em
2022. Mas pode ser pior do que isso: a dose de juros necessária poderá ser
ainda mais alta, caso o Copom piore ainda mais o balanço de riscos para a
inflação.
Há mais ou menos um ano o Banco Central vem
afirmando que, devido a todas as incertezas fiscais, o balanço de riscos é
assimetricamente negativo. Na prática, o BC vem subindo os juros mais do que o
recomendado pelo seu cenário básico de projeção de inflação justamente para
fazer frente a esse risco de a inflação surpreender para cima.
Há grande expectativa sobre como o Copom
vai descrever o seu balanço de riscos. Não será uma decisão fácil. Se a
autoridade monetária disser que está mais preocupada com a evolução do quadro
fiscal, estará afrontando diretamente o governo e, em especial, o ministro Paulo
Guedes, que disse que a decisão da semana passada “não altera os fundamentos
fiscais”.
Se o Banco Central não mudar nada na sua
descrição do balanço de riscos, poderá passar aos mercados a mensagem de
conivência com a derrapagem fiscal, mesmo na hipótese de acelerar a alta a taxa
de juros.
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