Folha de S. Paulo
Não é admissível blindagem a quem quer que
seja
A CPI da Pandemia revelou crimes graves,
mas fez vista grossa para outros. Ao ignorar um dos seus objetos de
investigação —a aplicação de recursos federais por estados e municípios no
combate à pandemia—, abriu flanco para as acusações de parcialidade. Houve
blindagem, por exemplo, dos envolvidos no contrato fraudulento entre a empresa
Hempcare e o Consórcio Nordeste, que pagou R$ 48,7 milhões por 300 respiradores
que não foram entregues.
Esse fato, porém, não pode ser usado para deslegitimar a totalidade dos trabalhos da CPI. Da mesma forma, levantar a ficha suja do seu presidente e do seu relator a fim de desqualificá-la é um argumento frágil. A CPI transcorreu em ambiente de transparência e foi conduzida mais pelo conjunto dos membros da comissão do que por sua mesa; devendo-se encarecer a participação da, em muito bom tempo agregada, bancada feminina.
É certo que houve estrelismos, discursos
político-ideológicos fora de contexto e falas e atitudes movidas por cálculo
eleitoral de ambos os lados, mas prevaleceu o desnudamento do que se escondia
sob o horror: a tentativa de emplacar o kit Covid em Manaus quando pessoas
morriam por falta de oxigênio; planos de saúde que obrigaram seus médicos a
receitarem cloroquina; interesse político e lobby para obtenção de propina na
aquisição de vacinas; conluio da Prevent Senior com o "gabinete
paralelo" para dar respaldo às narrativas do governo etc.
Os crimes a serem investigados agravaram
muito uma tragédia que já ceifou a vida de mais de 600 mil brasileiros. Os
responsáveis pelo descontrole da pandemia, incluindo o presidente Jair
Bolsonaro, precisam ser punidos, mas é preciso cautela para que a necessária
responsabilização dos culpados não dê margem a uma sanha persecutória contra
adversários políticos.
Não é admissível blindagem a quem quer que
seja. Por outro lado, exageros punitivos abrirão espaço para contestações
jurídicas e para o exercício da vitimização.
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