O Globo
O que matou a política? Virou moda acusar
as redes sociais pela intolerância e pela visão binária da realidade: Bozo ou
Lula? Esquerda ou direita?
Há um engano aí.
Antes da tragédia Facebook e agregados,
existiu o marketing político. As pesquisas qualitativas, quando se testam temas
e reações de grupos de eleitores, levaram os marqueteiros a polir seus
candidatos rumo a inesperadas (e indesejáveis, digo eu) vitórias.
Em poucos exemplos, as catástrofes: Paulo
Maluf na prefeitura de São Paulo; Lula, Collor e Bozo na Presidência da
República. E, principalmente, a eleição para o segundo mandato de Dilma
Rousseff.
O marketing político forjou o personagem
Lulinha Paz e Amor, além de sua Carta aos Brasileiros. Levou José Serra a ter
posição dúbia sobre o aborto e Marta Suplicy a levantar dúvidas sobre a
orientação sexual de Kassab. Políticos de centro-esquerda, por causa de
oportunistas pesquisas eleitorais, terminaram na direita. Tudo pelo voto, mesmo
que a biografia fosse jogada no lixo. Perderam as eleições de quatro.
Em casos recentes, que jamais devemos esquecer, ocorreu o BolsoDoria (responsável pela vitória de João Doria em São Paulo). Ou a relutância de Eduardo Leite em reconhecer o Bozo como um desastre em tempo real. E a juntar num spot político (perceba a ideia de jerico) Chico Buarque e Sérgio Reis! — como se fossem irmãos siameses e houvesse lugar para questionar a circunferência da Terra. Coisa de marqueteiro.
O marketing político convenceu os
candidatos sem espinha vertebral de que uma eleição não é um processo político
em que são discutidas ideias e confrontadas propostas. Até algumas décadas
atrás, qualquer pleito era encarado como um momento em que se punham a circular
soluções ou abordagens para problemas e modalidades de gestão. Mesmo que fossem
derrotados, deixavam como rescaldo abordagens ou críticas vigorosas; o processo
eleitoral enriquecia a política.
Tal complexidade levava os candidatos a ser
mais preparados, se viam obrigados ao menos a saber somar. Instrução que passa
longe do Bozo (-5% + 4% igual a 9%!!!). Basta ver a distância intelectual (e
moral) de dois tipos da direita, também presidentes de Casas Legislativas, como
Marco Maciel e Arthur Lira. Enquanto o primeiro estaria para Modigliani (com
sua figura esguia), o segundo se encontra mais para Romero Britto (com sua
esperteza de Corisco).
O método do marqueteiro político conduz as
campanhas a levantar — ou testar — determinados temas, quase sempre a partir de
grupos tidos como qualificados (uma pequena amostragem do eleitorado). A reação
positiva ou negativa leva ao abandono ou à aquisição de assuntos — os
candidatos chamam de propostas, o que é uma balela. São mistificações.
Temas polêmicos ou indesejáveis são, dessa
maneira, afastados da plateia. E, se questionados, estarão preparados para
enrolar ou mentir.
(Nem todos, é claro. Mário Covas chutava os
marqueteiros que sugeriam a ele trocar seus óculos de engenheiro ou se afastar
de temas controversos. Mesmo contra a tendência das pesquisas, se recusou a
propor a privatização do Banespa ou a defender o instituto da reeleição. Mas
Covas era Covas e, assim, bateu Maluf no estranho papel de bom ge$tor forjado
por Duda Mendonça, o pai da petista Carta aos Brasileiros. Olha a direita e a
esquerda aí, gente.)
Em seu novo livro, “If Then: How the
Simulmatics Corporation Invented the Future”, Jill Lepore conta como a empresa
Simulmatics usou pesquisas e (veja só) algoritmos para ganhar a eleição de John
Kennedy sobre Richard Nixon. Foram pioneiros. O marketing político ajudou o
candidato democrata a descobrir temas de agrado do eleitorado, também como se
apresentar (corte de cabelo, sorriso, espontaneidade) e quais tipos de
propostas impactariam diferentes grupos organizados. Quem votou naquele garotão
bonito, amante de Marilyn Monroe, ganhou a Guerra do Vietnã de presente. (Olho
vivo, porque o velhinho simpático que é Joe Biden está louco por um conflito
armado.)
Como corolário, além de desidratar
(emascular?) a política, o marketing produziu a banalização das visões da
prática pública. A esquerda inventa, a direita copia. Ou vice-versa. Bozo e
Guedes, que odeiam pobre, ambos de extrema direita, darão o sangue para dar
musculatura ao Bolsa Família de Lula, visto como de esquerda, que tomou o
programa de FH, apresentado como de direita pelos petistas do petrolão.
Ou Alcolumbre, da direita amazônica, cuja
recusa em dar andamento à indicação de André Mendonça para o STF repete o
ultradireitista Mitch McConnell, que se negou a colocar em votação o nome
proposto por Barack Obama à Suprema Corte.
Façam suas apostas: para chegar ao segundo
turno, e ficar longe da acidez de Lula e Bozo, Ciro Gomes, instruído por seu
marqueteiro (João Santana, um dos responsáveis pela ascensão do Bozo), posará
de gentil, delicado, cheio de emoção, quase um docinho de coco.
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