Valor Econômico
Episódio Guedes evidencia fraqueza de Jair
Bolsonaro
Há muitas métricas para se demonstrar o
enfraquecimento de um governo. A ciência política trabalha com votos recebidos
em votações importantes no Congresso, quantidade de vetos presidenciais
derrubados ou medidas provisórias rejeitadas. E há indicadores mais sutis.
O palco havia sido armado com a intenção de
prestigiar Paulo Guedes, alvo de ataques e especulações durante a semana. O
presidente saiu do Palácio do Planalto para visitar o ministro da Economia e
participar ao seu lado de uma entrevista coletiva. A postura de Bolsonaro no
evento de sexta, porém, sugeriu exatamente o contrário.
Enquanto Guedes, por quase 25 minutos,
tentava justificar o duplo carpado invertido em suas posições econômicas para
derrubar o teto e, assim, viabilizar a estratégia eleitoral de seu chefe,
Bolsonaro permanecia impassível, com o olhar perdido no horizonte. Mesmo quando
o ministro negou que seu cargo esteve a perigo, ou minimizou os embates entre a
equipe econômica e a base política, o presidente sequer balançava a cabeça em
sinal de aprovação.
O único sorriso presidencial veio quando Guedes divulgou que nomearia André Esteves como seu número 2 no ministério - ato falho, ele estava se referindo a Esteves Colnago, e não ao banqueiro do BTG. Feito o anúncio, o presidente se levantou e partiu, abandonando um solitário Guedes para se defender das perguntas embaraçosas.
Faz tempo que Paulo Guedes deixou de ser
unanimidade em Brasília. À insatisfação com as muitas promessas não cumpridas
somaram-se o retorno de velhas preocupações, como inflação e estagnação do
crescimento, e, agora, impaciência com a demora em apresentar soluções às
demandas eleitoreiras do presidente.
Ocupar o gabinete do 5º andar do Bloco “P”
da Esplanada dos Ministérios pode ser visto como a coroação de uma longa
carreira ou o trampolim para posições muito bem remuneradas no mercado
financeiro. Não é à toa que Guedes batalhou tanto, ao longo de sua vida, para
assumir o lugar que ocupa hoje. Antes de Bolsonaro, o “posto Ipiranga” havia se
oferecido a Dilma Rousseff e a Luciano Huck, quando o apresentar cogitou entrar
na disputa de 2018. E é por isso que ele resiste tanto a largar o osso.
Embora Guedes se recuse a admitir,
emissários palacianos e do Centrão foram a campo em busca de um nome para
substituí-lo. E é aqui que reside aquele outro indicador da fraqueza de um
presidente da República que mencionei no início do texto: a dificuldade de
encontrar quem se disponha a assumir um cargo importante em seu governo.
Se o cargo de ministro da Economia traz
tanto prestígio, poder e, no futuro, dinheiro, não deveriam faltar interessados
em assumir a missão. O fato de Bolsonaro e a turma de Ciro Nogueira e Arthur
Lira não terem achado candidatos dispostos a ocupar a cadeira de Guedes é o
maior indicativo de que os melhores economistas e financistas do país não
querem manchar o seu currículo com essa experiência.
Com os fundamentos internos (câmbio,
inflação, contas públicas e taxa de juros) completamente descontrolados, um
cenário externo adverso e um presidente com popularidade em baixa, são
reduzidas as chances de identificar alguém com credibilidade para restaurar a
confiança na economia brasileira - e assim Guedes vai ficando.
Mas essa fragilidade em nomear
especialistas de renome não se limita ao primeiro escalão. Mesmo no Ministério
da Economia, uma pasta que costuma ser poupada do toma-lá-dá-cá dos apadrinhamentos
políticos, nota-se uma grande dificuldade em atrair sangue novo do mercado ou
da academia para a equipe.
Paulo Guedes teve carta branca de Bolsonaro
para montar o seu time no então chamado superministério da Economia. Para isso
trouxe os chamados “Chicago Oldies” (Rubem Novaes, Roberto Castello Branco,
Joaquim Levy e outros amigos próximos) e executivos do setor privado (Salim
Mattar, Roberto Campos Neto, Paulo Uebel, Carlos da Costa, Caio Megale etc.). A
escalação foi completada com técnicos herdados da área econômica do governo
Temer (Mansueto Almeida, Waldery Rodrigues, Esteves Colnago, Marcelo Guaranys e
outros), muitos deles servidores públicos de carreira.
Ao longo destes quase três anos de mandato,
já são muitas as baixas na equipe de Guedes. Seja por determinação expressa de
Bolsonaro ou por discordância com a resistência do presidente em implementar o
prometido programa liberal, quase duas dezenas de secretários do Ministério ou
presidentes de autarquias ou estatais pediram para sair ou foram sumariamente
demitidos.
Em quase todas as substituições, Paulo
Guedes foi obrigado a recorrer a soluções internas para ocupar os cargos vagos
- o que demonstra que ele próprio tem sofrido para encontrar no mercado
técnicos dispostos a auxiliá-lo.
A última vez que Guedes convenceu um
executivo do setor privado a fazer parte de sua equipe foi em 22 de setembro de
2020, quando André Brandão, ex-HSBC, aceitou assumir a presidência do Banco do
Brasil no lugar de Rubem Novaes. A experiência, porém, durou pouco: Brandão
pediu demissão pouco mais de três meses após a posse.
Na semana passada, Bruno Funchal
(Secretário Especial do Tesouro e Orçamento) e Jeferson Bitencourt (Secretário
do Tesouro) pediram o boné e foram embora. Paulo Guedes, acuado, optou por uma
saída caseira, promovendo, respectivamente, Esteves Colnago e Paulo Valle,
ambos servidores concursados, com amplo conhecimento da máquina pública e
acostumados a carregar o piano, independentemente se o presidente é de direita,
de centro ou de esquerda.
Como sempre acontece quando a bomba ameaça
estourar e os governos se tornam fracos, são servidores públicos de carreira,
com perfil técnico e senso de responsabilidade para com o país, que vão para o
sacrifício para evitar o caos.
*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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