segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Bruno Carazza* - A responsabilidade de quem carrega o piano

Valor Econômico

Episódio Guedes evidencia fraqueza de Jair Bolsonaro

Há muitas métricas para se demonstrar o enfraquecimento de um governo. A ciência política trabalha com votos recebidos em votações importantes no Congresso, quantidade de vetos presidenciais derrubados ou medidas provisórias rejeitadas. E há indicadores mais sutis.

O palco havia sido armado com a intenção de prestigiar Paulo Guedes, alvo de ataques e especulações durante a semana. O presidente saiu do Palácio do Planalto para visitar o ministro da Economia e participar ao seu lado de uma entrevista coletiva. A postura de Bolsonaro no evento de sexta, porém, sugeriu exatamente o contrário.

Enquanto Guedes, por quase 25 minutos, tentava justificar o duplo carpado invertido em suas posições econômicas para derrubar o teto e, assim, viabilizar a estratégia eleitoral de seu chefe, Bolsonaro permanecia impassível, com o olhar perdido no horizonte. Mesmo quando o ministro negou que seu cargo esteve a perigo, ou minimizou os embates entre a equipe econômica e a base política, o presidente sequer balançava a cabeça em sinal de aprovação.

O único sorriso presidencial veio quando Guedes divulgou que nomearia André Esteves como seu número 2 no ministério - ato falho, ele estava se referindo a Esteves Colnago, e não ao banqueiro do BTG. Feito o anúncio, o presidente se levantou e partiu, abandonando um solitário Guedes para se defender das perguntas embaraçosas.

Faz tempo que Paulo Guedes deixou de ser unanimidade em Brasília. À insatisfação com as muitas promessas não cumpridas somaram-se o retorno de velhas preocupações, como inflação e estagnação do crescimento, e, agora, impaciência com a demora em apresentar soluções às demandas eleitoreiras do presidente.

Ocupar o gabinete do 5º andar do Bloco “P” da Esplanada dos Ministérios pode ser visto como a coroação de uma longa carreira ou o trampolim para posições muito bem remuneradas no mercado financeiro. Não é à toa que Guedes batalhou tanto, ao longo de sua vida, para assumir o lugar que ocupa hoje. Antes de Bolsonaro, o “posto Ipiranga” havia se oferecido a Dilma Rousseff e a Luciano Huck, quando o apresentar cogitou entrar na disputa de 2018. E é por isso que ele resiste tanto a largar o osso.

Embora Guedes se recuse a admitir, emissários palacianos e do Centrão foram a campo em busca de um nome para substituí-lo. E é aqui que reside aquele outro indicador da fraqueza de um presidente da República que mencionei no início do texto: a dificuldade de encontrar quem se disponha a assumir um cargo importante em seu governo.

Se o cargo de ministro da Economia traz tanto prestígio, poder e, no futuro, dinheiro, não deveriam faltar interessados em assumir a missão. O fato de Bolsonaro e a turma de Ciro Nogueira e Arthur Lira não terem achado candidatos dispostos a ocupar a cadeira de Guedes é o maior indicativo de que os melhores economistas e financistas do país não querem manchar o seu currículo com essa experiência.

Com os fundamentos internos (câmbio, inflação, contas públicas e taxa de juros) completamente descontrolados, um cenário externo adverso e um presidente com popularidade em baixa, são reduzidas as chances de identificar alguém com credibilidade para restaurar a confiança na economia brasileira - e assim Guedes vai ficando.

Mas essa fragilidade em nomear especialistas de renome não se limita ao primeiro escalão. Mesmo no Ministério da Economia, uma pasta que costuma ser poupada do toma-lá-dá-cá dos apadrinhamentos políticos, nota-se uma grande dificuldade em atrair sangue novo do mercado ou da academia para a equipe.

Paulo Guedes teve carta branca de Bolsonaro para montar o seu time no então chamado superministério da Economia. Para isso trouxe os chamados “Chicago Oldies” (Rubem Novaes, Roberto Castello Branco, Joaquim Levy e outros amigos próximos) e executivos do setor privado (Salim Mattar, Roberto Campos Neto, Paulo Uebel, Carlos da Costa, Caio Megale etc.). A escalação foi completada com técnicos herdados da área econômica do governo Temer (Mansueto Almeida, Waldery Rodrigues, Esteves Colnago, Marcelo Guaranys e outros), muitos deles servidores públicos de carreira.

Ao longo destes quase três anos de mandato, já são muitas as baixas na equipe de Guedes. Seja por determinação expressa de Bolsonaro ou por discordância com a resistência do presidente em implementar o prometido programa liberal, quase duas dezenas de secretários do Ministério ou presidentes de autarquias ou estatais pediram para sair ou foram sumariamente demitidos.

Em quase todas as substituições, Paulo Guedes foi obrigado a recorrer a soluções internas para ocupar os cargos vagos - o que demonstra que ele próprio tem sofrido para encontrar no mercado técnicos dispostos a auxiliá-lo.

A última vez que Guedes convenceu um executivo do setor privado a fazer parte de sua equipe foi em 22 de setembro de 2020, quando André Brandão, ex-HSBC, aceitou assumir a presidência do Banco do Brasil no lugar de Rubem Novaes. A experiência, porém, durou pouco: Brandão pediu demissão pouco mais de três meses após a posse.

Na semana passada, Bruno Funchal (Secretário Especial do Tesouro e Orçamento) e Jeferson Bitencourt (Secretário do Tesouro) pediram o boné e foram embora. Paulo Guedes, acuado, optou por uma saída caseira, promovendo, respectivamente, Esteves Colnago e Paulo Valle, ambos servidores concursados, com amplo conhecimento da máquina pública e acostumados a carregar o piano, independentemente se o presidente é de direita, de centro ou de esquerda.

Como sempre acontece quando a bomba ameaça estourar e os governos se tornam fracos, são servidores públicos de carreira, com perfil técnico e senso de responsabilidade para com o país, que vão para o sacrifício para evitar o caos.

*Bruno Carazza é mestre em economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.

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