EDITORIAIS
TSE precisará ser ágil para vigiar as
milícias digitais
O Globo
Houve também uma exitosa aproximação das
plataformas digitais, que serviu para estabelecer procedimentos que evitem as
campanhas de desinformação pelas redes sociais. Prova disso foi o
desbaratamento recente de uma rede de disseminação de fake news sobre a
Amazônia no Facebook e no Instagram.
Mas a proximidade da campanha eleitoral
exigirá mais. O TSE terá de fazer um esforço redobrado para conter a enxurrada
de fake news e evitar um pleito tumultuado. A missão se tornou ainda mais
árdua, pois é pouquíssimo provável que o tribunal conte com os instrumentos
jurídicos que resultariam da aprovação do PL das Fake News, cuja tramitação em
regime de urgência foi rejeitada pela Câmara na semana passada.
O trabalho será duro e precisa começar
logo, porque as milícias digitais estão sempre ativas, criando novas formas de
alcançar seu público. Os alvos prediletos dos ataques promovidos por elas têm
sido TSE, STF e seus ministros, como constatou a análise de 240 canais do
YouTube e 900 perfis do Instagram, todos bolsonaristas, feita pela pesquisadora
Leticia Capone, do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Internet e Política, da
PUC-Rio. As diatribes recentes de Bolsonaro contra os tribunais e as urnas
funcionam como um apito que reúne e atiça essa matilha de milicianos digitais.
TSE, Ministério Público Eleitora
l e todo o Poder Judiciário conhecem o enredo. Por isso mesmo precisarão, diante do desafio, dar demonstração de agilidade e resposta imediata aos casos em que houver clara intenção de distorcer o resultado das urnas.No ano passado, durante o julgamento da
chapa Bolsonaro-Mourão, o ministro Alexandre de Moraes anunciou que haverá
cadeia e cassação se houver repetição do impulsionamento de mensagens
fraudulentas financiadas por caixa dois. Em vez de punir a chapa vitoriosa em
2018, a Corte preferiu transmitir uma firme mensagem dissuasiva para este ano.
Moraes voltou a dar o recado ao ameaçar suspender temporariamente o aplicativo
Telegram, caso a empresa se recusasse a atender às solicitações da Justiça. Ela
recuou e passou a colaborar.
Ambos os casos mostram que o TSE conhece os
mecanismos capazes de deter os abusos. Mas não pode ter a mesma complacência
nem a lentidão do passado. Os processos contra a chapa Bolsonaro-Mourão foram
protocolados em dezembro de 2018, ainda antes da posse. Só foram julgados no
ano passado, quase dois anos e dez meses depois do início do governo. Pelas
circunstâncias que cercam as eleições deste ano, qualquer atraso da Justiça ao
se pronunciar sobre acusações bem fundamentadas de manipulação representará um
golpe na democracia. O TSE, que estará sob o comando do ministro Edson Fachin
nas eleições, precisará aprender a ser mais ágil.
Guerra na Ucrânia trouxe ameaça de
agravamento da fome no planeta
O Globo
A guerra na Ucrânia criou no mercado de
alimentos uma tempestade perfeita que tem contribuído para agravar a fome nas
regiões mais pobres do planeta. É mais uma tragédia que deverá ir para a conta
de Vladimir Putin, além de toda a destruição, das agressões aos direitos
humanos e das mortes associadas à invasão.
A Rússia vende ao exterior fertilizantes e,
com a Ucrânia, exporta trigo. Apesar de representarem parcela grande das
exportações globais (25%), não deverá haver escassez. Não só porque outros
produtores prometem safras maiores, mas também devido à pequena parcela da
produção mundial que deixará de ser vendida no exterior (0,9%). Mesmo assim, o
impacto da guerra nos mercados de commodities foi imediato, acelerando a
elevação de cotações que já vinha ocorrendo nos últimos meses do ano passado.
Comparados com os níveis do final de dezembro de 2020, o trigo estava há uma
semana 63% mais caro, o milho 64% e a soja 38%.
O aumento de cotações é injetado
automaticamente numa infinidade de alimentos (pães e todo produto feito à base
de farinha de trigo). Milho, soja e derivados também costumam acompanhar a
alta. Os aumentos de custo chegam às rações animais, feitas à base de grãos. A
carestia, então, ataca a mesa do cidadão. Não há como escapar da inflação dos alimentos
e, se a renda da família for baixa, ela reduz o consumo e se aproxima do limiar
da fome. Para quem já passou desse ponto, a fome se agravará. Eis o
encadeamento deflagrado a partir do momento em que o primeiro tanque russo
entrou na Ucrânia.
No final do ano passado, a Rede Brasileira
de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan) foi a
campo, visitou 2.180 domicílios em todo o Brasil e constatou que pelo menos 19
milhões (9% da população) enfrentavam insegurança alimentar — não tinham
certeza de que repetiriam a refeição —, e 43,4 milhões (20,5%) não se
alimentavam bem por não ter alimentos em quantidade suficiente. Ao todo, 116,8
milhões de brasileiros (55%) não tinham acesso pleno e permanente a alimentos.
Putin piorou a situação de todos eles, como a das famílias de baixa renda em
qualquer país.
Há, também, incertezas sobre as próximas
safras. A guerra continua, a Ucrânia está fora do mercado de trigo, a Rússia
enfrenta sanções e suspendeu exportações de fertilizantes importados pelo
Brasil. O Ministério da Agricultura despachou emissários ao Canadá para ter
alternativa ao trigo e aos fertilizantes. Irã e Marrocos também podem suprir o
país de adubos químicos.
A guerra serve para que as nações despertem para sua interdependência. Os exemplos não se esgotam nela. A redução de produção de soja no Brasil pode tornar mais cara a carne de porco na China e esvaziar o prato de comida de famílias pobres na Ásia. Daí a necessidade de o país manter uma rede global de relacionamentos capaz de resistir a choques
Problema de fundo
Folha de S. Paulo
Verbas bilionárias nas mãos de oligarcas
partidários mostram efeitos perniciosos
Soluções voluntaristas para problemas
complexos, mal estudadas, com frequência produzem novas distorções sem resolver
as originais. Tem sido assim com o financiamento, impingido aos pagadores de
impostos, de eleições no Brasil.
Deflagraram a mudança do modelo as
revelações, em meados da década passada, de corrupção soberba envolvendo
políticos e companhias interessadas em contratos e regulações estatais. O
diagnóstico, absorvido no calor do momento, foi o de que a causa do descalabro
era a permissão de doações de empresas para candidaturas.
Afastando-se do cânone da divisão de
Poderes, o agente da mudança não foi o Congresso Nacional, mas o Supremo
Tribunal Federal. De repente toda e qualquer forma de custeio empresarial foi
declarada inconstitucional pela corte.
Desse modo açodado, embalado em boas
intenções, nasceu o monstro do financiamento público de campanhas à brasileira.
Do ciclo de eleições de 2018 para este de 2022, o repasse compulsório dos
contribuintes para os partidos promoverem candidatos saltou 235%, para R$ 5,7
bilhões. A inflação no período não passará de 35%.
Esse maná de recursos foi canalizado para
uma estrutura cartorial e oligárquica de partidos. Seus chefes, entronizados
nos postos como capitães hereditários, assumiram um poder colossal, de vida e
morte, sobre as candidaturas. Regulamentações supervenientes, como a fixação de
cotas para mulheres, mal arranham essa relação.
Quando as doações vêm diretamente da
sociedade, ou quando os partidos se abrem organicamente aos anseios de seus
eleitores e militantes e se oxigenam periodicamente, o financiamento da
atividade política reflete melhor o ideal da representatividade.
Na realidade brasileira, ao contrário, o
mandonismo enriquecido das cúpulas partidárias inibe movimentos que poderiam
espelhar as disposições do eleitorado. A desertificação do solo no interstício
que vai de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Jair Bolsonaro (PL) na disputa
presidencial é apenas o exemplo mais visível desse processo.
Acrescente-se o efeito de dezenas de
bilhões de reais em emendas distribuídas conforme a proximidade do parlamentar
com os mandachuvas do Congresso, e o resultado são obstáculos difíceis de
contornar para quem está fora do esquema estabelecido —sem falar das notáveis
brechas abertas à corrupção que se queria evitar.
Há dinheiro demais nas mãos dos chefes dos
partidos, democracia de menos nas organizações partidárias e barreiras espessas
para a alternância de poder. A continuar assim, a distância entre o cotidiano
de 214 milhões de brasileiros e a atividade política só fará crescer.
Agências maltratadas
Folha de S. Paulo
Bolsonaro degrada indicação para os órgãos
reguladores, vistos como estorvo
Após pressões do governo Jair Bolsonaro
(PL), nos últimos dias avançaram no Senado numerosas indicações para postos
importantes nas agências reguladoras federais. São posições com mandato em
áreas fundamentais como saneamento, energia, transportes, saúde e
telecomunicações.
Embora os currículos da maioria dos
indicados apresente qualificações, há indícios de interesses políticos e
apadrinhamento. Causa estranheza, sobretudo, a atitude do Planalto de enviar
os nomes
e dados dos 21 pretendentes de uma só vez, sem que haja prazo hábil para um
bom escrutínio por parte dos senadores.
Tome-se o caso da Comissão de
Infraestrutura, que aprovou na terça-feira (5) oito indicações para as agências
dos setores de telecomunicações (Anatel), transportes terrestres (ANTT),
mineração (ANM) e energia elétrica (Aneel).
O presidente da comissão, senador Dário
Berger (MDB-SC), se queixou —com toda a razão—de ter recebido informações sobre
16 nomes na noite anterior à sabatina.
Além da falta de transparência na seleção
de candidatos, não raro prevalece o desinteresse
dos congressistas em um escrutínio rigoroso. Por conveniência política,
sacrifica-se o rito que deveria filtrar o acesso a cargos de Estado.
A missão das agências reguladoras, afinal,
é executar políticas públicas definidas por normativos do Executivo ou por leis
aprovadas no Congresso, mas de forma isenta e condizente com o interesse
público, que abarca as empresas privadas que prestam serviços, os usuários dos
serviços e os interesses difusos da população.
Todo o regramento legal dessas instituições
busca assentar práticas profissionais de gestão, com qualidade técnica das
equipes, mandatos com prazo determinado e diretrizes claras de conduta.
Tudo isso é sabotado, no entanto, quando
não há cuidado no processo de seleção de candidatos e os parlamentares abrem
mão da prerrogativa de examiná-los.
Apesar dos avanços desde a criação das
agências, a importância de seu papel ainda não está assentada na cultura
administrativa nacional. Em parte isso ocorre porque governantes não gostam de
dividir poder e sentem-se incomodados com freios e contrapesos.
Há quase duas décadas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reclamava do poder e da autonomia das agências. Hoje, sem surpresa, é Bolsonaro quem as trata como estorvo.
A corrupção na educação
O Estado de S. Paulo
O governo de Jair Bolsonaro é conivente com preços superfaturados e desperdício de dinheiro público. Isso na pasta que sofreu o maior aparelhamento pelo bolsonarismo
O governo Bolsonaro não apenas tem
corrupção, como os malfeitos florescem na área que deveria ser a prioridade
absoluta do País: a educação. As revelações feitas pela imprensa nas últimas
semanas relacionadas ao Ministério da Educação (MEC) mostram uma administração
federal conivente com preços superfaturados, desperdício de dinheiro público e
fortes indícios de enriquecimento ilícito. São escândalos que envergonham
profundamente o País e confirmam, uma vez mais, o modo como Jair Bolsonaro
trata as suspeitas de corrupção no seu governo: até que venham a público, elas
são rigorosamente relevadas.
O caso da licitação do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a compra de ônibus escolares foi
acintoso. Os órgãos de controle do próprio governo sinalizaram a existência de
sobrepreço na oferta do MEC. Valendo no máximo R$ 270 mil, os veículos iriam
ser adquiridos por até R$ 480 mil. No entanto, mesmo depois dos alertas, o
governo Bolsonaro não viu nenhum inconveniente em continuar oferecendo R$ 2 bilhões
por 3.850 ônibus escolares rurais que o próprio governo sabia que valiam R$ 1,3
bilhão.
Previsto para terça-feira passada, o pregão
com o preço inflado ia ocorrer normalmente, como se não houvesse nenhuma
irregularidade. Só não ocorreu porque, três dias antes, o Estadão revelou o
superfaturamento. Exposto o sobrepreço, o FNDE fez um ajuste às pressas do
edital, reduzindo R$ 510 milhões do valor total. Eis o montante que uma única
matéria da imprensa economizou dos cofres públicos: meio bilhão de reais. O
pregão com o novo valor foi realizado, mas o resultado foi embargado pelo
Tribunal de Contas da União (TCU), para uma melhor avaliação das contas. De
fato, todo cuidado é pouco.
Na quinta-feira passada, outro caso
gravíssimo veio à tona. Segundo reportagem da Folha de S.Paulo, R$ 26 milhões de recursos da educação
foram destinados para a compra de kits de robótica – pelo preço individual de
R$ 14 mil, valor bem acima do mercado – para escolas de pequenos municípios de
Alagoas. Por si só, o sobrepreço já é escandaloso, mas há uma agravante. Muitas
escolas que receberam os kits de robótica nem sequer têm computadores, acesso à
internet ou mesmo água encanada. Ou seja, a compra dos kits de robótica não
representa nenhum cuidado com a educação ou com os alunos.
O escandaloso patamar de moralidade do
governo Bolsonaro não está restrito a pequenas cidades do interior do País.
Também em Brasília se observa uma normalização de práticas que há muito
deveriam ter sido superadas. O Estadão revelou
que dois diretores do FNDE, logo após assumirem por indicação do Centrão os
cargos públicos, compraram carros de luxo cujos valores (entre R$ 250 mil e R$
330 mil) são incompatíveis com seus salários (em torno de R$ 10 mil). Vale
lembrar que o FNDE está envolvido não apenas na licitação dos ônibus escolares
superfaturados, mas também na operação do gabinete paralelo do MEC, com a
intermediação de verbas da educação e pedidos de propina por pastores.
Os escândalos do MEC e do FNDE são
extremamente preocupantes. Recursos públicos que deveriam ser investidos, de
forma responsável e eficiente, na formação das novas gerações estão sendo
gastos (e desviados) da pior maneira possível. Os efeitos desse modo de atuar
são conhecidos: escolas sem infraestrutura mínima, alunos sem ensino de
qualidade, privados de um futuro minimamente digno.
A corrupção na pasta da Educação expõe não
apenas práticas nefastas do Centrão. Ela afeta diretamente Jair Bolsonaro. O
MEC não é uma área acessória do governo. Sempre foi cobiçada e ocupada pelo bolsonarismo.
Basta ver que todos os ministros da Educação eram parte da chamada ala
ideológica, provenientes do núcleo bolsonarista mais ferrenho. Pois bem, tudo o
que o País tem descoberto nas últimas semanas ocorreu precisamente na pasta que
sofreu a maior ocupação – o maior aparelhamento – por parte do bolsonarismo. É
mais uma triste semelhança entre os governos lulopetistas e o bolsonarista. Só
não vê quem não quer.
Questão ambiental requer realismo
O Estado de S. Paulo
Políticas climáticas custam caro, mas controlar a temperatura global é urgente. Por isso é preciso maisprudência, não menos – e menos alarmismo, não mais
O Painel de Mudanças Climáticas da ONU
divulgou a terceira parte de sua avaliação do estado da questão. Comparada à de
oito anos atrás, a primeira parte do relatório, sobre a física das mudanças, e
a segunda, sobre suas consequências, trouxeram notícias sombrias: o clima está
mudando mais rápido do que se antecipava e os efeitos são piores do que se
supunha. A terceira parte é sobre ações.
Na era industrial, a temperatura global
subiu 1,1°C. A ONU estima que, se as emissões de carbono forem zeradas até 2050,
há 50% de chance de mantê-la em 1,5°C – meta do Acordo de Paris. Se forem
zeradas até 2070, há 50% de chance de mantê-la em 2°C.
São metas improváveis. As emissões
precisariam atingir o seu pico até 2025 e cair 43% até 2030. Até 2050, o
consumo de carvão precisaria cair 95%; petróleo, 60%; e gás, 45%.
Há notícias positivas. O crescimento das
emissões continua, mas na última década a média anual desacelerou de 2,1% para
1,3%. Os preços de energias verdes despencaram: solar e bateria de lítio caíram
85%; eólica, 55%.
O impacto da guerra sobre os combustíveis é
um apelo à aceleração da transição energética, mas também um alerta de que ela
exige prudência.
Quando a ciência climática começou a tomar
corpo, há cinco décadas, tinha três desafios: compreender as mudanças e seus
impactos; vencer a inércia e o negacionismo; e descobrir soluções.
Foi bem-sucedida. Hoje é incontroverso que
há impactos climáticos graves causados pelo ser humano e é preciso substituir
fontes fósseis por renováveis, construir cidades mais verdes e salvar mais
florestas. Os meios são cada vez mais consensuais: taxação crescente sobre o
carbono, pesquisa e inovação e adaptação.
Mas, se a inação ante as mudanças
climáticas tem custos, as políticas climáticas também têm. Segundo a ONU,
manter a temperatura abaixo de 2°C custaria, em 2050, de 1,3% a 2,7% do PIB ao
ano. Há estudos que calculam 3,3%. Uma estimativa oficial da Nova Zelândia
estimou que zerar as emissões em 2050 consumiria 16% do seu PIB.
O desafio é encontrar uma solução que
concilie custos sociais e benefícios ambientais – e vice-versa –, ou seja, o
máximo de redução da temperatura com um mínimo de danos sociais ou, de outro
modo, o máximo de prosperidade com um mínimo de danos ambientais.
Paradoxalmente, a ameaça mais alarmante a esse
desafio é o alarmismo. Com base na premissa de que as mudanças climáticas são
uma ameaça existencial iminente, ele projeta visões apocalípticas de milhões e
milhões de pessoas dizimadas por catástrofes naturais, miséria e fome. Mas nos
últimos cem anos, mesmo com os impactos climáticos e o crescimento
populacional, a melhoria na qualidade de vida reduziu as mortes por catástrofes
em mais de 90%. A ONU calcula que, se absolutamente nada for feito para reduzir
a temperatura, em 2100 o custo anual para o mundo ficaria entre 2,6% e 4% do
PIB. Grave, mas não o fim do mundo.
Pessoas bem-intencionadas creem que, para
salvar o meio ambiente, precisam multiplicar hipérboles catastróficas. Mas isso
é perigoso e contraproducente. Perigoso porque desvia a atenção de outras
ameaças globais. Pouco antes de Vladimir Putin lançar sua guerra de destruição
na Ucrânia e ameaçar o mundo com bombas nucleares, o Fórum Econômico Mundial
declarava que “o fracasso nas ações climáticas” é o maior risco mundial da
década. Um foco exasperado nas políticas climáticas e metas irrealistas podem
drenar recursos vitais de outras áreas, levando a mais pobreza e violência e
menos saúde e educação. Os gastos globais com políticas climáticas chegam a
mais de meio trilhão de dólares e seguem crescendo, enquanto os investimentos
dos países da OCDE em inovação em saúde, defesa, agricultura ou ciência
declinam na proporção do PIB.
Por fim, o alarmismo é contraproducente
para as próprias políticas climáticas, pelo mero fato humano de que o medo é mau
conselheiro. Seria uma banalidade intolerável dizer que as soluções para as
mudanças climáticas dependem de mais razão e menos emoção, se somente os
debates globais não estivessem sobrecarregados pela pior das emoções: o pânico.
A sobrevida das estatais
O Estado de S. Paulo
Terceirizar responsabilidade por fracasso nas privatizações é cegueira; não se vende nada porque Bolsonaro não quer
A dificuldade do governo para privatizar
empresas estatais já virou até piada, e o diagnóstico – errado – sobre esse
fracasso é repetido desde o início da gestão de Jair Bolsonaro. A culpa seria
do “sistema”, segundo integrantes da equipe do ministro da Economia, Paulo
Guedes, um termo genérico e indefinido que abarcaria Congresso, Supremo
Tribunal Federal (STF), Tribunal de Contas da União (TCU), funcionários das
estatais e os próprios ministérios. Os casos mais recentes que comprovariam
essa narrativa envolvem a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e
Garantias (ABGF) e a Nuclep, que estão na mira do Programa de Parcerias de
Investimentos (PPI) desde 2019.
Criada em 1975 para produzir equipamentos
de projetos nucleares, a Nuclep recebeu R$ 223,4 milhões do Tesouro Nacional em
2020 e, mesmo assim, encerrou o ano com resultado negativo. Mas nada disso importa:
a empresa não apenas não será mais liquidada, como queria a equipe econômica,
como também pretende se aventurar em um novo setor. O Estadão revelou que a
Nuclep deve agora investir na produção de torres de transmissão de energia
elétrica, em uma clara violação do Artigo 173 da Constituição, que impõe
critérios como segurança nacional e relevante interesse coletivo como as únicas
razões válidas para a exploração direta de uma atividade econômica pelo Estado.
O destino da ABGF é outro símbolo da
dissonância do governo na área de estatais. Enquanto o Ministério da Economia
quer incorporar a companhia na estrutura da Caixa e do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Defesa quer criar
um novo fundo financeiro para a empresa, de forma a garantir o seguro de
crédito à exportação de equipamentos militares. Já o caso da Empresa Gestora de
Ativos (Emgea), criada em 2001 para administrar ativos da Caixa considerados de
difícil recuperação, é prova do quanto o governo se perde mesmo quando não há
um “inimigo” para derrotar. Não há definição, até agora, se ela será
reincorporada à Caixa ou liquidada. O motivo é a dificuldade para repassar
carteiras compostas por R$ 26,6 bilhões em créditos podres oriundos do Sistema
Financeiro da Habitação (SFH).
Depois de promessas de arrecadação de até
R$ 1 trilhão com estatais e de venda de quatro empresas públicas em 90 dias,
não é surpresa que a única privatização de Jair Bolsonaro – a da Companhia
Docas do Espírito Santo (Codesa) – tenha sido obra do Ministério da
Infraestrutura, a única pasta a contar com um amplo e consistente programa de
parcerias com o setor privado. Com sorte e aos trancos e barrancos, o governo
conseguirá concluir a capitalização da Eletrobras neste ano. Fato é que a culpa
pelo fracasso das privatizações é do próprio Jair Bolsonaro, que nunca escondeu
seu caráter corporativista e sua convicção estatista. Terceirizar a
responsabilidade por esse resultado pífio é cegueira e não resolverá um
problema de origem. A verdade é que não se vende nada simplesmente porque o
presidente não quer.
Falta maturidade para lidar com agências
reguladoras
Valor Econômico
Elas não foram criadas para funcionar como
um departamento de ministério, como um balcão de atendimento das demandas de
investidores ou extensão do Procon
O Brasil já convive há tempo suficiente com
as agências reguladoras, incorporadas à administração pública no governo
Fernando Henrique Cardoso, em meio à reforma do Estado e ao avanço das
privatizações durante os anos 1990, para continuar repetindo erros com tanta
frequência. Passou da hora de ter aprendido certas lições. Mas, da esquerda à
direita, sobra incompreensão sobre o papel desses órgãos. Vacância prolongada
em suas diretorias, tentativas de ingerência política, loteamento partidário e
fortes restrições de orçamento são capítulos recorrentes em sua história no
país. Elas deveriam ter alcançado a maturidade. Continuam sob ataque.
Na semana passada, o presidente Jair
Bolsonaro mandou ao Senado um “pacotão” com mais de duas dezenas de indicações
para a cúpula das agências. Os nomes saíram no Diário Oficial da União de
segunda-feira. No dia seguinte, já tinham pareceres concluídos por seus
respectivos relatores no Senado. Na quarta-feira, em pouco mais de duas horas,
oito indicados à Aneel (energia elétrica) e à ANP (petróleo e gás) foram
sabatinados na Comissão de Infraestrutura. Isso significa, em média, ouvi-los
por meros 15 minutos antes que cada um assuma seus cargos por anos.
No mesmo dia, durante a sabatina dos nomes
indicados por Bolsonaro para o comando da ANM (agência de mineração),
questionamentos protocolares dominaram a sessão. Temas como a exploração
mineral em terras indígenas, o atraso no cronograma de desativação das
barragens a montante (como a da tragédia em Brumadinho) e a escassez de
recursos para fiscalização passaram batidos. Na Comissão de Meio Ambiente, onde
estavam sendo analisadas as indicações do governo à Agência Nacional de Águas
(ANA), nada de perguntas sobre a sequência de crises hídricas que têm assolado
o país em anos recentes ou sobre as perspectivas de universalização do
saneamento básico.
Em tese, o sistema de freios e contrapesos
permitiria um escrutínio das indicações e eventual veto dos parlamentares a
nomes inadequados para exercer funções de comando nas agências. Na realidade de
Brasília, o processo se fragiliza - para não dizer que se torna inócuo - diante
da pressa e do desinteresse em fazer essa análise.
Do Poder Executivo espera-se não apenas
rigor na escolha dos indicados, mas que não deixe os órgãos reguladores tanto
tempo com desfalques. A Lei Geral das Agências (13.848 de 2019) tem mecanismos
que dispõem sobre a ocupação de vagas de diretoria em aberto por interinos -
necessariamente servidores de carreira.
No entanto, mais uma vez a experiência
prática mostrou-se distante do que se esperava. Em diversas ocasiões, interinos
foram prolongando sua permanência. Se por um lado é uma solução que evita paralisia
decisória, impedindo a falta de quórum, também enfraquece os trabalhos de
regulação e fiscalização. Sem um mandato fixo, eles tornam-se mais vulneráveis
a pressões do Executivo. Podem, ainda, ser seduzidos indevidamente por acenos
de indicação definitiva ao cargo em troca de decisões simpáticas para o
governo.
Pior é a ignorância de lideranças políticas
sobre a razão de ser das agências, que devem manter-se equidistantes do poder
concedente, das empresas reguladas e dos consumidores. Elas não foram criadas
para funcionar como um departamento de ministério, como um balcão de
atendimento das demandas de investidores ou uma extensão do Procon. Sua missão
primordial é zelar pela saúde dos setores que regulam, fiscalizando a execução
dos contratos e evitando desequilíbrios para uma das pontas nessa tríade.
Nos governos do PT, o ex-presidente Lula
irritou-se com o “quarto poder” exercido pelas agências e Dilma Rousseff
manteve a distribuição de diretorias para partidos da base governista. Na
pandemia de covid-19, momento mais grave de saúde pública em gerações,
Bolsonaro só não aumentou o alcance de sua desastrosa gestão graças à autonomia
da Anvisa (vigilância sanitária).
Talvez, por isso, Bolsonaro não tenha engolido as agências e despejado novos impropérios aos reguladores, no fim de março, na cerimônia de troca dos seus ministros. Foi adequadamente rebatido, em seguida, pela Associação Brasileira das Agências Reguladoras (Abar). “Qualquer proposta de esvaziamento da atividade regulatória terá como única consequência o desgaste do próprio governo, evidenciando suas contradições internas e conduzindo o Brasil na contramão do caminho trilhado pelos países desenvolvidos”, afirmou a Abar.
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