Valor Econômico
Movimentos do ex-presidente estão presos à
sua bolha
Lula defende união das centrais sindicais
em evento na CUT. Lula participa de debate com ex-presidente do Parlamento
Europeu. Lula discute revisão da reforma trabalhista com ministra da Espanha.
Em discurso no Encontro Internacional Democracia e Liberdade, Lula diz que é
preciso derrotar a fome. Em reunião com petroleiros no Rio, Lula diz que a
defesa da Petrobras deve ser uma briga de todos os brasileiros. Lula marca
presença no “Festival Vermelho”, comemoração dos 100 anos do PCdoB. Ao lado de
Guilherme Boulos, Lula visita condomínios construídos pelo MTST com recursos do
Minha Casa, Minha Vida.
Todas as chamadas acima foram extraídas,
com algumas adaptações de redação, das notícias relativas ao ex-presidente Luiz
Inácio da Silva publicadas nas duas últimas semanas na página do Partido dos
Trabalhadores na internet.
Entre os eventos partidários, Lula esteve
na Bahia para lançar Jerônimo Rodrigues, secretário estadual de Educação, como
candidato do PT ao governo da Bahia, e celebrou a indicação do ex-tucano
Geraldo Alckmin (PSB) como vice em sua chapa.
Muito se falou sobre a parceria entre Lula e seu ex-rival nas eleições de 2006 como sinal da disposição do candidato do PT a formar uma frente ampla de políticos de diversos matizes ideológicos, da extrema esquerda à centro-direita, para tirar, nas urnas, Bolsonaro do Palácio do Planalto em primeiro de janeiro de 2023.
Ao acompanhar os movimentos do
ex-presidente, porém, vê-se que sua energia está muito mais concentrada em
dialogar com sua histórica base eleitoral e em tradicionais aliados
internacionais do que em expandir suas alianças para além da bolha da esquerda.
Faltando menos de seis meses para as
eleições, poucas lideranças de centro - à exceção de Alckmin, Renan Calheiros e
Roberto Requião -, seja em âmbito estadual ou nacional, manifestaram
abertamente apoio ao petista. Enquanto isso, a máquina governista, dirigida
pelo Centrão e movida a Orçamento secreto, funciona a todo o vapor de norte a
sul do país.
Em vez de se dirigir abertamente aos
políticos de centro e centro-direita, bem como ao eleitorado que originalmente
não gostaria de eleger nem o petista e muito menos Bolsonaro, Lula se ilude
pescando votos e apoios em seu próprio aquário. Eventos em sindicatos e
movimentos sociais, além de encontros com representantes da esquerda
internacional, não tem o potencial de acrescentar um único voto extra, além dos
já esperados pelo petista.
E isso sem falar nas declarações polêmicas.
Ao se apresentar quase que exclusivamente em reuniões perante a militância de
esquerda que o idolatra, o ex-presidente, mesmo com toda a sua experiência,
acaba baixando a guarda e fazendo manifestações que tendem a afugentar o
eleitor que ele precisa conquistar.
Foi o caso da controversa condenação à
criminalização do aborto, tema que certamente demanda uma discussão mais ampla
da sociedade, mas que é extremamente sensível aos evangélicos e católicos mais
conservadores - uma parcela que representa seguramente um terço ou mais do eleitorado
brasileiro.
Em outra ocasião, num tom bastante
exaltado, Lula anunciou que, se eleito, pretende “demitir 8.000 militares dos
cargos em comissão” do governo federal.
É notória a força dos evangélicos e
militares na política brasileira, como atesta a quantidade significativa de
candidatos identificados como pertencentes a esses dois grupos nos últimos
pleitos. No gráfico abaixo, computei todos os postulantes a um cargo eletivo
desde 2002, tomando como base a profissão declarada (se liderança religiosa ou
membro de força militar) ou a referência a cargos religiosos (pastor, apóstolo,
missionário, coronel, sargento, soldado e dezenas de outros) nos nomes de urna
registrados no Tribunal Superior Eleitoral.
Levando em consideração os religiosos e
militares que se apresentaram como opções ao eleitor em 2018, apenas 10,8% se
candidataram por algum dos partidos que gravitam na base do ex-presidente Lula
(PT, PSB, PCdoB, PV, Rede e Psol). Ou seja: nove em cada dez, portanto,
gravitou por legendas de centro ou de direita - e é de se esperar que esse
fenômeno se repita neste ano, talvez com uma intensidade ainda maior.
Esses políticos que empunham as bandeiras
da religião ou da segurança pública não são apenas candidatos a um cargo
público. Esses pastores, policiais e militares ocupam, em sua maioria, também o
papel de lideranças sociais espalhadas por todo o país - e constituem
formadores de opinião e puxadores de votos importantes numa disputa
presidencial.
Ao se deixar levar pela empolgação nos
eventos para seus seguidores mais fiéis e carregar as tintas em temas como o
discurso identitário ou nas críticas aos militares, Lula empurra ainda mais
para o lado de Bolsonaro os representantes e os eleitores de um segmento muito
representativo da sociedade brasileira.
Com apoios consolidados à direita e à
esquerda, a eleição deste ano será decidida pelo eleitor do centro. Se quiser
ter direito a um terceiro mandato, Lula precisa sair da sua bolha.
*Bruno Carazza é mestre em economia e
doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do
sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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