Valor Econômico
Em reação a novas surpresas negativas, como
o IPCA de março, os analistas econômicos estão elevando projeções de inflação
de 2023 para 4% ou mais
O recado do presidente do Banco Central,
Roberto Campos Neto, de que pretende parar de subir os juros em junho está
levando o mercado a rever as suas apostas para a inflação e juros. Em reação a
novas surpresas negativas, como o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) de
março, os analistas econômicos estão elevando projeções de inflação de 2023
para 4% ou mais. Também estão prevendo que será preciso manter os juros altos
por mais tempo no próximo ano.
O IPCA de março, divulgado na sexta-feira, ficou em 1,62%, acima das previsões mais pessimistas. Uma boa parte dessa alta está ligada ao reajuste feito pela Petrobras na gasolina e, em tese, não deveria assustar tanto. O próprio Campos Neto chamou a atenção, recentemente, sobre como o repasse da alta de preços pela empresa está chegando mais rápido aos postos de combustíveis. Se o índice fica maior agora, pode ficar menor mais adiante, pois as diferenças acabam por se compensar ao longo do tempo.
A inflação de abril e maio deverá ter
contribuições baixistas importantes, com a adoção da bandeira verde para
energia elétrica, a redução do preço do gás de cozinha e a queda recente do
dólar.
Mas há sinais preocupantes. Os núcleos de
inflação continuam a se acelerar, e a inflação de serviços, que é muito mais
resistente, chegou a 6,3%. A inflação subjacente de serviços está ainda mais
alta, em 7%. As surpresas negativas no IPCA têm sido recorrentes e, por isso, o
mercado tem revisto cada vez mais para cima as suas projeções de inflação, não
apenas para este ano, mas também para 2023. Isso preocupa, porque a política
monetária está sendo calibrada para cumprir a meta de inflação do próximo ano.
Com o apagão de dados causado pela greve
dos servidores do Banco Central, não é possível saber ao certo onde se
encontram as expectativas de inflação. Pelo boletim Focus mais recente, com
dados até o dia 25 de março, o mercado projetava uma inflação de 3,8% para
2023. É bem possível que esteja acima disso, já que a trajetória era claramente
de alta.
Na última reunião do Comitê de Política
Monetária (Copom), realizada em 16 de março, o Focus apontava uma inflação de
3,7% para o próximo ano. No próprio dia 25 de março, o IPCA-15 veio mais
salgado do que o mercado esperava, o que deve ter pressionado ainda mais as
previsões de inflação para o ano para mais perto de 4%.
Na sexta-feira, o Valor consultou
informalmente, sem pretensões científicas, perto de duas dezenas de bancos e
consultorias, para ter uma ideia dos humores após a divulgação do IPCA. Já
havia um bom número de analistas que, diante da evolução negativa dos dados,
estava com inflação em 4% ou mais. Outros, caminhava para tal - e o índice de
março foi o empurrão que faltava para ajustar para cima.
Os juros esperados pelo mercado também
estão se descolando para o alto. Pelo último dado do Focus, de 25 de março, o
consenso do mercado era que o Banco Central fosse levar os juros a um pico de
13% ao ano. Ou seja, havia uma certa descrença de que o Copom seria capaz de
parar o ciclo em 12,75% ao ano em maio, cenário que Campos Neto vinha afirmando
que era o mais provável. O IPCA levou os analistas econômicos e o próprio
mercado a consolidar a visão de que será preciso levar a meta da Selic a 13,25%
ao ano.
Mas a mensagem mais negativa está vindo da
trajetória de juros mais longa, até 2023, tanto prevista pelos analistas do
mercado quanto da curva de juros futuros. O Banco Central tem um bom controle
dos juros no curto prazo, por isso, quando Campos Neto sinaliza que o ciclo não
vai avançar muito mais, isso limita as apostas de aperto no curto prazo. Mas
fortalece as apostas de que os juros vão ter que ficar mais altos por mais
tempo.
Depois que o Banco Central sinalizou que
vai parar de subir em breve, os analistas consultados no Focus aumentaram o
juro médio previsto para o ano que vem. Como o juro vigente em 2023 determina a
inflação de 2024, esse é um outro sinal de que o mercado não acredita muito que
o BC será capaz de cumprir a meta de inflação em 2023.
Os juros negociados em mercado tiveram um
comportamento errático. Depois que o Copom foi mais “dovish”, ou menos
inclinado ao aperto monetário, as taxas de juros futuros com vencimento em
janeiro de 2024 recuaram. Declarações de Campos Neto que indicam pouca
disposição para seguir apertando, nos dias seguintes à reunião do Copom, também
contribuíram para os juros mais longos caírem. Os índices de inflação
divulgados na semana passada, primeiro o IGP-DI e depois o IPCA, desfizeram uma
boa parte dessa queda de juro.
Visto no conjunto, a alta nas projeções de
inflação de 2023 para bem acima da meta e a previsão de juros mais altos ao
longo do ano que vem significam que, para o mercado, o Banco Central vai levar
a inflação para a meta apenas em 2024 ou mesmo depois. A expectativa de
inflação de 2024 já estava em 3,2% em 25 de março, acima da meta do ano, de 3%.
Por que o mercado está tão descrente que o
BC vai cumprir o seu objetivo dentro do chamado horizonte relevante de política
monetária? São vários motivos. Um deles é que, para tanto, os juros teriam que
subir muito além do que está nas contas. Para baixar uma inflação que, na
previsão de 25 de março, tinha um desvio de 0,55 ponto percentual em relação à
meta, seria preciso levar o juro para acima de 14% ao ano. Parece natural, para
muita gente, que o BC faça uma convergência mais lenta da inflação para a meta,
para poupar a economia real.
Outro fator que leva o mercado a duvidar de
um aperto mais forte é que estamos cada vez mais perto das eleições
presidenciais. O BC não costuma subir a taxa de juros quando os candidatos
estão em campanha. Houve pausa nos dois últimos ciclos de alta, em 2010 e 2014,
com a retomada do aperto logo depois.
Há muitos bons argumentos para uma
trajetória mais gradual de cumprimento das metas, mas também há riscos. Quanto
mais tempo a inflação seguir alta, maiores as chances de se tornar mais
resistente.
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