Somos um país em crise desde a colonização,
não praticamos a democracia por um extenso período e custou muito para os
democratas a resistência à ditadura militar para construirmos o que chamamos de
redemocratização do país. Mesmo com a eleição de 2018, elegendo um
presidente comprometido com posturas ditatoriais, não podemos agora jogar fora
o esforço realizado para se conseguir viver numa sociedade igualitária.
O meu país parece ser realmente um mundo à
parte do mundo, pelo menos na cabeça de muitas pessoas.
Segundo Darcy Ribeiro, após escrever o seu
livro O Povo Brasileiro: a formação e o sentido do Brasil, “a coisa mais
importante para os brasileiros (…) é inventar o Brasil que nós queremos. “(in
documentário)
Tudo acontece com muita lentidão e
geralmente decisões sobre questões fundamentais são tomadas sem planejamento,
ficando a depender do humor e interesse particular dos governantes ou
autoridades de plantão.
Desde sempre, estudos lotam as prateleiras indicando que o país cresce em população, mas com indicadores bem definidos sobre a infraestrutura deficitária, ausência de saneamento básico, avanço da desigualdade social gerando fome e miséria, baixo índice de aprendizagem das crianças, transporte chamado público muito precário, pessoas morando nas ruas e esperando por ajuda e solidariedade que geralmente vem de outros pobres que ainda conseguem sobreviver com algum tipo de renda.
Destaque para a agressividade
e a violência que se expande pelas ruas, escolas, famílias, sem que o poder
público deixe de ser mero perseguidor de bandido, e passe a encarar de frente a
necessidade de se definir estratégias bem qualificadas para enfrentar o
processo de reconstrução do país que se avizinha, impulsionado pelos crescentes
índices inflacionários.
Novamente lembrando Darcy em seu livro O
Povo Brasileiro: “O espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão
proclamada, como falsa, “democracia racial”, raramente percebem os profundos
abismos que aqui separam os estratos sociais. O mais grave é que esse abismo
não conduz a conflitos tendentes a transpô‐lo, porque se cristalizam
num modus vivendi que
aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos. Os privilegiados
simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres,
cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia
social, que perpetua a alternidade”.
Claro que com o atual governo federal pouco
ou nada pode acontecer, porque o mesmo é um empecilho ao avanço democrático.
No entanto, governos estaduais que em breve
iniciam seus mandatos – como os municipais que têm ainda mais de dois anos de
atuação – têm o dever de cuidar para que as políticas públicas sob suas
responsabilidades tenham execução com base no planejamento e nas necessidades
reais da grande maioria da população.
Passada a situação grave da
pandemia que deixou até então 670 mil mortos, é hora de cuidar dos efeitos
causados, sobretudo, nas mentes das pessoas. Muitas famílias perderam pais,
filhos, avós. Outras perderam empregos, pequenos negócios. A violência ficou
acentuada, num ambiente familiar confinado. Pessoas que tinham o seu sustento
passaram a sobreviver com a ajuda de outras.
É verdade que governos, sobretudo a
instância federal, se faz presente com o chamado auxílio emergencial,R$ 400,00,
valor que diante do botijão de gás por 130,00 e do quilo de cenoura por 15
reais, tem mínima significância.
Ou seja, as crises já existentes foram
acentuadas e conseguimos observá-las com maior profundidade com as lupas da
pandemia.
Mas a maior expressão do desequilíbrio
psicossocial aparece nas escolas, com alunos vitimados pelo vírus direta ou
indiretamente, o que requer atenção especial de estados e municípios, onde se
concentram 45 milhões de alunos nas escolas públicas.
Segundo a Organização Mundial da Saúde
(OMS), prejuízos mentais da pandemia já são considerados a quarta onda da
Covid-19. As medidas de restrições necessárias e o medo da doença tiveram um
forte impacto na saúde mental dos brasileiros, porque desestabilizou o
cotidiano da família.
Junto com a pandemia, uma crise política
que se alonga até a eleição, responsável por alto grau de ansiedade, depressão
e estresse.
Já escrevi aqui nesta coluna, alertando
para a violência nas escolas, com a volta dos alunos, quando na primeira semana
de aula um aluno foi esfaqueado por outro numa escola de São Paulo.
A Folha de São Paulo noticiou alguns dados
sobre estudos já realizados na rede pública de São Paulo, pela Fundação Airton
Sena e Placon.
“Em média, são 108 ocorrências apenas de
agressão física a cada dia letivo nas quase 5.000 escolas da rede de ensino
paulista. Os dados são do Placon (Plataforma Conviva), sistema em que são
registradas as ocorrências escolares.
Houve ainda aumento de 225% nas ocorrências
de ação violenta provocadas por grupos ou gangues nas escolas. Até o último dia
24, foram 221 registros do tipo neste ano, contra 68 no mesmo período de 2019.
Também houve crescimento de 52% de
ocorrências de ameaça e de 77% de casos de bullying nas escolas estaduais em
relação a 2019”.
É urgente que as escolas
sejam capacitadas e tenham as condições de apoiar seus alunos na condição de
estresse, ansiedade e violência, além do processo de aprendizagem. Isso é
possível e necessário.
Tempo de eleição. Precisamos pensar em
novas formas de viver, fora do que aí está colocado, a aparência, o lucro, a
ganância, o poder sobre os outros, sendo capazes de fazer a leitura do mundo
como dizia Paulo Freire, compartilhando opiniões, conhecimentos, respeitando
todos os outros seres vivos.
Sobretudo sabendo ser livre, viver a vida
com liberdade de pensar, amar e construir sabedoria para enfrentar as
incertezas que surgem durante nossa vida que é tão pequena neste país, que
também é parte do planeta terra.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
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