Folha de S. Paulo
É temerário atribuir a recuperação de
Bolsonaro à recente movimentação pública bizarra de Lula
A recuperação
da popularidade de Bolsonaro deve-se a vários fatores, mas do
ponto de vista do conhecimento acumulado da ciência política sobre o assunto,
ela já seria em larga medida esperada. O ciclo da popularidade presidencial é
conhecido: lua de mel no início do mandato; seguida de declínio nas taxas de
aprovação; e finalmente elevação seis meses antes das novas eleições.
Identificado de forma rigorosa há pelo menos 50 anos para os EUA, só
recentemente o padrão foi analisado para a América Latina. Carlyn e
coautores (2018) utilizaram informação trimestral oriunda de
346 pesquisas de opinião e dados para 140 presidentes, de 1980 a 2014. O modelo
de séries temporais controla pela taxa de crescimento do PIB e inflação,
fatores que também afetam a popularidade presidencial.
O padrão é válido e ainda mais pronunciado na região do que nos EUA; no período de lua de mel, na média, a popularidade é 6,5% superior à linha de base, enquanto no último semestre do mandato é 5% menor. O padrão em Chile, Costa Rica, Panamá e Argentina é muito similar ao dos EUA. No Brasil ele também foi identificado com pequenas variações: de Sarney a Dilma, a popularidade presidencial sobe no último semestre antes das eleições (salvo o governo de FHC 2), o que também ocorreu com o governo Lula 2.
Neste caso, porém, não houve reversão, mas
manutenção da tendência de alta.
Assim, independentemente do comportamento da economia, a queda de popularidade
apresenta uma reversão, o que se explica pelo "efeito incumbência": o
amplo espaço para a manipulação política da máquina e das políticas públicas no
ano eleitoral.
Este fator tem efeito mitigador sobre tendências de queda na popularidade
devido a choques adversos, como guerras e pandemias, ou escândalos. Na sua
ausência, seus impactos poderiam ser ainda maiores.
Bolsonaro esteve próximo de atingir níveis irreversíveis de popularidade em
janeiro, como efeito da inflação de alimentos e energia, em quadro de ampla
rejeição. Se a popularidade caísse abaixo dos 20%, poderia ser deflagrado um
efeito manada na sua base parlamentar, afetando sua competitividade.
A reversão ocorrida deve-se a fatores claros na pesquisa Genial/Quaest recente:
o Auxílio Brasil e a perspectiva de saída de Moro e Doria da campanha.
É temerário atribuir a recuperação de Bolsonaro à recente
movimentação pública bizarra de Lula. Mas se ainda não teve
tempo de afetar a massa da opinião pública, ela certamente deflagrou enorme
reação nos formadores de opinião e redes em geral.
Popularidade não implica voto, que é uma escolha estratégica. O eleitor votará
em quem não aprova para evitar quem rejeita mais.
*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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