Folha de S. Paulo
Livro mergulha na psique de colaboradores
do Eixo
Vivemos em tempos de internet e redes sociais, que favorecem enormemente os julgamentos morais sumários e os correspondentes cancelamentos. E o problema com julgamentos morais sumários é que eles podem ser, se não imorais, pelo menos bastante complicados. Quem mostra isso com riqueza de detalhes é o historiador holandês Ian Buruma em "The Collaborators".
O livro é essencialmente o perfil de três
indivíduos que colaboraram com nazistas e japoneses durante a Segunda Guerra
Mundial. São eles Felix Kersten, o massagista de Heinrich Himmler, Yoshiko
Kawashima, a princesa chinesa que se converteu na "Mata Hari do Oriente",
e Friedrich Weinreb, o judeu que fingia ajudar judeus mas os entregava para os
nazistas. Eles não durariam segundos nas redes sociais de hoje, mas Buruma se
propõe a analisar com cuidado seus atos e a situação em que se encontravam. E a
conclusão que emerge é que, embora tenham feito coisas abomináveis, estão ainda
longe do topo no ranking dos monstros.
Eles agiram como agiram devido a uma
combinação de características psicológicas (os três eram fabulistas capazes de
levar qualquer um, inclusive eles mesmos, na conversa) com a dura realidade
daquele período, que impunha escolhas extremamente difíceis. Sim, eles fizeram
opções que lhes trouxeram ganhos pessoais, mas é preciso lembrar que, dadas as
circunstâncias, elas eram também as que asseguravam sua sobrevivência. E o fato
de terem feito coisas imorais não os impediu de, em determinadas situações,
ajudar quem precisava. Seres humanos são complicados.
Confesso que não conhecia nenhum dos três
perfilados, embora não fossem figuras anônimas. Suas histórias impressionam.
Kawashima, por exemplo, foi dada pelo pai a uma família japonesa, sofreu abusos
psicológicos e sexuais, tornou-se espiã, era transgênero e entregou-se ao ópio.
Também impressiona a densidade psicológica com a qual Buruma os retrata.
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