domingo, 9 de abril de 2023

Cristovam Buarque* - Chacina permanente

Blog do Noblat / Metrópoles

É rara a semana em que uma bala perdida ou indivíduo perverso não assassina uma criança no planeta Brasil

O Brasil concordou com a afirmação do Presidente Lula de que o monstro que assassinou crianças em Blumenau deve ser de outro planeta, sem sentimento humanista. Mas sabe que foi uma metáfora retórica, porque neste exato momento outros monstros estão se preparando para dar continuidade a monstruosidades de uma chacina permanente contra as crianças brasileiras. Não temos o direito de ignorar que a realidade está preparando outros ataques a nossas crianças. Afinal, esta não é a primeira chacina em escolas e creches, e é rara a semana em que uma bala perdida ou indivíduo perverso não assassina uma criança no planeta Brasil. Além de que, discretamente, pratica-se a chacina de não preparar nossas crianças para o futuro.

Há muitas causas, inclusive o efeito demonstração vindo de outros países, o excesso de armas e incentivo ao ódio promovidos pelo governo anterior, mas uma das principais causas das chacinas bárbaras ou discretas é que nosso sistema escolar não ama nossas crianças e nossa sociedade não ama nossas escolas. Se o sistema escolar amasse nossas crianças, não teríamos “escolas casa grande” para uns poucos e “escolas senzala” para muitos. Nosso sistema escolar expulsa milhões de nossas crianças todos os anos por pobreza, por má qualidade em suas instalações, por falta de motivação e formação de muitos professores que trabalham heroicamente, mas sem atender as aspirações dos alunos. Criando uma espécie de ressentimento contra ela e os que ficam nela, que tampouco veem razão para amá-la, porque não percebem sua importância para fazê-los mais eficientes, terem melhores empregos, um mapa para a felicidade. Alguns dizem que nossas escolas são navios negreiros levando escravos para o porto chamado futuro. Outros menos enfáticos, que elas são restaurantes mirins para assegurar merenda.

Esta realidade decorre da falta de amor de nossa sociedade por nossas escolas. Nossos prédios são os mais feios e menos confortáveis da sociedade. Basta compará-los com os demais prédios públicos, especialmente do judiciário, do legislativo ou demais órgãos públicos, ou com os shoppings e bancos. Felizmente ainda nos surpreendemos e nos indignamos com os bárbaros que fazem chacina contra nossas crianças em creches, mas aceitamos, toleramos e nem vemos a silenciosa chacina permanente a que são submetidos, dia após dia, nossas crianças nas “escolas senzala” que elas frequentam, como se estivessem em um navio negreiro.

A segurança de nossas crianças, nas escolas, ruas e até dentro de suas casas depende de muitos fatores, mas o principal seria criar um clima de respeito, gratidão, simpatia, orgulho pelas escolas. Para que todos sejam alunos na idade certa, dos 4 aos 17 anos, que eles gostem de estar nelas, ficarem até o final do ensino médio, saírem sabendo o que é necessário para enfrentarem bem a vida, com consciência de que sua escola é tão boa quanto as melhores. Isto exige que o Presidente da República cuide também da educação de base, com um ministro que não seja sequestrado pelo ensino superior, que os professores sejam a categoria mais prestigiada da sociedade, que as instalações e equipamentos sejam os mais modernos e eficientes, que as crianças fiquem na escola com gosto ao longo da manhã e tarde, e sobretudo que aprendam o que necessitam na futura trajetória de vida.

O presidente Lula, que definiu bem este bárbaro insano como um tipo de extraterreste, precisa proteger nossas crianças contra a barbárie nacional, assumindo não apenas a universidade, mas também a educação de base como uma questão do Brasil inteiro e não de cada município. O presidente precisa ser o ministro da educação de base, tanto quanto ele tem se interessado pelo ensino superior e assume o papel de ministro da fazenda, na busca do crescimento econômico. Defender também que o Brasil tenha educação da máxima qualidade e a mesma qualidade para todos. Até porque, sem isto o crescimento não dura e seu produto não se distribui.

*Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

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