Folha de S. Paulo
Um ingresso de Flamengo x Botafogo, no
Maracanã, em 1958, me leva de volta aos 10 anos
Às vezes, herdo ou sou agraciado com um
objeto a que me referi em algum livro. Em "Chega de Saudade", sobre a
bossa nova, falei da caixa de fósforos Beija-Flor que, em 1956, Vinicius de
Moraes botava de pé ao lado do copo, no bar Villarino, como generosa medida
para sua dose de uísque. Pouco depois, o jornalista Edmilson Siqueira, de Campinas,
surpreendeu-me com uma igualzinha. Até hoje, sempre que a vejo, imagino
Vinicius pondo sua Beija-Flor junto ao copo para que o garçom o servisse à
altura da caixa.
Numa entrevista sobre "O Anjo Pornográfico", minha biografia de Nelson Rodrigues, contei como custei a descobrir a marca de um objeto onipresente nas Redações de jornal em 1929: a escarradeira. Até que descobri: Hygéa. Pois não é que o produtor cultural Marcio Debelian me presenteou com um anúncio de uma linda Hygéa que encontrou numa revista antiga?
E, há dias, contei sobre um regalo
inestimável que recebi: um lápis e
uma pena que pertenceram a J. Carlos, o gênio do desenho no Rio
moderno dos anos 20 e personagem de "Metrópole à Beira-Mar". Tal
gentileza só podia partir de seu neto José Carlos de Britto e Cunha.
Agora, outro presente vem me desmontar: um
ingresso do jogo Flamengo x Botafogo, no dia 9 de novembro de 1958, de que
falei em "Estrela Solitária", sobre Garrincha. Chegou-me de Lages
(SC), enviado pelo diretor de arte Mauricio Neves, colecionador de raridades
referentes ao Flamengo.
Foi um jogo importante para Garrincha e
falo dele no livro. Mas a razão de minha emoção diante desse ingresso é outra.
Naquela tarde de 1958, eu estava lá, com meu pai, na arquibancada, em meio à
torcida do Flamengo. Foi a minha primeira vez no Maracanã. Ao manuseá-lo, volto
a ter 10 anos e, aterrorizado, vejo Garrincha driblar de novo toda a nossa
defesa e cruzar mais uma bola que resultará em gol. Incrível, esse passado
existiu e hoje é presente.
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