É absurdo anular acordos de leniência da Lava-Jato
O Globo
Ação movida por
três partidos no Supremo cria revisionismo para expurgar corrupção da História
É completamente descabida a ação conjunta movida
por PSOL, PCdoB e Solidariedade junto
ao Supremo Tribunal Federal (STF)
exigindo a suspensão do pagamento de indenizações e multas pelas empresas cujos
executivos confessaram atos de corrupção desmascarados pela Operação Lava-Jato.
Sob o argumento ardiloso de que os acordos de leniência assinados pelas
empresas foram “pactuados em situação de extrema anormalidade
político-jurídico-institucional”, os três partidos pretendem acabar com o que
chamam de “hermenêutica punitivista e inconstitucional do lavajatismo”. O STF
deveria negar imediatamente o pedido.
Os erros e ilegalidades cometidos pelo então juiz Sergio Moro em conluio com procuradores são todos de conhecimento público, assim como suas decisões sobre a própria carreira política fora do Judiciário. Nenhum desses fatos, contudo, justifica interromper o ressarcimento do Estado por criminosos confessos.
Os três partidos tentam sustentar que o
Brasil viveu um período de violação generalizada de direitos fundamentais,
batizado com o epíteto curioso de Estado de Coisas Inconstitucional. Esquecem
que as empresas brasileiras envolvidas na Lava-Jato fizeram acordos com a
Justiça de outros países, como Estados Unidos ou Suíça. Será que, na visão de
PSOL, PCdoB e Solidariedade, nesses lugares também houve atropelo
indiscriminado de direitos fundamentais?
O revisionismo proposto pela ação
conjunta pretende expurgar da História brasileira o maior caso de corrupção já
desvendado por aqui. Em certa medida, lembra as ordens do líder soviético Josef
Stálin para apagar de fotografias as imagens de ex-aliados que haviam se
tornado inimigos.
Amplos setores da esquerda acreditam na
teoria da conspiração segundo a qual a Lava-Jato foi fruto de uma operação
conjunta entre juízes, Ministério Público, Polícia Federal,
autoridades americanas, adversários do PT,
imprensa e quem mais lhes convém colocar no balaio. Entre os motivos alegados
está a noção estapafúrdia de que o objetivo da operação era prejudicar a
ascensão de um Brasil rico em petróleo e a operação das empreiteiras
brasileiras no exterior. A conveniência política dessa narrativa é óbvia: com
ela, os culpados são magicamente transformados em vítimas. O próprio presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva espalha essa versão, provando que, na hora de disseminar desinformação,
pouco deve ao antecessor.
Infelizmente, o pedido de suspensão dos
pagamentos não é um caso isolado. A Lei das Estatais, uma das poucas respostas
institucionais sólidas aos casos de corrupção desmascarados, começou a ser
alvejada mesmo antes da posse. Em dezembro, o PCdoB ajuizou ação no STF
questionando a quarentena a dirigentes partidários e de campanha eleitoral
indicados para estatais. Em decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski ainda
sujeita a julgamento em plenário, parte sensível da lei foi anulada. Espera-se
que os ministros derrubem tanto essa liminar quando o pedido descabido de
suspensão do pagamento de indenizações e multas. A Petrobras recebeu
de volta mais de R$ 6 bilhões roubados, uma pequena fração dos desvios
descobertos. É preciso evitar que a corrupção se repita.
Exigir nota fiscal eletrônica do ouro
não basta para coibir garimpo ilegal
O Globo
Medida é necessária,
mas atividade que cresceu no vácuo do Estado não desaparecerá de uma hora para
outra
Não é sem tempo a decisão da Receita
Federal de exigir nota fiscal
eletrônica para operações com ouro no Brasil. A medida,
obrigatória a partir de julho, tem como objetivo coibir a farra da ilegalidade.
O documento será emitido na primeira compra do ouro bruto, na importação,
exportação e em transações de instituições financeiras. O controle frágil, a
dificuldade de rastreamento e a falta de transparência na cadeia de produção
são apontados como incentivos à proliferação de garimpos clandestinos, que
provocam graves danos ao meio ambiente e tragédias humanitárias como a dos
ianomâmis.
Atualmente as operações são feitas com
notas fiscais de papel, fáceis de fraudar e difíceis de fiscalizar. O quadro é
agravado por uma legislação leniente, aprovada em 2013, no governo Dilma Rousseff.
Um “jabuti” incluído pelo deputado Odair Cunha (PT-MG) numa Medida Provisória
sobre seguro agrícola estabeleceu a presunção da boa-fé na compra de ouro. Na
prática, basta o vendedor dizer que o metal tem origem legal, mesmo que tenha
vindo de reservas indígenas ou áreas de preservação ambiental. Ainda que
posteriormente sejam comprovadas irregularidades, o comprador não será punido.
Na última quarta-feira, uma liminar do ministro Gilmar Mendes,
do STF, suspendeu o trecho da lei que permite esse absurdo.
O vale-tudo que impera no setor
beneficia garimpeiros ilegais e comerciantes que “esquentam” o ouro obtido
irregularmente. Não são poucos. Entre 2015 e 2020 foram vendidas no Brasil 229
toneladas de ouro com indícios de irregularidade, segundo estudo do Instituto
Escolhas. É quase metade da produção nacional.
A extração ilegal de ouro é nociva para
a população e o meio ambiente, pois contribui para o desmatamento e a
contaminação dos rios, afeta atividades como pesca, turismo e subsistência das
comunidades ribeirinhas. Em reservas indígenas, tem consequências desastrosas.
Lideranças locais relatam que, além de levarem doenças às aldeias, os invasores
fazem aumentar casos de violência, prostituição e alcoolismo.
Ainda que louvável, a nova norma da
Receita não resolverá o problema do garimpo ilegal. Só surtirá efeito com
outras medidas de combate às atividades irregulares. É verdade que a troca de
governo representou uma mudança na atitude diante do problema. Mas os desafios
são imensos. Somente nas terras ianomâmis havia 20 mil garimpeiros. Muitos já
foram afastados do local nos últimos meses, mas há grupos que resistem.
A queima de máquinas, equipamentos,
balsas e aviões não fará desaparecer de uma hora para outra uma atividade que
durante anos cresceu no vácuo de fiscalização, sob vista grossa das autoridades
e uma legislação frouxa. O ministro Gilmar deu 90 dias para o governo criar um
marco normativo para o comércio de ouro. É preciso correr. Se não forem
oferecidas alternativas aos milhares de garimpeiros na ilegalidade, eles
voltarão. A nota fiscal eletrônica e a decisão do Supremo são passos
importantes, mas insuficientes.
Haddad e o gasto
Folha de S. Paulo
Ministro acerta ao mirar
despesas, dado que meta de superávit continua incerta
Em entrevista à Folha,
o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mostrou compreensão de sua principal
missão no cargo —atuar como zagueiro, em suas palavras,
protegendo o Tesouro Nacional para que o governo tenha condições de realizar
políticas sustentáveis.
Para tanto, será preciso
atuar ao mesmo tempo na recomposição de receitas e no controle das despesas.
No primeiro quesito, o
ministro acerta ao apontar para benefícios injustificáveis a setores
específicos, que minam a capacidade fiscal —tradição do patrimonialismo.
Eliminá-los é tão
desejável quanto difícil, mas cabe o esforço. Cumpre escolher as batalhas, sob
pena de resistência geral que no passado inviabilizou progressos. É notória a
permeabilidade do Congresso a grupos de interesse.
Do lado do gasto, faltam
esclarecimentos. Foi positiva a apresentação dos termos gerais do que se
pretende como nova regra fiscal. Descartaram-se, ao menos para o momento, teses
mais exóticas de que não há restrições para os dispêndios. Agora, o debate se
afunila em torno da velocidade e da dimensão do ajuste necessário.
Os parâmetros
apresentados indicam aumento da despesa entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da
inflação e, ao mesmo tempo, explicitam uma meta de melhoria do saldo primário
—que passaria de um déficit de 0,5% neste ano para uma sobra de 1% do PIB em
2026.
Permanece duvidoso, contudo, como tal trajetória será
obtida, na medida em que um conjunto grande de gastos obrigatórios
tem crescimento contratado acima da inflação (caso da Previdência) ou regras
vinculadas à receita que serão restauradas (educação e saúde).
Sem tratar desses
mecanismos, a nova regra poderá cair no risco de sempre, o de comprimir
despesas não obrigatórias, sobretudo investimentos. É positivo, nesse contexto,
que Haddad se mostre disposto a propor alterações nos parâmetros que guiam os
desembolsos obrigatórios, o que depende de reformas constitucionais.
Quanto ao resultado
primário, também não está claro como se retornará ao terreno positivo. No
regramento atual, baseado na Lei de Responsabilidade Fiscal, a meta do ano é
referência crucial.
Desvios de receitas e
gastos são avaliados bimestralmente e, se for necessário, há contingenciamento,
além de impedimentos à criação de compromissos permanentes sem contrapartida.
A credibilidade da
política econômica depende mais do que das boas intenções do ministro. É
preciso que o projeto de lei complementar em elaboração pela Fazenda não
enfraqueça as restrições e, além da busca por novas receitas, também demonstre
que haverá controle das despesas públicas.
Quantidade e qualidade
Folha de S. Paulo
Liberar abertura de
cursos de medicina é correto, mas não resolve disparidades
O Ministério da Educação
autorizou a abertura de novos cursos de medicina em instituições privadas de
ensino superior, que havia sido barrada por portaria de Michel Temer (MDB) em
2018, sob o argumento de que a proliferação de escolas diminuíra a qualidade.
O problema maior da
educação médica no país, porém, não está no número de cursos, mas na formação
deficiente e na distribuição desigual entre as regiões.
No ano da portaria de
Temer, o Brasil era o segundo país com maior número de faculdades de medicina
no mundo: 322 para cerca de 210 milhões de pessoas. A Índia, primeira colocada,
tinha 400, mas com o sêxtuplo da população. Nos EUA, eram 131 para cerca de 320
milhões de habitantes.
A quantidade não é
acompanhada de qualidade. No exame realizado pelo Conselho Regional de Medicina
do Estado de São Paulo, que não é obrigatório para o exercício da profissão,
mais da metade dos prestantes acaba reprovada.
A formação poderia melhorar se avaliações como a do
Cremesp se tornassem obrigatórias para a atuação profissional
—assim como ocorre com os formados nos cursos de Direito, que precisam passar
na prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Em relação ao número de
médicos por habitantes, não temos excesso de profissionais. Há 502.475 médicos no país, com média de 2,4
profissionais para cada mil habitantes, enquanto a média da OCDE é
3,2, e 4 em Portugal.
Há distorções, repita-se,
na distribuição: 55% dos médicos estão no Sudeste, que tem 42% da população,
enquanto o Nordeste tem 18% dos profissionais e concentra 27% dos brasileiros.
No Rio de Janeiro, há 3,7 médicos por mil habitantes, mas no Maranhão há 0,8.
Para minar essas
discrepâncias, a nova regra condiciona a criação de vagas e cursos ao
chamamento público —quando o governo federal indica em quais municípios as
faculdades poderão ser abertas, considerando as necessidades do Sistema Único
de Saúde (SUS).
A volta do programa Mais
Médicos, reformulado com incentivos para fixação dos profissionais, é outro
recurso para tentar sanar disparidades regionais.
Mas problemas complexos
exigem mais do que medidas paliativas. É preciso oferecer condições de trabalho
atrativas para médicos e úteis à população, como infraestrutura e novas
tecnologias capazes de gerar resultados duradouros.
Menos
ideologia, mais tecnologia no campo
O Estado de S. Paulo.
A reforma agrária de molde coletivista
proposta pelo MST nada faz pelos pobres no campo, que precisam ser donos de sua
terra e participar da revolução tecnológica da agricultura nacional
Segundo apuração do Estadão, o número
de invasões de terra em três meses de governo Lula da Silva já superou todo o
primeiro ano do governo Jair Bolsonaro. O MST anuncia novas ações para o
chamado “Abril Vermelho”. É cedo para dizer se elas se consolidarão em uma
tendência. A atitude ambivalente do governo não é alvissareira. Por um lado,
Lula, ao longo da campanha, aludiu a um novo rumo para os assentamentos,
prestigiando-os como cooperativas. Também fez acenos de reconciliação com o
agronegócio. Mas eles eram maculados por uma oscilação entre uma atitude
vitimista – na qual Lula se colocava como “incompreendido” – e recobros de vilipêndios
ao agro como vilão ambiental, quando não “fascista e reacionário”. Sentindo-se
encorajado, o líder do MST, João Pedro Stédile, reavivou a retórica da luta de
classes anunciando o retorno às invasões.
Mas o fato é que, seja pela força das
circunstâncias ou por convicção (ou a falta dela), esse modus operandi está em
declínio. Nas últimas décadas a média de invasões por ano caiu linearmente, de
305 no governo FHC para 27 no governo Temer. Se forem retomadas no governo
Lula, será um esperneio incapaz de disfarçar sua obsolescência. Nem por isso
deixarão de ser contraproducentes.
Em meados do século passado, as
ideologias que nutrem o MST propunham, com suas concepções de reforma agrária,
um remédio ineficaz para um mal-estar real: a cultura das velhas oligarquias e
sua materialização num sem-número de latifúndios improdutivos. Hoje nem sequer
o diagnóstico está correto.
Desde os anos 70 o campo viveu um êxodo
para as cidades ao mesmo tempo que protagonizou uma revolução agrícola.
Sistemas de crédito aliados à pesquisa e inovação (sobretudo pela Embrapa)
criaram novas técnicas que impulsionaram a produtividade, expandiram as
fronteiras agrícolas e inseriram o agro na cadeia capitalista global. Com a
estabilização da economia depois do Plano Real, o Brasil passou de importador a
um dos maiores exportadores do mundo. Os salários no campo subiram, os preços
dos alimentos caíram e as divisas do superávit da balança agrícola pagaram as
contas de importações de bens industriais.
Os latifúndios improdutivos deram lugar
a latifúndios ultraprodutivos. Em especial no Sul e Sudeste, o dinamismo brotou
forte também entre pequenos e médios agricultores, que encontraram no
cooperativismo a sua força, consolidando uma nova classe média rural.
É verdade, contudo, que esse processo
espetacular não foi de todo inclusivo. A pobreza e a improdutividade ainda
prevalecem em amplas populações de pequenos agricultores, a maioria no
Nordeste. A solução não pode ser nem deixar que esses bolsões sejam esvaziados
pela imigração, na expectativa de que sejam ocupados por grandes corporações
agropecuárias enquanto as cidades são empilhadas com degredados do campo, muito
menos deslocá-los para assentamentos tutelados pelo governo e movimentos como o
MST. O foco deve ser conferir a essas pessoas acesso à cadeia agropecuária
moderna.
Isso passa por um programa robusto de
titulação, para que assentados (em especial na Amazônia) se responsabilizem por
suas propriedades e extraiam delas seus frutos. Mas a terra, por si só, é
condição necessária, não suficiente. Programas de capitalização, como o Pronaf
da gestão FHC, depois desvirtuado na gestão petista, resguardavam fatias dos
recursos do crédito rural a pequenos produtores. Mas o grande diferencial de
produtividade hoje é a tecnologia. O drama dos agricultores pobres é, mais do
que tudo, a exclusão tecnológica. O maior desafio do Estado é arquitetar
políticas públicas consistentes de democratização da tecnologia e de
capacitação em técnicas e gestão para que a população rural pobre possa prosperar,
seja como empreendedores, seja como empregados qualificados. A base de tudo,
por óbvio, é melhorar a educação no campo.
Trata-se, em outras palavras, de
emancipar essas pessoas marginalizadas integrando-as à revolução do
agronegócio, e não de antagonizá-las a ela arrastando-as ao passado: à
revolução anacrônica e malfadada do MST.
O
segredo das cidades empreendedoras
O Estado de S. Paulo.
Estudo mostra que municípios propícios
ao empreendedorismo cultivam ambiente regulatório, infraestrutura, mercados,
acesso ao capital, inovação, capital humano e cultura empreendedora
O que torna as cidades amigáveis ou
hostis ao empreendedorismo? Quais cultivam ambientes de negócios promissores,
quais estão defasadas? Para responder a estas questões, a Escola Nacional de
Administração Pública (Enap) avalia há 10 anos os 101 municípios mais populosos
do Brasil, indexando evoluções e retrocessos em um ranking.
O ecossistema do empreendedorismo é
mensurado por sete fatores: ambiente regulatório, infraestrutura, mercado,
acesso ao capital, inovação, capital humano e cultura empreendedora.
Um bom ambiente regulatório depende
tanto de uma burocracia ágil quanto de volumes simples e suaves de tributos
associados a gastos públicos de qualidade. Estratégias digitais são imensamente
eficazes para facilitar a vida dos empreendedores. A qualidade dos gastos
públicos está associada a quatro fatores: autonomia (a capacidade de financiar
a administração com receitas locais); gastos equilibrados com pessoal (deixando
margem a investimentos); liquidez (recursos em caixa); e investimentos (focados
no bemestar da população).
Além do ambiente regulatório, os
negócios prosperam em bons ambientes físicos, ou seja, infraestrutura que
garanta conectividade física e virtual com outros mercados e condições
financeiras e humanas para operações de produção. Além de acesso a rodovias,
portos e aeroportos, uma internet veloz é crucial.
Cidades com boas taxas de crescimento,
renda, gastos e sofisticação mercadológica oferecem maiores potenciais de
clientela e também de parcerias com outros empreendedores.
O empreendedorismo também prospera
quando uma cidade oferece acesso ao capital. Populações com altos índices de
poupança geram oportunidades de investimentos diretos. Se não forem
suficientes, é preciso boas instituições financeiras para operações de crédito.
Por último, os empreendedores podem financiar seus negócios vendendo ações ou
parte da empresa. Metrópoles como São Paulo, com seus hubs de corretoras,
fundos e fintechs, são especialmente propícias.
A revolução industrial 4.0 exige
condições favoráveis não só a novos empreendimentos, mas a empreendimentos
inovadores, através dos chamados Sistemas de Hélices Quíntuplas: governo,
universidade, indústria, sociedade civil e meio ambiente. A proporção de
acadêmicos, profissionais e investimentos ligados à ciência e tecnologia é
decisiva, assim como o é o capital humano. Empreendedores com maior nível
educacional têm mais chance de sobreviver e prosperar. O ecossistema urbano
ideal é aquele que oferece boa educação básica e superior, além de cursos
técnicos e de capacitação através de sinergias entre o mundo empresarial e o
educacional.
A confluência desses fatores leva ao
cultivo das crenças e valores do empreendedorismo, como a disposição a assumir
riscos e a sede por inovação.
Mas essa cultura pode ser galvanizada
por iniciativas municipais, como agências de fomento.
No ranking, São Paulo e Florianópolis
mantêm-se estáveis na liderança. Mas ele mostra que intervenções focadas podem
produzir resultados imediatos. Com investimentos em estrutura física e
tecnologia, em 10 anos o judiciário de Goiânia passou de um dos mais morosos a
um dos mais ágeis do País. Brasília, Boa Vista (RR) e Aparecida de Goiânia (GO)
foram as cidades que mais subiram. A primeira, por simplificações tributárias e
burocráticas; a segunda, por criar uma agência de fomento a pequenos
empreendedores; e a terceira, por uma conjunção desses dois fatores.
Comparativamente, o ambiente de
negócios no Brasil é notoriamente ruim. Não há muito a esperar de um governo
federal atavicamente hostil à iniciativa privada. Mas as prefeituras, mais
próximas dos cidadãos e com poder de resolver problemas concretos dos
empreendedores, podem, numa pressão difusa, de fora para dentro e de baixo para
cima, colaborar para reverter esse quadro.
Nessa missão, o Índice da Enap oferece
dados valiosos para os governos emularem as melhores práticas, para os
empresários buscarem as melhores oportunidades e para os cidadãos cobrarem seus
gestores e incentivarem seus empreendedores.
Nunca
tantos moraram na rua
O Estado de S. Paulo.
A rica SP concentra a maior parte dessa
população pobre, o que simboliza a complexidade do problema
Está em curso uma batalha judicial a
respeito da remoção pela Prefeitura de São Paulo de barracas instaladas em
locais públicos por pessoas em situação de rua. Recentemente, o Tribunal de
Justiça de São
Paulo derrubou uma decisão liminar que,
atendendo ao pedido do deputado federal Guilherme Boulos e do padre Júlio
Lancellotti, havia proibido essa conduta da administração municipal. Os autores
da ação, assim como a Defensoria Pública de São Paulo, disseram que vão
recorrer da decisão do tribunal.
Essa disputa, que tem sido acompanhada
de inflamados discursos político-ideológicos dos dois lados, tem o sério risco
de ignorar a parte mais vulnerável na história: as pessoas que estão em
situação de rua. Não se pode transformar o drama dessa população em disputa
político-eleitoral. Cuidar das pessoas e cuidar do espaço público não são ações
antagônicas. Fazem parte do mesmo esforço para zelar pelo interesse público, o
que exige, como é óbvio, um olhar especialmente atento para quem está em
condições de maior vulnerabilidade.
Para desenhar e implementar políticas
públicas efetivas, é fundamental conhecer esse fenômeno social, com suas
causas, suas dinâmicas e também sua exata extensão. Segundo a série histórica
elaborada pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em
Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir de
dados do Cadastro Único (CadÚnico), a cidade de São Paulo nunca teve tantas
pessoas em situação de rua como agora. Atualmente, são mais de 52 mil pessoas
que vivem nas ruas da capital, o que corresponde a 25% do total da população em
situação de rua no País (206 mil pessoas). Na análise desses números, devese
ter em conta a subnotificação, estimada em cerca de 35%.
Em relação à cidade de São Paulo, os
números dos anos anteriores são 37,2 mil (2021), 48,1 mil (2020), 44,3 mil
(2019) e 38,8 mil (2018). A maioria das pessoas em situação de rua é do sexo
masculino (mais de 80%) e negra (mais de 70%). Metade da população que vive na
rua não completou o ensino fundamental.
O aumento das pessoas em situação de
rua relacionase com o crescimento da pobreza e das desigualdades sociais, mas
os números revelam que não é apenas uma questão de pobreza regional ou de falta
de desenvolvimento econômico. Região mais rica do País, o Sudeste concentra 62%
das pessoas em situação de rua.
Só conhecendo a situação concreta
dessas pessoas, o poder público poderá atuar de forma adequada. Por exemplo, no
levantamento relativo ao ano de 2021, 82% das pessoas em situação de rua na
cidade de São Paulo eram beneficiárias do programa de distribuição de renda do
governo federal, então chamado Auxílio Brasil.
Cuidar de quem está morando na rua é
muito mais do que apenas discutir onde essas pessoas podem se instalar. É
prover condições de subsistência e autonomia, para que elas possam deixar de
viver na rua. E é também entender as causas desse fenômeno, atuando para evitar
que outros cheguem à mesma situação de vulnerabilidade.
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