O Estado de S. Paulo
Em vez de criticar os ‘pessimistas’ e
atacar o BC, o presidente deveria explicar como pretende promover expansão
econômica com estabilidade
OBrasil vai crescer mais do que preveem os “pessimistas”, garantiu o presidente Luiz Inácio da Silva, ainda sem explicar como o governo promoverá o crescimento. Inflação e gastança foram, até agora, as principais linhas de ação prenunciadas em seu falatório. Depois de brevíssima trégua, ele voltou a atacar o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Além disso, prometeu indicar para diretorias da instituição pessoas alinhadas com o governo. Lula já criticou a autonomia do BC e deixou clara sua pretensão, por enquanto irrealizável, de mandar na política monetária, como mandou, com efeitos catastróficos, sua aliada Dilma Rousseff. Mais conciliador e mais conhecedor de assuntos econômicos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou encerrar o conflito e logo em seguida propôs um esquema de colaboração entre o BC e seu ministério, como dois braços envolvidos na mesma tarefa, “garantir o crescimento com baixa inflação”. Apesar de bonito, esse discurso pode ser enganador e induzir a uma perigosa distorção dos fatos.
Recolher e gastar o dinheiro público são
funções do Executivo – realizáveis, idealmente, com equidade na distribuição de
encargos e eficácia econômica e social no uso de recursos. As funções do BC são
proteger a estabilidade da moeda e trabalhar pela segurança e pelo bom
funcionamento do sistema financeiro. Os dois conjuntos de tarefas podem
produzir bem-estar e prosperidade, sempre com base nos critérios e técnicas de
cada instituição. Quanto ao crescimento sem inflação, será mais fácil se as
contas do Tesouro forem administradas com prudência e visão de longo prazo.
Quando isso ocorre, há menos desafios para o BC e é possível conduzir a
política monetária – e de juros, portanto – com maior suavidade.
Enquanto o ministro Haddad pedia
colaboração ao BC, o Fundo Monetário Internacional (FMI) anunciava a mensagem
principal da nova edição de seu Monitor Fiscal, preparado para a reunião de
primavera, realizada em Washington em abril. O desafio, neste momento, é
proteger as famílias, principalmente as pobres, da nova crise inflacionária
global. O destaque, neste momento, vai para a política fiscal, isto é, para a gestão
das contas públicas.
A política fiscal, segundo o FMI, “pode
apoiar a política monetária no enfrentamento da inflação porque também afeta a
demanda agregada”. Note-se: cabe à gestão das finanças públicas, neste caso,
ajudar a política monetária, algo diferente da proposta do ministro da Fazenda.
O estudo citado cobre o período a partir de
1985. No caso das economias avançadas, cortar o gasto público em 1 ponto de
porcentagem do PIB reduz a inflação em 0,5 ponto porcentual. O aperto fiscal,
segundo o modelo usado, possibilita aos bancos centrais um aumento de juros
mais moderado no combate à inflação. Para proteger os mais pobres, os mais
atingidos tanto pela inflação quanto pelo corte do gasto público, os
economistas do FMI sugerem um aumento de transferências destinadas a atenuar a
desigualdade. Pelo menos isso coincide com o discurso habitual do presidente
Lula. Mas falta convencê-lo dos maus efeitos da gastança e de seus custos para
a população mais carente.
O presidente Lula costuma responder com sua
experiência de governo quando lhe cobram responsabilidade fiscal e cuidado com
a inflação. Mas ele deixa de lado pelo menos três fatos muito importantes. Sua
política fiscal foi determinada, na maior parte do tempo, pela prudência do
ministro Antonio Palocci. Em segundo lugar, ele teve de respeitar a
independência prometida ao presidente do BC, o experiente banqueiro Henrique
Meirelles. Em terceiro, o ambiente internacional foi geralmente favorável e só
se deteriorou na crise de 2008-2009. A reação a essa crise foi determinada em
grande parte pela ação rápida e eficiente do BC. A maior parte das condições
externas é hoje muito diferente, com baixo crescimento econômico, insegurança
nas cadeias de comércio e fortes tensões inflacionárias.
Além disso, a economia brasileira acumula
um decênio de estagnação e seu potencial de crescimento é limitado, claramente,
pelo baixo investimento produtivo registrado nesse período. Há muitos anos as
projeções de expansão econômica raramente superam a taxa anual de 2%. A indústria
pouco tem investido em expansão de capacidade e em modernização. O setor
público mal tem aplicado o suficiente para compensar a depreciação da
infraestrutura. Mas crescimento e poder de competição dependem também de
educação e tecnologia, áreas marcadas por enormes deficiências – muito
agravadas, é importante lembrar, na presidência desastrosa de Jair Bolsonaro.
Lula sabe da importância do investimento
empresarial e da formação de capital produtivo pelo setor público. Mas é
preciso levar em conta a previsibilidade econômica e a segurança necessária às
decisões de longo prazo do setor privado. Juros menores são apenas um
componente necessário à formação desse quadro. Se Lula fizer sua parte, a
começar pelo planejamento fiscal, até a redução dos juros será mais fácil.
*Jornalista
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