O Estado de S. Paulo
São inconstitucionais principalmente porque criaram dois tipos de candidatos a parlamentar, com e sem emendas
Há muito tempo escrevo contra as emendas
parlamentares, até aqui sem sucesso, mas não desisto, pois constituem uma
grande distorção de nossa vida política, por terem grande influência eleitoral.
Desta vez tive ajuda do meu amigo Vilmar Rocha, que por 20 anos foi deputado
federal por Goiás e como tal participou na revisão constitucional de 1993.
Orientou-me sobre o que está na Constituição sobre essas emendas. É advogado e
foi professor de Direito na Universidade Federal de Goiás.
Na área federal, essas emendas são de vários tipos, cresceram muito nos últimos cinco anos e alcançam hoje cerca de R$ 50 bilhões por ano. Tenho visto notícias de que também chegaram aos Legislativos dos Estados e municípios. Meus argumentos são pela inconstitucionalidade dessas emendas em seu conjunto. A proliferação delas começou via Emenda Constitucional n.º 100, de 2019, que, entre outros aspectos, tornou obrigatória a execução de emendas de bancadas e individuais, dentro de certos limites. A quem quiser conhecer mais a história das emendas sugiro ir ao Google Chrome e procurar por “emendas constitucionais que permitiram as emendas parlamentares”.
Passo aos meus argumentos. Primeiro, não sei
de países que permitem emendas com tamanha liberalidade como as daqui. Nos EUA
há emendas parlamentares, mas não alcançam a mesma proporção das brasileiras,
embora também estejam crescendo. E há uma ONG que há mais de 30 anos exerce uma
fiscalização forte sobre essas emendas, que lá são chamadas de pork barrel ou
barris de carne de porco. É a Citizens Against Government Waste (Cidadãos
Contra o Desperdício Governamental). Ela elege o “porco do mês” como aquele que
propôs a emenda mais extravagante no período. Segundo, aqui, parlamentares são
legisladores, mas com as emendas atuam como se fossem membros do Executivo na
alocação de verbas do Orçamento e as verbas totais das emendas são grandes,
absorvendo assim uma função do Executivo. Terceiro, não sei de avaliação
detalhada de grande parte do resultado ou impacto das emendas dirigidas aos
municípios.
Passando à inconstitucionalidade, o artigo
60, que trata das emendas à Constituição, em seu § 4.º, diz que “não será
objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) III- a
separação dos Poderes; IV- os direitos e garantias individuais”.
Começando pelo item IV, o artigo 5.º da
Constituição, que cuida dos direitos e deveres individuais e coletivos,
estabelece que “(...) todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. A
ênfase na igualdade foi minha.
Com essas emendas, nas eleições, foram
criados dois tipos de candidatos muito desiguais. Em primeiro lugar, os que já
têm mandatos, ou incumbentes, cujos municípios sob sua influência receberam o
dinheiro de suas emendas e cujos prefeitos, como retribuição, angariarão votos
para os candidatos indicados pelos doadores. Em segundo lugar, estão os
candidatos não incumbentes, que se candidatam pela primeira vez ou que não eram
incumbentes no período pré-eleitoral e assim não tiveram emendas para
distribuir. Ou seja, há candidatos que usam emendas e outros não, uma grande
desigualdade perante as leis eleitorais.
Nas últimas eleições municipais, a imprensa
mostrou vários casos de municípios em que os prefeitos reeleitos, ou eleitos
com o apoio de atuais prefeitos, receberam maiores valores de emendas.
Sei de um candidato a deputado federal por
duas vezes antes dessas emendas, sem sucesso, e ele aprendeu então a grande
influência dos prefeitos e seus vereadores na votação para parlamentares
federais e estaduais. Conversando sobre o assunto com o então governador Mário
Covas, este confirmou essa percepção e lhe disse: “Na próxima eleição vou ver
se lhe arranjo uns prefeitos”, mas faleceu pouco tempo depois. Hoje são as
emendas parlamentares que arregimentam muitos prefeitos e seus vereadores.
E mais: quanto ao item III, de que a emenda
não pode afetar a separação de Poderes, as parlamentares também ofenderam esse
princípio, ao se apropriarem de competências anteriormente a cargo do
Executivo.
Pela imprensa, vejo o ministro Flávio Dino,
do Supremo Tribunal Federal (STF), cuidando das emendas nesse tribunal. Está
sempre envolvido com irregularidades delas, seus prazos, liberações etc., mas
os parlamentares parecem sempre encontrar uma forma de escapar de suas
intervenções. Assim, há mais esse argumento para que todas as emendas sejam
declaradas inconstitucionais. Do lado do Congresso, eles já estão preocupados
mesmo é com a liberação das emendas em 2026, um ano eleitoral, liberação essa
que desejam que seja feita, obviamente, antes das eleições.
Se o leitor souber por que o STF não adota a
inconstitucionalidade em geral das emendas, favor informar pelo e-mail
roberto@macedo.com.
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