Folha de S. Paulo
O movimento que embrutece, emburrece e empobrece
A bolsalidade se espraiou pela vida pública e
privada. Ajudou a embrutecer pessoas doces e a emburrecer pessoas
escolarizadas. Luta por empobrecer um país, por se apropriar da sua riqueza
material e suprimir sua riqueza imaterial, aquela que faz pensar e sentir antes
de falar e agir. Tenta perpetuar a soberania de hierarquias e subjugar uma
sociedade diversa.
A bolsalidade empobrece um país enquanto enriquece suas forças coloniais, extrativistas e grileiras. Enquanto enfraquece o Estado, a legalidade, as políticas públicas e abre avenidas para o crime organizado e a corrupção. Enquanto esgarça argumentos e esvazia valores constitucionais.
A bolsalidade não é surto que afeta somente
os soldados do extremismo. A sua incivilidade contamina toda a esfera pública.
A indigência discursiva passa a hidratar a linguagem de jornalistas
declaratórios, colunistas e leitores; de políticos e magistocratas, advogados e
cidadãos.
O grito de bolsalidade pode configurar crime.
O leitor Luciano Napoleão de Souza reagiu a esta coluna semanas atrás:
"Kanalha! Mil vezes, Kanalha! Militante da velha imprensa merece
MORRER!!!!!!" O comentário ficou no ar por algumas horas. Em uma linha,
pode ter cometido crimes de ameaça e incitação. O que mais excita Napoleão
lendo jornal numa quinta de manhã? O que Napoleão pensa sobre Napoleão?
Mas a bolsolidade napoleônica não só comete
crime. Ela também deprime. Marcos Benassi, o mais inspirado, lírico e
carismático leitor da Folha, desabafou:
"Pô, caríssimo, eu tô farto disso...
Farto do Bozo, da Bozonéscia, de Bozolinagem; farto da Bozolescência dos
valores, da Bozolalia de seus seguidores, da Bozocracia que espreita. Como diriam
os Titãs, ‘cansado de coisa vulgar, cansado de coisa rara’: cansadíssimo de
quão rara é a aparição do bom-senso, da coragem, da altivez, do reconhecimento
pela resistência. Tô farto de covardia, tergiversação, análises expelidas pelo
ââânnus, oriundas do ‘segundo cérebro’. Tô farto da farta de vergonha."
Bolsais juram viver sob ditadura comunista,
agravada por ditadura do Judiciário. Não porque dissidentes são torturados,
assassinados e desaparecidos, mas porque réu perigoso, depois de obstruir a
Justiça, sofre restrições de circulação e discurso nas redes sociais.
Somente no reino da bolsalidade decisões
judiciais controversas ganham o nome de ditadura. A bolsalidade chama direitos
humanos de "esterco da vagabundagem", mas apela ao devido processo
legal. Não como um argumento esforçado e articulado pela doutrina jurídica, só
como um grito primal.
A bolsalidade também chama de liberdade a
política liberticida, de patriotas as conspirações anti-nacionais, de vontade
do povo o que não tem conexão com anseio popular, de democrático o que é
irremediavelmente autoritário, e vice-versa. Chama de justiça os penduricalhos
ilegais que magistocratas, já beneficiários dos melhores salários de Estado,
acumulam.
O grito de bolsalidade não comunica
divergência sincera sobre o significado de cada um desses termos e conceitos.
Divergência sincera abunda na história do pensamento político e jurídico, que a
bolsalidade ignora. Há só manipulação, apelo ao medo e ao ódio, à discriminação
e à violência. E ao próprio bolso.
A bolsalidade provoca esse mal-estar
coletivo. E dessa prostração se aproveita.
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