Valor Econômico
Baixa poupança em muito precede o Estado de
bem-estar social no Brasil
Em um artigo escrito para o Valor em 13 de agosto de
2025, “Poucos precisam poupar no Brasil”, o professor Nilson Teixeira, ainda
que em um artigo no qual concordamos em vários pontos, infelizmente ajuda a
perpetuar algumas visões equivocadas sobre o efeito de políticas de seguridade
social na taxa de poupança geral da economia que é preciso que sejam
desmitificadas.
Realmente, é um fato já bastante debatido que o Brasil poupa muito pouco em comparação a outros países em desenvolvimento, e que essa característica de nossa economia pode ajudar a explicar a incapacidade do país de manter uma taxa de crescimento do PIB que seja consistente com um movimento de “catching-up” em relação às economias desenvolvidas.
A ideia de que essa taxa de poupança baixa
seria consequência de um Estado que provê seguros demasiados para a população,
gerando assim uma substituição da poupança precaucional privada, entretanto,
não é coerente com os fatos empíricos disponíveis, tanto na comparação
histórica quanto internacional, tampouco é compatível com algumas
características importantes da economia brasileira.
Na comparação temporal, vemos que a baixa
taxa de poupança é uma característica da economia brasileira desde o início das
séries históricas sobre o tema, e que em muito precede o surgimento de um
(ainda incipiente) Estado de bem-estar social no Brasil. Assim, tanto a entrada
em vigor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), em 1996, como a
instituição do Programa Bolsa Família (PBF), em 2003, ambos programas citados
no artigo, surgem já em um cenário de perene (e precedente) baixa taxa de
poupança bruta da economia. É dessa forma difícil argumentar que essas
políticas sociais poderiam ser (mesmo que parcialmente) responsáveis por tal mazela
brasileira.
A hipótese de um Estado provedor também não
sobrevive à comparação internacional. Países conhecidos por proverem ampla
proteção social, como a Noruega e a Dinamarca, nos quais o cidadão médio paga
quase metade da sua renda em impostos e que oferecem até dois anos inteiros de
seguro-desemprego (outro programa citado), ambos têm taxas de poupança acima de
30% do PIB. Por outro lado, os Estados Unidos, que entre os países do mesmo
nível de desenvolvimento têm um dos mais débeis sistemas de proteção social,
amarga uma taxa de poupança apenas levemente superior à nossa.
O exemplo internacional usualmente citado
para corroborar tal argumento é a China, onde uma taxa singularmente alta de
poupança familiar é acompanhada por um Estado que historicamente proveu baixo
nível de seguridade social, por causa do seu nível de desenvolvimento.
Pesquisas recentes, entretanto, colocam em xeque essa explicação, ao notar que
a taxa de poupança dos domicílios chineses quase dobrou nas últimas décadas,
enquanto o sistema de seguridade social tem se expandido também rapidamente
desde 2003. Certamente, naquele caso o alto nível de poupança é devido a
características culturais daquele país, como a concorrência amorosa em uma
sociedade com alta proporção de homens na população e em que possuir riqueza é
uma vantagem no mercado de casamentos.
Por outro lado, o artigo acerta ao apontar a
desigualdade como um dos principais limitantes à poupança no Brasil. Mas
devemos nos atentar ao modo como a desigualdade de renda brasileira afeta a
composição da poupança nacional. Daqui deriva o título deste artigo: ao
observar o efeito da desigualdade na taxa de poupança bruta do país, notamos
que o problema não é que poucos “precisam” poupar no país, mas sim que poucos
aqui têm renda suficiente para fazê-lo.
Nesse sentido, um primeiro ponto a se notar é
que em um dos países mais desiguais do mundo, como o nosso, a taxa de poupança
da metade mais pobre da população (e, portanto, afetada pelas políticas
sociais) pouco tem poder de alterar a taxa agregada da economia. Em um cenário
em que os 40% mais pobres recebem apenas 9% da renda privada monetária, mesmo
um significativo aumento de 10 pontos percentuais na sua taxa de poupança
aumentaria a poupança geral das famílias em menos de 1 ponto percentual do PIB.
Ao contrário, o 1% mais rico no Brasil recebe
15% da renda total, e assim um aumento na sua taxa de poupança teria um efeito
substancialmente maior na poupança agregada, ainda que representem 40 vezes
menos brasileiros do que o grupo anterior. Políticas que incentivem esse
pequeno grupo a aumentar a sua taxa de poupança, portanto, terão efeito
substancialmente maior por indivíduo afetado que políticas que tentem aumentar
a poupança da metade mais pobre da população, como a redução de benefícios
sociais.
Realmente, ao discutir a baixa taxa de
poupança no Brasil, a discussão correta a se fazer é por que os 10% mais ricos
(que detém metade da renda total brasileira) poupam tão pouco no país.
Evidentemente, a resposta para essa questão não se encontra em políticas com
corte de renda como o BPC e o PBF, assim como dificilmente se dão por outras
políticas de seguridade social, como o seguro-desemprego ou o Serviço Único de
Saúde (já que essas pessoas pagam seguro privado).
A isso se soma o fato de que no mundo inteiro
a taxa de poupança difere drasticamente por faixa de riqueza. Nos Estados
Unidos, por exemplo, os 90% mais pobres em média não poupam, já os próximos 9%
poupam um décimo da sua renda, e a grande maioria da poupança nacional vem dos
1% com maior riqueza, que chegam a poupar em média 30% do que recebem.
Novamente, essas observações são ainda mais importantes em um dos 6 países com
maior desigualdade de riqueza do mundo, como o nosso, em que esse pequeno grupo
de 1% da população possui metade de toda a riqueza nacional.
Assim, entender de onde vem a poupança
nacional é fundamental para podermos entender quais políticas públicas podem
afetá-la. Se as políticas sociais dificilmente afetam a taxa bruta de poupança,
pelo discutido acima, concordo com o articulista que oferecer seguro público
para a proporção mais rica da população, o que é feito pelo RGPS, em bem menor
escala, mas especialmente pelo Regime Próprio, cujo 73% do orçamento é
destinado aos 10% mais ricos (que é quem poupa no Brasil e o mundo), pode sim
ter efeito na nossa taxa de poupança.
Mas a evidência temporal e internacional
aponta que, se queremos alterar drasticamente essa mazela, temos que procurar o
vilão em outro lugar, talvez no próprio nível de desigualdade de renda.
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