quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Poucos podem poupar no Brasil, por Pedro Forquesato

Valor Econômico

Baixa poupança em muito precede o Estado de bem-estar social no Brasil

Em um artigo escrito para o Valor em 13 de agosto de 2025, “Poucos precisam poupar no Brasil”, o professor Nilson Teixeira, ainda que em um artigo no qual concordamos em vários pontos, infelizmente ajuda a perpetuar algumas visões equivocadas sobre o efeito de políticas de seguridade social na taxa de poupança geral da economia que é preciso que sejam desmitificadas.

Realmente, é um fato já bastante debatido que o Brasil poupa muito pouco em comparação a outros países em desenvolvimento, e que essa característica de nossa economia pode ajudar a explicar a incapacidade do país de manter uma taxa de crescimento do PIB que seja consistente com um movimento de “catching-up” em relação às economias desenvolvidas.

A ideia de que essa taxa de poupança baixa seria consequência de um Estado que provê seguros demasiados para a população, gerando assim uma substituição da poupança precaucional privada, entretanto, não é coerente com os fatos empíricos disponíveis, tanto na comparação histórica quanto internacional, tampouco é compatível com algumas características importantes da economia brasileira.

Na comparação temporal, vemos que a baixa taxa de poupança é uma característica da economia brasileira desde o início das séries históricas sobre o tema, e que em muito precede o surgimento de um (ainda incipiente) Estado de bem-estar social no Brasil. Assim, tanto a entrada em vigor do Benefício de Prestação Continuada (BPC), em 1996, como a instituição do Programa Bolsa Família (PBF), em 2003, ambos programas citados no artigo, surgem já em um cenário de perene (e precedente) baixa taxa de poupança bruta da economia. É dessa forma difícil argumentar que essas políticas sociais poderiam ser (mesmo que parcialmente) responsáveis por tal mazela brasileira.

A hipótese de um Estado provedor também não sobrevive à comparação internacional. Países conhecidos por proverem ampla proteção social, como a Noruega e a Dinamarca, nos quais o cidadão médio paga quase metade da sua renda em impostos e que oferecem até dois anos inteiros de seguro-desemprego (outro programa citado), ambos têm taxas de poupança acima de 30% do PIB. Por outro lado, os Estados Unidos, que entre os países do mesmo nível de desenvolvimento têm um dos mais débeis sistemas de proteção social, amarga uma taxa de poupança apenas levemente superior à nossa.

O exemplo internacional usualmente citado para corroborar tal argumento é a China, onde uma taxa singularmente alta de poupança familiar é acompanhada por um Estado que historicamente proveu baixo nível de seguridade social, por causa do seu nível de desenvolvimento. Pesquisas recentes, entretanto, colocam em xeque essa explicação, ao notar que a taxa de poupança dos domicílios chineses quase dobrou nas últimas décadas, enquanto o sistema de seguridade social tem se expandido também rapidamente desde 2003. Certamente, naquele caso o alto nível de poupança é devido a características culturais daquele país, como a concorrência amorosa em uma sociedade com alta proporção de homens na população e em que possuir riqueza é uma vantagem no mercado de casamentos.

Por outro lado, o artigo acerta ao apontar a desigualdade como um dos principais limitantes à poupança no Brasil. Mas devemos nos atentar ao modo como a desigualdade de renda brasileira afeta a composição da poupança nacional. Daqui deriva o título deste artigo: ao observar o efeito da desigualdade na taxa de poupança bruta do país, notamos que o problema não é que poucos “precisam” poupar no país, mas sim que poucos aqui têm renda suficiente para fazê-lo.

Nesse sentido, um primeiro ponto a se notar é que em um dos países mais desiguais do mundo, como o nosso, a taxa de poupança da metade mais pobre da população (e, portanto, afetada pelas políticas sociais) pouco tem poder de alterar a taxa agregada da economia. Em um cenário em que os 40% mais pobres recebem apenas 9% da renda privada monetária, mesmo um significativo aumento de 10 pontos percentuais na sua taxa de poupança aumentaria a poupança geral das famílias em menos de 1 ponto percentual do PIB.

Ao contrário, o 1% mais rico no Brasil recebe 15% da renda total, e assim um aumento na sua taxa de poupança teria um efeito substancialmente maior na poupança agregada, ainda que representem 40 vezes menos brasileiros do que o grupo anterior. Políticas que incentivem esse pequeno grupo a aumentar a sua taxa de poupança, portanto, terão efeito substancialmente maior por indivíduo afetado que políticas que tentem aumentar a poupança da metade mais pobre da população, como a redução de benefícios sociais.

Realmente, ao discutir a baixa taxa de poupança no Brasil, a discussão correta a se fazer é por que os 10% mais ricos (que detém metade da renda total brasileira) poupam tão pouco no país. Evidentemente, a resposta para essa questão não se encontra em políticas com corte de renda como o BPC e o PBF, assim como dificilmente se dão por outras políticas de seguridade social, como o seguro-desemprego ou o Serviço Único de Saúde (já que essas pessoas pagam seguro privado).

A isso se soma o fato de que no mundo inteiro a taxa de poupança difere drasticamente por faixa de riqueza. Nos Estados Unidos, por exemplo, os 90% mais pobres em média não poupam, já os próximos 9% poupam um décimo da sua renda, e a grande maioria da poupança nacional vem dos 1% com maior riqueza, que chegam a poupar em média 30% do que recebem. Novamente, essas observações são ainda mais importantes em um dos 6 países com maior desigualdade de riqueza do mundo, como o nosso, em que esse pequeno grupo de 1% da população possui metade de toda a riqueza nacional.

Assim, entender de onde vem a poupança nacional é fundamental para podermos entender quais políticas públicas podem afetá-la. Se as políticas sociais dificilmente afetam a taxa bruta de poupança, pelo discutido acima, concordo com o articulista que oferecer seguro público para a proporção mais rica da população, o que é feito pelo RGPS, em bem menor escala, mas especialmente pelo Regime Próprio, cujo 73% do orçamento é destinado aos 10% mais ricos (que é quem poupa no Brasil e o mundo), pode sim ter efeito na nossa taxa de poupança.

Mas a evidência temporal e internacional aponta que, se queremos alterar drasticamente essa mazela, temos que procurar o vilão em outro lugar, talvez no próprio nível de desigualdade de renda.

 

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