quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Novos desafios à política exterior, por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Estratégia externa requer cálculo fino, discreto profissionalismo e muita contenção na retórica

Os ferozes ataques desfechados por Donald Trump contra a democracia brasileira e o comércio bilateral do país com os Estados Unidos têm se revelado uma inesperada oportunidade de reafirmar alguns princípios que de há muito norteiam a política externa brasileira –e, com base neles, definir com a clareza possível estratégias globais e objetivos regionais.

As condições são especialmente delicadas por duas razões, pelo menos. Uma é a imprevisibilidade gerada pela conduta errática do truculento presidente norte-americano, que parece querer dar vida às representações mais caricatas do imperialismo que, ao tempo da Guerra Fria, inundavam os manuais do marxismo soviético e eram adotados, feito Bíblia, pelos simpatizantes da pátria do socialismo em toda parte. Com Trump, Tio Sam está de volta como farsa trágica.

Outra razão é a virtual paralisia das instituições multilaterais estabelecidas depois da Segunda Guerra, em especial daquelas que formam o chamado Sistema das Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Para o Brasil, representaram valiosos espaços de amplificação de sua voz nos assuntos internacionais.

É fato que pelo menos dois arranjos multilaterais ganharam importância nos últimos tempos: o G20 e o Brics. Mas não há clareza sobre o que pode acontecer com o primeiro –e único a reunir países do Norte e do Sul– se Washington resolver sabotá-lo. E o segundo arranjo, em que pese a sua expansão, ainda está longe de ser a nova face do multilateralismo, como imaginam alguns.

No livro recém-lançado "The Non-Aligned World" (o mundo não alinhado), três respeitados autores chilenos, Jorge Heine, Carlos Fortin e Carlos Ominami, advogam que os países latino-americanos deveriam pautar suas políticas exteriores pelo não alinhamento ativo. Propõem a recusa da neutralidade e do distanciamento das questões mundiais. Ao contrário, sugerem que as nações tomem posição sobre problemas internacionais, caso a caso, sem cerrar fileiras sistemática e automaticamente com as grandes potências ­–Estados Unidos e China.

Esse parece ser o caminho que o governo do país vem tateando, depois do tarifaço. Assenta-se na duradoura tradição de universalismo e pragmatismo da diplomacia brasileira. Ambos levaram o Brasil a estabelecer laços comerciais e relações diplomáticas, fossem quais fossem a natureza dos regimes e a orientação política dos respectivos governos.

A estratégia também se traduz no esforço de pôr em pé, já não sem tempo, o acordo Mercosul-União Europeia; no diálogo com a China sobre comércio; na troca de ideias com a Índia; na cordial recepção ao novo presidente do Equador, eleito por um partido de direita –o que soa como tentativa de despolitizar as relações com os vizinhos latino-americanos. As manifestações do Itamaraty e a recente entrevista do assessor internacional da Presidência, ministro Celso Amorim, ao programa "Roda Viva", da TV Cultura, parecem confirmar a nova orientação.

Para se tornar compromisso crível, a estratégia de não alinhamento ativo requer cálculo fino de cada iniciativa; profissionalismo no trato das questões espinhosas; e muita contenção na retórica, especialmente diante das provocações e ameaças disparadas da Casa Branca, dia sim, outro também.

 

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