O Globo
Congresso transparente e eficiente não é só
desejável, como possível e urgente. É condição para que a democracia funcione
A última pesquisa Datafolha traz
um recado direto e preocupante aos que ocupam vagas no Legislativo brasileiro: quase
80% da população vê o Congresso como espaço dedicado à defesa de interesses
próprios. A reprovação dos parlamentares segue uma tendência crescente. Não se
trata de uma oscilação pontual de imagem, mas de uma crise persistente de
representação e confiança pública.
O sentimento de desconfiança em relação à política institucional não é recente, mas seu agravamento exige mais que discursos simbólicos. Reverter esse desgaste passa por mudanças estruturais no funcionamento dos mandatos: mais foco estratégico, mais compromisso com entregas concretas e mais transparência sobre o que o Congresso efetivamente faz — e pode fazer — pela população.
Parte dessa crise tem origem no cansaço com a
polarização que domina o debate político dentro do Congresso. Enquanto
parlamentares se envolvem em disputas contínuas entre blocos e discursos, a
população enfrenta o aumento do custo de vida, falhas na prestação de serviços
e a percepção crescente de abandono. O contraste entre o tom do debate
institucional e as urgências do cotidiano alimenta a sensação de que o
Legislativo está distante da realidade.
Além disso, há invisibilidade em relação aos
temas que mais afetam a vida das pessoas. Muitas decisões relevantes — como a
construção de marcos legais, o debate de reformas estruturantes ou o
acompanhamento da execução de políticas públicas — seguem fora do radar do
cotidiano da população. Sem informação clara, sem acompanhamento ativo e
contínuo, essas iniciativas deixam de ser percebidas, mesmo quando resultam de
trabalho técnico qualificado e negociações políticas extenuantes.
A crítica à atuação parlamentar é legítima e
necessária. Mas é urgente romper o ciclo vicioso em que os representantes se
enfrentam, o público se desilude e, diante da frustração, opta pelo
distanciamento em vez do engajamento. Superar essa lógica exige o envolvimento
ativo de todos os atores da democracia.
Assistir ao enfraquecimento do Legislativo
não nos aproxima de uma política melhor. Ao contrário, nos aproxima de um
modelo menos plural, menos transparente e mais vulnerável a retrocessos.
Recuperar a confiança no Congresso exige menos desvalorização e mais
qualificação.
Isso passa, entre outras coisas, por promover
uma cultura de planejamento e foco dentro dos mandatos. É fundamental estimular
práticas como a definição clara de prioridades, o uso de instrumentos de
avaliação e a coerência entre o que se promete na campanha e o que se entrega
no exercício do mandato. Esses são alguns dos elementos identificados na
Legisla Brasil na construção do projeto Gabinetes de Impacto Positivo. A
iniciativa sistematiza referências práticas e oferece indicadores objetivos que
ajudam os mandatos a estruturar sua atuação com mais direção, responsabilidade
e impacto.
O que deve nos mover é o compromisso com o
fortalecimento das instituições e com uma democracia que sirva a todos. Isso
exige de parlamentares mais escuta e mais prestação de contas; dos partidos,
mais responsabilidade programática; da sociedade civil, mais engajamento
construtivo; e da imprensa, menos criminalização da política e mais foco nos
avanços conquistados na arte do possível.
Um Congresso forte, transparente e eficiente
não é só desejável, como possível e urgente. É uma condição para que a
democracia funcione como deve: com equilíbrio entre os Poderes, com
representação real da diversidade do país e com capacidade de responder aos
desafios do presente e do futuro.
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