- Estado de S. Paulo
A campanha presidencial será muitas coisas, menos serena e previsível. Nem é por causa dos #ParadisePapers da vida que, vira e mexe, tiram o sono de candidatos. O principal criadouro de incertezas é a judicialização da eleição. Líderes das pesquisas, Lula e Bolsonaro logo serão julgados por “campanha antecipada”. São os primeiros de muitos julgamentos com impacto determinante nas urnas. A despeito da eleição, a política continuará sendo, em 2018 e além, uma derivada da Justiça.
“Campanha antecipada” é jabuticaba eleitoral brasileira. O tipo de dispositivo legal que encena ignorar o óbvio: que todo político está permanentemente em campanha, antes mesmo de ter certeza de que será candidato. Ou as bilionárias emendas ao orçamento transacionadas com parlamentares pelo atual e por todos os governos passados visam o estrito interesse público?
As emendas não são tão cobiçadas à toa. São armas de campanha, tão ou mais poderosas do que o horário eleitoral na TV e no rádio. Com uma diferença fundamental: só estão disponíveis para quem já está lá e faz parte do clube dos eleitos. Por isso, contra elas quase nenhum partido grita “campanha antecipada”.
Do mesmo modo, o prazo determinado e cada vez mais curto para a campanha eleitoral “oficial” beneficia quem já tem cargo eletivo, já é conhecido e possui eleitorado cativo. Campanhas longas favoreceriam a competição, pois dariam tempo de o público se familiarizar com candidatos desconhecidos – ou de descobrir que os nem tão desconhecidos assim são candidatos.
É falacioso o argumento de que campanhas curtas são mais baratas. Os bilhões liberados em emendas nos últimos meses provam o contrário. Mas não é só isso. As estruturas financiadas com dinheiro público para deputados e senadores manterem escritórios nos seus redutos eleitorais são campanha mais do que antecipada: são comitês eleitorais permanentes. O mesmo vale para as estruturas de comunicação de seus gabinetes.
Nos últimos tempos, as mídias sociais tornaram o conceito de campanha antecipada ainda mais cínico. A quase totalidade dos parlamentares têm conta própria e terceirizada no Facebook, Twitter, Instagram etc. Alguns, de tão viciados nessas plataformas, estão trocando as visitas de fim-de-semana às chamadas bases eleitorais por “lives” – as transmissões de vídeo a vivo pela internet. É parte da campanha virtual sem fim.
Foram vídeos transmitidos via mídias sociais que levaram o Tribunal Superior Eleitoral a julgar Lula e Bolsonaro. O que estará em julgamento não é nada amplo ou profundo. É o detalhe do detalhe. O candidato pode fazer quase tudo, menos pedir voto e dizer que é candidato. Mentir e dizer que não é o que é pode.
O faz-de-conta se torna ainda mais ridículo ao se acompanhar as investigações sobre o quanto a Rússia conseguiu influir nas eleições presidenciais do ano passado nos EUA. Em um dos exemplos mais eloquentes, US$ 250 gastos em “impulsionamentos” no Facebook foram suficientes para os russos insuflarem dois grupos antagônicos a fazerem manifestações de rua ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Resultado: pancadaria generalizada.
No Brasil, isso não parece estar entre as preocupações do Judiciário. Terceiros podem fazer campanha para candidatos – os próprios candidatos não. Quer dizer, podem desde que neguem.
A campanha antecipada não é o único vetor da judicialização eleitoral. O ministro Fux, do ex-Supremo, antecipou seu voto para o julgamento mais importante: contra Lula, condenado, obter registro como candidato. Outros acham que o petista conseguirá, mesmo que sua candidatura venha a ser cassada depois. Seja como for, votos nos tribunais pesarão tanto ou mais que os nas urnas.
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