Por Fernando Taquari | Valor Econômico
SÃO PAULO - Contra as privatizações e o liberalismo econômico. A favor da taxação de grandes fortunas, do controle de capitais voláteis e de uma reforma tributária progressiva com foco na justiça social. Apoio às reivindicações dos trabalhadores. À primeira vista, as ideias parecem tiradas de um programa de governo do Psol. Na realidade, são teses encampadas por um grupo do PSDB que defende uma guinada à esquerda no partido e rechaça a ideia de uma candidatura à Presidência do prefeito paulistano, João Doria (PSDB).
Criado em 2004, o PSDB Esquerda Pra Valer (EPV) apoia as pretensões presidenciais do governador paulista Geraldo Alckmin, que tem ressaltado em discursos a preocupação com o emprego e enfatizado programas de sua gestão voltados para baixa renda. No dia 20 de outubro, Alckmin esteve em um encontro com a tendência interna. "Não tem economia moderna que tenha consumo sem salário ou renda, não existe isso. Temos que ter um foco na inovação e outro na questão social, e aí vem a social-democracia. O 'laissez-faire', o liberalismo completo, é a incivilização. O grande come o pequeno", disse o governador, em vídeo colocado pelo grupo no Facebook.
A distância de Alckmin em relação ao EPV é grande nos temas econômicos. Nos últimos meses, o governador se reuniu com economistas distante da esquerda. Recebeu na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes nomes como Armínio Fraga, Pérsio Árida, Eduardo Giannetti da Fonseca e Joaquim Levy. Com nenhum deles se mostrou refratário às privatizações. Tampouco sinalizou com a implementação de um imposto sobre grandes fortunas ou aumento da taxação sobre herança.
Coordenador do grupo, Fernando Guimarães lembrou da declaração recente do governador no encontro com o grupo, quando disse que o "liberalismo completo é incivilizado". "É uma figura progressista, mas discreta. Sua administração conta com uma série de políticas sociais, inclusive para a comunidade LGBT e outras minorias. Há projetos de habitação popular. Além disso, seu governo fez reforma agrária e teve diálogo permanente com o movimento sem-terra", diz.
Formado em ciências sociais, Guimarães acredita que o grupo reúne hoje cinco mil filiados. "Nosso ideal é fundamentado no conceito do pensador italiano Norberto Bobbio. Para ele, o que distingue a esquerda e a direita é o seu posicionamento perante a ideia de igualdade. Pela ótica da esquerda, as desigualdades têm causas sociais e precisam ser eliminadas, enquanto que para a direita as desigualdades são problemas naturais e inevitáveis", explica.
O coordenador do EPV tem 42 anos e se filiou ao PSDB em 1991 por influência do ex-governador Franco Montoro (1983-1987). O EPV tem como precursor o Movimento 25 de Junho, Esquerda Pra Valer, que reunia alguns tucanos que rejeitavam uma aliança do partido com o então PFL em 1994. Na ocasião, Fernando Henrique Cardoso foi eleito em uma chapa com o pefelista Marco Maciel. O grupo se desfez em 2003.
Integrante do movimento, o deputado estadual Carlos Bezerra Jr. (PSDB) reconhece que o grupo representa uma minoria, mas que ainda pode contribuir com um eventual programa de governo de Alckmin na área social. "Nosso movimento não se mede pelo número de pessoas, mas pelo fluxo de ideias. Não fazemos um debate emocional, mas qualificado", afirma.
O EPV promove encontros mensais e um congresso anual. Entre outras bandeiras consideradas polêmicas no ninho tucano no que se refere às questões sociais, estão a regulamentação do aborto, a descriminalização da maconha, a desmilitarização das policias, transporte intermodal e público totalmente gratuito, ampla reforma agrária e o fim do vestibular e sua troca por um método de "seleção mais isonômico".
Tanto Bezerra quanto Guimarães reconhecem a guinada à direita do PSDB, sobretudo no Congresso. "Setores conservadores, escorados no PSDB, não por serem tucanos, mas sim anti-petistas, tentam direcionar o partido para uma postura liberal conservadora. Aliar-se cegamente a qualquer figura que se oponha ao governo petista não pode ser nossa estratégia", afirma Guimarães. Ele cita Doria neste contexto. "Não tem sentido ele ser filiado ao PSDB para defender uma visão neoliberal", acrescenta o coordenador do EPV, que defende uma aliança com PPS e PSB na eleição presidencial.
Em reação à estratégia de Alckmin para dar um tom mais social à sua imagem, outro grupo intitulado ''Liberdade tucana", que tem entre seus integrantes ex-coordenadores do MBL, usa as redes sociais para criticar o governador. Em uma postagem no Facebook, feita no dia 30 de outubro, o tucano aparece rasgando o terno com uma camiseta do PT por baixo, em uma montagem caseira.
"O governador Geraldo Alckmin, em evento da patética tendência interna petista/tucana 'Esquerda pra Valer' chamou atenção da imprensa por suas declarações populistas e desastrosas durante sua apresentação. O governador do Estado de São Paulo fez uma infeliz explanação sobre a importância de uma alternativa para o liberalismo", diz o texto, que encerra afirmando que o governador se mostra igual a Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. (colaborou César Felício, de São Paulo)
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