Valor Econômico
Donald Trump e projeto de anistia mantêm
aceso risco de ruptura
O ex-presidente
Jair Bolsonaro, mesmo condenado, continua representando uma ameaça
institucional. Sempre representou, desde que se lançou candidato à Presidência
pela primeira vez, na esteira do impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Todas as raízes
da trama golpista julgada no Supremo Tribunal Federal vêm de muito longe. A
acusação avaliada e aceita pela maioria da Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal estabeleceu uma linha temporal com início em julho de 2021 e término em
janeiro de 2023, mas essa piscina é de borda infinita, se confunde com o
horizonte.
A ameaça que Bolsonaro continua a representar está consubstanciada na afirmação da porta-voz do presidente americano Donald Trump, de que os Estados Unidos não teriam receio de usar o seu poderio militar contra o Brasil em defesa do ex-presidente. A agressão ganhou ar oficial minutos depois de estabelecida a condenação, com a postagem do secretário de Estado, Marco Rubio, de que a decisão do Judiciário brasileiro é injusta e de que os Estados Unidos irão “responder”, como se parte fossem.
O risco à democracia persiste também na
sombra de uma crise institucional a caminho, caso o Congresso aprove uma
anistia que, isso parece certo, será declarada inconstitucional pelo Supremo.
Esses dois movimentos, o de Washington e o de Brasília, atuando em comunhão de
desígnios, poderão ser ainda catalisados por agitação nas ruas. Se antes elas
se desenrolavam à porta dos quartéis, hoje desenrolam a bandeira americana.
Ao se enfileirarem para prometerem um indulto
assim que por ventura se sentarem na cadeira presidencial, os governadores que
se pretendem presidenciáveis de direita contratam a permanência da ameaça para
além de 2027. O que tende a acontecer no primeiro ano de uma nova gestão que se
inicia com essa promessa? Reformas econômicas ou uma campanha imediata pela
vindita, ou, quem sabe, por uma nova eleição presidencial, esta com a presença
do proscrito?
O caráter intrinsecamente golpista de Jair
Bolsonaro também não começou em 2021. Essa data foi escolhida pelos acusadores
porque precisavam de um marco zero, e escolheram para esse batismo as primeiras
reuniões e “lives” em que o então presidente acelerou sua campanha para
desacreditar a justiça eleitoral.
Bolsonaro sempre se colocou como um anjo
exterminador, o elemento para destruir o sistema, não para reformá-lo. A via
eleitoral sempre foi uma tática para essa estratégia. O então presidente deixou
esse raciocínio claro em março de 2019, quando pela primeira vez visitou Trump
em Mar-a-Lago.
“O Brasil não é um terreno aberto onde nós
pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir
muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer. Que eu
sirva para que, pelo menos, eu possa ser um ponto de inflexão”, disse o então
recém-empossado presidente na ocasião. Isso foi no dia 18 de março de 2019.
Quatro dias antes teve início o inquérito do Supremo Tribunal Federal sob
relatoria de Alexandre Moraes, a princípio restrito a proteger membros do
Supremo contra campanhas de desinformação. Não é à toa que o projeto de anistia
que tramita no Congresso perdoa atos desde 2019, e não desde 2021, marco zero
adotado no Supremo para a trama golpista.
Mas também seria incorreto situar 2019 como
marco. Bolsonaro surgiu no noticiário em setembro de 1986, em um artigo na
última página da revista Veja, com sua foto em 3 por 4 de farda e com a boina
vermelha de para-quedista. O título era “O salário está baixo”. Vale a pena
rememorar este artigo do então capitão. Ele usou como mote a expulsão de
cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras “por prática do homossexualismo
e uso de drogas (sic)”. E aí deu seu passo de dança — “O motivo de fundo é
outro”, argumentou, para reclamar na sequência da falta de recursos para as
Forças Armadas. Era uma afronta à disciplina do Exército, e Bolsonaro foi
punido com 15 dias de prisão, o que provocou agitação nos quartéis.
No ano seguinte o oficial indisciplinado
voltou a ser notícia, envolvido em uma alucinada conspiração para colocar
bombas em banheiros de instalações militares e em uma adutora de água.
Bolsonaro respondeu a um processo na Justiça Militar. Absolvido em uma
instância por insuficiência de provas, tornou-se um bem-sucedido candidato a
vereador.
Estes fatos tão antigos ganham significado
quando se rememoram as circunstâncias do fim dos anos 80, quando o Brasil
estava em seu primeiro governo civil após o regime militar, em meio a uma
Assembleia Nacional Constituinte que, debaixo de muita pressão, tentava fixar
qual seria o papel das Forças Armadas no novo ordenamento jurídico.
Bolsonaro chegou ao Congresso em 1991
embalado em uma retórica permanente de desqualificação do que à época se
chamava de “Nova República”. Sob o manto da imunidade parlamentar deitou e
rolou: falou em fuzilar o presidente de turno, disse que não pagava impostos,
fez apologia da tortura, disse que a ditadura deveria ter matado 30 mil pessoas
e por aí foi.
A direita antissistema nasceu de
inconformados com o fim do regime militar, mas jamais teria vicejado se a isso
se restringisse. Essa corrente entrou em estado de latência durante dez anos
até a massificação das redes sociais e o surgimento da onda puxada por Olavo de
Carvalho.
Começava a crescer o caudal extremista
embalado pela colônia brasileira nos Estados Unidos, na sintonia da “altright”
que foi tomando conta do Partido Republicano. Outros elementos foram
engrossando esse fluxo, como o fundamentalismo religioso e o sectarismo
político “high tech” de livre pensadores do mercado financeiro. A via eleitoral
seguiu desprezada, mas foi adotada porque ela estava desobstruída depois da
destruição moral exibida ao país pela Operação Lava-Jato. A ruptura, contudo,
jamais foi descartada.
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