Valor Econômico
Tarcísio fica a reboque do bolsonarismo sem
garantia de apoio
O pastor Silas Malafaia masca chiclete enquanto reza o Pai Nosso e se coloca como o porta-voz do único mote que restou ao bolsonarismo depois daquela bandeira americana estendida em frente ao Masp no dia da pátria, a religião. No seu discurso, o presidente disse que, sem soberania, o Brasil volta a ser colônia. É uma obviedade que, ante a bandeira da Paulista, virou ativo. Se ainda se apostava na polarização com o governador Tarcísio de Freitas, o domingo na avenida mostrou que não há alternativa a Bolsonaro. Sua voz é Silas Malafaia, o pastor boca suja que representa mais o ex-presidente do que a unidade evangélica.
Malafaia parece ter gostado do vazamento dos
áudios em que se dirige ao ex-presidente com palavrões e xinga seu filho. No
domingo usou a expressão “Escolinha do tio Silas”, para se referir, com ironia,
à sua ascendência sobre a tríade Jair
Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o jornalista
foragido Paulo Figueiredo.
Faltou matricular o governador paulista. Ante um Tarcísio silente e balançando
a cabeça em aprovação, disse que apenas a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e os
três filhos podem falar em nome do ex-presidente. Tarcísio se enroscou. Ficou
difícil explicar para seu eleitor centrista por que não confia na Justiça e
adjetiva o ministro Alexandre
de Moraes (“tirano”) ainda mais que Bolsonaro (“canalha”).
Por outro lado, também são explícitas as dificuldades em se fazer confiável
para o bolsonarismo que reza pela cartilha de tio Silas.
Depois de Malafaia ter dito que costumava
mandar seus vídeos para quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (“eles
estão prevaricando?”), o ministro Gilmar
Mendes fez publicação nas redes sociais rejeitando a
“ditadura da toga” e a “tirania” e relembrando o conjunto da obra, das vacinas
negligenciadas à tentativa de golpe. Malafaia terminou o libelo acusatório
vitimizando-se pela apreensão de cadernos com “anotações bíblicas”. Tascou que
a perseguição não era apenas política, mas religiosa.
O destemido pastor da Assembleia de Deus
terminou seu discurso às lágrimas. E mascando chiclete. Foi a deixa para
Michelle, que o seguiu no apelo religioso de costume, emendar no choro até
colocar, sob o microfone, o som do marido relinchando, que disse ter sido
tirado da internet. “Esse é Bolsonaro”, disse, rindo. A ex-primeira-dama é
aluna antiga na escolinha. Disse que tem sua liberdade religiosa cerceada
porque precisa sair para frequentar cultos religiosos que costumava promover em
casa - transformada na prisão domiciliar de Bolsonaro.
Michelle não foi a única a se valer de
gravações de Bolsonaro. Aquilo que a mensagem de Gilmar Mendes resumiu como o
conjunto da obra do bolsonarismo, o palanque do ato no Rio exibiu como
chamariz. Os discursos foram entremeados com gravações de algumas das falas
mais polêmicas de Bolsonaro, inclusive aquela de outro 7 de setembro de 2021:
“Não vai poder trabalhar? Se morrer alguém, f...-se”; “Mataram 60 mil? Queria
que matasse 200 mil vagabundos”; “Lógico que atirou com intenção de matar,
p..., tá com fuzil na mão, é pra fazer carinho?”.
O 7 de Setembro bolsonarista teve público
considerável. Tanto em São Paulo quanto no Rio reuniu cerca de 42 mil pessoas,
quase cinco vezes mais do que aquele do “Grito dos Excluídos” paulista,
tradicional manifestação da esquerda da data que acontece em várias capitais. A
marca, maior do que a do ano passado na mesma data, sugere que o apelo pela
anistia surtiu efeito. Apesar das abundantes alusões a Moraes, como cartazes
reproduzindo um cartão de crédito da bandeira “Magnitsky” com seu rosto, a
banca do “espetinho Bolsonaro, sabor Magnitsky”, e as faixas pela anistia
(“enquanto houver um patriota preso eu não serei livre”), não havia dúvida de
que o bolsonarismo já virou a página do julgamento e pulou direto para a
eleição de 2026. “Todo mundo já sabe o que vai acontecer esta semana no STF”,
disse o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) em Copacabana, ante uma multidão que
denominou de “tropa de elite”, numa saudação à plateia à paisana.
Ficou tão evidente
que a eleição invadiu o dia da pátria que os governadores do Distrito
Federal, Ibaneis Rocha, e do Rio, Cláudio Castro, não compareceram
aos respectivos desfiles militares. O primeiro ausentou-se da cerimônia em
que o presidente da República reuniu o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB),
que compareceu com a esposa e os filhos, além de 17 ministros, inclusive
aqueles do PP (André
Fufuca) e do União (Celso
Sabino) que foram intimados a deixar o governo. Já o segundo
deixou aquele conduzido pelo Comando Militar do Leste no centro do Rio para
subir ao palanque de Copacabana.
Se, em Brasília, o governismo encheu a
plateia de bonés “Brasil soberano”, o público do Rio valeu-se daqueles
patrocinados por bets. A transmissão da “Gazeta do Povo” mostrou moças com o
adereço em verde e amarelo patrocinado pela “hiperbet”. No Rio, o locutor
perguntava a todo momento: “Quem aqui tem medo do Xandão”?
Esfuziante, Eduardo Bolsonaro publicou
a foto da bandeira em agradecimento a Trump. As bandeiras americanas espalhadas
mostraram que a destemida multidão o ecoou. Num cartaz, se lia: “Free
Bolsonaro, thank you Trump”. À jornalista Mônica Bergamo, Malafaia disse ter
discordado da bandeira. No ato, porém, não deu um pio. Ganhar eleitor com um
apelo e seu contrário não é coisa que se aprenda na escola.
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