quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

A inflação como risco para 2021 – Opinião | O Estado de S. Paulo

As confusões do governo e as incertezas sobre as contas públicas têm sido fatores de instabilidade

 Puxada pelos preços da comida, impulsionada pelo custo dos combustíveis e aquecida pelas confusões do governo, a inflação atingiu em novembro a taxa de 0,89%, a maior para o mês em cinco anos. Superou a previsão mais pessimista, de 0,85%, coletada no mercado pela Agência Estado. O primeiro impacto da pandemia, seguido pelo distanciamento social, anulou as pressões inflacionárias por três meses. A partir de junho, com a reação do consumo, os preços no varejo voltaram a subir, a princípio lentamente. Em seguida ganharam velocidade e aumentaram 0,64% em setembro e 0,86% em outubro, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

São taxas incompatíveis com as metas e com os padrões vigentes no Brasil há alguns anos. Uma alta de preços de 0,64% em 30 dias pode parecer pequena ao observador menos informado. É um enorme engano. Acumulada em 12 meses, essa taxa resultaria numa inflação de 7,96%, uma enormidade em qualquer economia razoavelmente organizada.

O Brasil talvez esteja longe de um problema desse tamanho, mas ninguém deve desprezar o risco de um desarranjo nos preços. Se a inflação de outubro, de 0,86%, se repetir em dezembro, a meta oficial de 4%, válida em 2020, será ligeiramente superada, com um resultado efetivo de 4,02%. Acima e abaixo da meta há um espaço de tolerância de 1,5 ponto porcentual, mas a questão mais importante, neste momento, vai muito além desse detalhe.

A inflação acelerou-se desde junho, com um recuo registrado só em agosto, e é razoável perguntar se os números crescentes indicam uma tendência. No mercado, a mediana das projeções passou a apontar uma inflação de 4,21% em agosto, segundo a pesquisa Focus divulgada ontem pelo Banco Central (BC). Quatro semanas antes essa mediana correspondia a 3,20%.

Com a piora das expectativas, mais economistas passaram a apostar num resultado final, em 2020, acima do chamado centro da meta. Mas a pesquisa mostra – e este é um dado positivo – a esperança de uma acomodação no próximo ano, com o IPCA subindo 3,34%. Mas esse número ainda é superior ao de quatro semanas antes (3,17%).

As expectativas são importantes para a determinação dos juros. Por isso, afetam o financiamento da dívida pública, a saúde das contas de governo e o crédito para as famílias e para as empresas. Afetam, portanto, as possibilidades e o ritmo de recuperação da economia nacional e da criação de empregos.

A aceleração da inflação, muito clara nos últimos meses, levou os economistas do mercado a piorar as projeções para o ano, admitindo até uma superação da meta oficial. Também as projeções para 2021 foram contaminadas, mas com a projeção mediana ainda abaixo da nova meta, de 3,75%. Mas também essa projeção poderá mudar, se os preços continuarem fora dos padrões aceitáveis para o Brasil.

A inflação acumulada no ano, até novembro, chegou a 3,13%. Em 12 meses bateu em 4,31%, taxa superior à meta para o período de janeiro a dezembro. Se tudo correr bem, o balanço final será melhor, embora ainda haja fortes pressões.

Com os consumidores cautelosos, só uma pequena parcela dos aumentos no atacado tem sido repassada ao varejo. Mas o repasse tem afetado de modo sensível os preços finais. Os mais prejudicados têm sido os consumidores de menor renda, porque a alimentação tem maior peso em seu orçamento. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado no consumo de famílias com renda salarial de um a cinco salários mínimos, subiu 0,95% em novembro, 3,93% no ano e 5,20% em 12 meses.

Mas o encarecimento da comida é só a face mais ostensiva da inflação. Outros preços também têm subido, e isso inclui os monitorados, como os da gasolina, do gás de botijão e da água e esgoto. O custo da alimentação tem sido em parte influenciado pelo mercado externo, mas a cotação do dólar, muito alta na maior parte do ano, também tem afetado os preços. As confusões do governo e as incertezas sobre as contas públicas em 2021 têm sido importantes fatores de instabilidade cambial e, portanto, de inflação.

Descaso com a saúde pública – Opinião | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro está cada vez mais convicto de que a saúde pública não lhe diz respeito

Em seus 30 anos de história, o Sistema Único de Saúde (SUS) jamais foi tão desafiado como em 2020. De um lado, pela necessidade de cuidar da saúde de milhões de brasileiros em meio à maior emergência sanitária que se abateu sobre o País desde a gripe espanhola de 1918-1919. De outro lado, por um governo que parece desvalorizar o sistema de saúde universal e gratuito como uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade brasileira e, por ação ou omissão, enfraquece a prestação dos inestimáveis serviços do SUS aos mais desvalidos.

O SUS respondeu bem ao primeiro desafio. Não foram poucos os editoriais publicados nesta página mostrando o quão importante foi o desempenho do SUS para evitar que hoje o País pranteasse muito mais do que seus mais de 177 mil mortos em decorrência da covid-19.

Quanto ao segundo desafio, só o tempo vai dizer. Uma declaração do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, o terceiro titular da pasta no curso da pandemia, ficará marcada como um dos mais bem acabados retratos do descaso do governo de Jair Bolsonaro pela saúde pública. “Eu não sabia nem o que era o SUS (antes de assumir o Ministério da Saúde)”, disse o general intendente no início de outubro.

Esse descaso do governo de Jair Bolsonaro pela saúde pública vai muito além da tibieza com que o Ministério da Saúde tem lidado com a campanha nacional de vacinação contra o novo coronavírus. Ele se manifesta em decisões governamentais, ou na falta delas, que impactam diretamente a qualidade dos serviços prestados a todos os que acorrem ao SUS para cuidar da saúde. Um exemplo recente ilustra bem os danos causados por essa administração que flerta com a crueldade.

No dia 7 de outubro, faltando apenas um mês para expirar o contrato do Ministério da Saúde com o laboratório responsável pelos exames de genotipagem dos vírus da aids e das hepatites virais, a pasta deu início ao pregão para escolher o novo fornecedor do serviço. Em prazo tão exíguo, é evidente que a licitação não foi concluída até o final de novembro, quando venceu o atual contrato, e os serviços prestados pelo laboratório até então contratado foram suspensos.

Em nota distribuída aos serviços de saúde no dia 3 passado, a pasta afirmou que realizará os testes de genotipagem apenas em crianças com menos de 12 anos e gestantes portadoras do vírus HIV. Já os pacientes acometidos por hepatite C devem receber os medicamentos que dispensam a genotipagem até que novo contrato seja firmado.

O exame de genotipagem é fundamental para determinar que tipo de tratamento deve ser realizado para cada tipo de vírus. Em última análise, a precisa combinação entre patógenos e medicamentos é altamente benéfica aos pacientes, que passam a ter uma chance de sucesso muito maior em seus tratamentos, e também ao erário, na medida em que tratamentos mais assertivos aliviam a pressão sobre o SUS. Na rede privada, um exame de genotipagem do vírus da aids custa, em média, R$ 2,3 mil. Das hepatites virais, R$ 1,5 mil.

A boa gestão de um contrato é o mínimo que se espera de um ministro da Saúde. De um com histórico de experiência em desafios logísticos, mais ainda. O que pode explicar a demora para licitar um novo contrato faltando tão pouco tempo para expirar o anterior? Está prevista a realização de novo certame nesta semana. Se houver vencedor, a pasta prevê a retomada dos exames em janeiro.

Como deputado federal, é bom lembrar, Jair Bolsonaro sempre criticou o custeio dos tratamentos para a aids e as hepatites virais pelo SUS. A um programa de TV, em 2010, o presidente chegou a dizer que essas doenças eram “problemas deles (dos pacientes)”. Dez anos se passaram e não se pode dizer que Bolsonaro tenha sido tocado pela compaixão ou tenha moldado sua atuação em virtude da alta posição que ora ocupa. Bem ao contrário. O presidente da República parece cada vez mais convicto de que a saúde dos brasileiros não é algo que lhe diga respeito.

Inquéritos que não terminam – Opinião | O Estado de S. Paulo

Diligência ao investigar não é só uma atitude recomendável, mas um imperativo legal

No dia 24 de abril, ao pedir demissão do Ministério da Justiça, Sérgio Moro denunciou reiteradas tentativas de interferência política na Polícia Federal (PF) por parte do presidente Jair Bolsonaro. No mesmo dia, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de inquérito para apurar as declarações de Sérgio Moro, em concreto, eventuais ocorrências de crimes de falsidade ideológica, coação no curso de processo, advocacia administrativa, prevaricação e obstrução de justiça.

O Supremo logo abriu o inquérito, com relatoria a cargo do ministro Celso de Mello. No entanto, depois de quase oito meses, ainda não há previsão para o término da investigação. Tão deletério quanto não apurar indícios de crimes é não concluir as investigações. O Estado deve ser diligente tanto para iniciar uma investigação como para terminá-la. Só assim é possível impedir que eventuais crimes praticados fiquem impunes e que suspeitas infundadas manchem a honra de inocentes.

A diligência ao investigar não é apenas uma atitude recomendável, mas um imperativo legal. O Código de Processo Penal estabelece que “o inquérito deverá terminar no prazo de dez dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela”.

A conclusão do Inquérito 4.831 reveste-se de especial relevância tendo em vista que a suspeita da prática de crimes recai sobre o presidente da República. Não é bom para o País que haja, por tanto tempo, dúvidas a respeito do chefe do Executivo federal em temas fundamentais num Estado Democrático de Direito – principalmente a submissão da Polícia Federal a pressões políticas. Sérgio Moro revelou o assunto em fins de abril e até hoje as autoridades competentes não emitiram um parecer sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro.

Desde setembro, o Inquérito 4.831 está enredado na discussão sobre a forma do depoimento do presidente da República. Intimado para depor presencialmente nos dias 21, 22 ou 23 de setembro, Jair Bolsonaro pediu ao Supremo, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), que lhe fosse concedido o direito de prestar depoimento por escrito.

Em seu voto, o ministro Celso de Mello negou o pedido da AGU, sob o fundamento de que a lei confere a prerrogativa do depoimento por escrito apenas a autoridades na condição de testemunhas. O inquérito investiga a conduta de Jair Bolsonaro. Assim, a concessão dessa prerrogativa feriria o princípio da igualdade de todos perante a lei. Esse foi o último voto do então decano do Supremo, antes de se aposentar no dia 13 de outubro. Depois, o ministro Alexandre de Moraes foi sorteado novo relator do inquérito.

No final de novembro, antes que o plenário do Supremo decidisse sobre a forma do depoimento presidencial, a AGU informou que o presidente Jair Bolsonaro desistia de prestar depoimento. Ante essa manifestação, o ministro Alexandre de Moraes determinou, no dia 5 de dezembro, que o investigado não pode deixar de ser submetido ao interrogatório policial, ainda que decida permanecer em silêncio. Segundo o novo relator do inquérito, as garantias constitucionais relativas ao direito ao silêncio e a não autoincriminação não significam permissão para se “recusar prévia e genericamente a participar de atos procedimentais ou processuais futuros”.

Na decisão, Alexandre de Moraes solicitou ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, a inclusão urgente na pauta do julgamento, em plenário, sobre a forma do interrogatório de Jair Bolsonaro. O Inquérito 4.831 está prestes a completar oito meses. Destes, está quase parado há três meses à espera de que se decida se o depoimento deve ser presencial ou por escrito. Se existe essa demora em inquérito envolvendo o presidente da República, o que dizer das outras investigações? A Justiça precisa ser muito mais ágil, muito mais efetiva.

Alta da inflação reduz prazo do governo para aprovar reformas – Opinião | O Globo

Elevação de preços poderá ser contida se o Planalto mostrar que não perderá controle dos gastos

A inflação de novembro, divulgada ontem pelo IBGE, confirma os temores de um novo ciclo de alta nos preços, com a economia ainda em recuperação de efeitos da Covid-19, alto desemprego e falta de confiança na vontade política do governo para tomar as medidas que a situação exige. O IPCA de 0,89% é a taxa mais alta para o mês de novembro desde 2015, acima do 0,86% de outubro, confirmando a tendência de alta desde o 0,24% de agosto.

Também é preocupante a previsão de que a inflação persistirá em alta. O último Relatório Focus, editado pelo Banco Central com projeções dos principais departamentos de análises do sistema financeiro, trouxe uma estimativa do IPCA para este ano de 4,21%, acima do centro da meta, 4%. Para o ano que vem, quando o objetivo será de 3,75%, economistas preveem que o IPCA ficará acima disso durante um bom tempo. Poderá até encerrar o ano perto de 4%, mas ficará além da meta.

Por trás dessa inflação, estão a subida do dólar, a alta de preços de mercadorias no mercado internacional, o reajuste de tarifas públicas e o efeito de uma demanda mais alta e crescente por serviços, que regredira durante a pandemia. A alta nos preços dos alimentos, de 12,1%, foi a maior desde 2002 — e pune sobretudo os mais pobres.

A inflação deveria despertar todos os alarmes no Planalto. O governo deverá ser obrigado a rever a manutenção dos juros no patamar historicamente baixo em que estão (2%), porque a retomada mais intensa da atividade econômica, resultado do arrefecimento provável da pandemia, acabará por aumentar ainda mais a pressão da demanda e, por tabela, também os preços.

A raiz da pressão inflacionária, contudo, não está na conjuntura. Trata-se de um problema estrutural conhecido: o desequilíbrio fiscal crônico do Estado, que desperta desconfiança do mercado na capacidade de o governo honrar suas dívidas. Não bastasse a inflação já garantir mais despesas por indexar benefícios previdenciários e assistenciais, essa desconfiança só aumentou com a informação de que o relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), previa R$ 35 bilhões por fora do teto de gastos para gastar em obras de interesse do governo.

Não se espera mais uma explosão hiperinflacionária como no passado. Mas o país tem um prazo curtíssimo, não mais que um ou dois anos, para demonstrar capacidade de resgatar superávits e recolocar a dívida pública em trajetória descendente. Do contrário, a pressão sobre os juros se tornará insuportável, com efeitos negativos sobre o crescimento e consequências sociais nefastas. É por isso que as reformas tributária e administrativa são tão importantes e, diante do risco inflacionário, ainda mais urgentes.

‘Corrida maluca’ das vacinas não faz sentido algum – Opinião | O Globo

É essencial uma estratégia nacional para imunizar a população de modo rápido e justo contra a Covid-19

A romaria de governadores a Brasília, em busca de uma estratégia nacional de vacinação contra Covid-19, tem razão de ser. A pandemia chegou a um ponto crítico. Cientistas alertam para a sincronização da alta de casos e mortes em vários estados. Já é visível, em cidades como o Rio, o risco de colapso no sistema de saúde. Enquanto isso, a população deposita esperanças numa vacina que, até o momento, não está pronta.

Espalha-se pelo Brasil aquilo que o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, descreveu apropriadamente como uma “corrida maluca”. Cada estado ou município tenta se garantir com a vacina que estiver a seu alcance. O governador paulista, João Doria, apressou-se em anunciar o início da vacinação em São Paulo para janeiro, sem haver ainda resultado preliminar sobre a chinesa CoronaVac, testada em parceria com o Instituto Butantan. Persistem ainda dúvidas de ordem científica, logística e jurídica sobre essa vacina.

Ainda que ela receba sinal verde da Anvisa, haverá na primeira fase apenas 18 milhões de doses (das 46 milhões previstas) para imunizar populações sob maior risco no estado de São Paulo, além de outras 4 milhões para o resto do Brasil. Daria para vacinar 11 milhões de pessoas. É muito pouco para a necessidade brasileira. Na conta do Ministério da Saúde, seriam necessárias 420 milhões de doses ao todo, daí a importância de apostar na maior variedade possível de opções.

Só que o Ministério da Saúde desdenha a vacina chinesa por um capricho ideológico do presidente Jair Bolsonaro. Apostou todas as fichas na da AstraZeneca, que começará a ser produzida em janeiro pela Fiocruz. Depois do atraso provocado por um erro na última fase de testes, ela foi chancelada ontem pela revista médica “The Lancet”. O ministro Eduardo Pazuello anunciou que estará disponível no fim de fevereiro. Não sem antes ter partido para outro lance de marketing: tentar garantir 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que traz desafios logísticos imensos num país como o Brasil.

Nem é preciso investigar quantos “superfreezers” de R$ 100 mil seriam necessários para conservá-la abaixo de 70 oC negativos. A discussão aqui é mais primária: não há plano para comprar e distribuir agulhas e seringas. Até o início da semana, os fabricantes nacionais não haviam recebido pedido do governo para as 300 milhões previstas, cuja produção leva entre 60 e 90 dias.

Nada há de errado na tentativa, ainda que tardia, de ampliar as opções ao alcance do país. Ao contrário. Mas o que se vê, na falta de estratégia, é um salve-se quem puder. Governadores e prefeitos partem para iniciativas isoladas, sem coordenação nacional, essencial em campanhas de vacinação. O Observatório Covid-19, iniciativa de pesquisadores independentes, resumiu com perfeição a situação do plano de vacinação do governo: “São marcantes a falta de ambição, de senso de urgência e de comprometimento em oferecer à população um plano competente, factível, que contemple as diversas vacinas em teste, com transparência e em articulação com estados e municípios”.

A corrida da vacina – Opinião | Folha de S. Paulo

Se politização do imunizante é irreversível, que ao menos promova celeridade

A disputa política em torno da vacina contra a Covid-19, que antagoniza o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vai mostrando lances cada vez mais explícitos.

Na segunda-feira (7), o tucano apresentou um plano com datas e números para a inoculação da Coronavac, o imunizante chinês que será formulado e, depois, produzido no Instituto Butantan.

Enquanto isso, no Palácio do Planalto, o presidente conclamava uma claque para prestigiar a exposição do terno que usou em sua posse, assim como o vestido da primeira-dama na ocasião.

Seria apenas patético, digno de um ditador personalista da Ásia Central, não fosse o fato de que no mesmo dia estivesse o Brasil com a maior média móvel de óbitos por Covid-19 desde outubro.

O contraste na abordagem da pandemia ocorre desde os seus primórdios, quando a doença era chamada de “gripezinha” por Bolsonaro —que agora parece atentar-se para as possíveis consequências eleitorais de seu desdém.

O presidente vê Doria como um adversário perigoso em 2022. O governador tucano, por sua vez, não esconde sua pretensão presidencial. Em entrevista à Folha, nomeou o combate à pandemia como um ativo eleitoral óbvio.

Se tal politização, de lado a lado, é incontornável, resta esperar que ela sirva para trazer mais transparência e celeridade ao processo de encontrar um imunizante seguro e eficaz para a população.

Mesmo que tenha adicionado teatralidade desnecessária ao anúncio de seu plano, Doria dificilmente pode ser criticado por ter apresentado uma escala de imunização e providências logísticas. Se a vacina se mostrar ineficaz, não terá sido aquele o problema.

Até aqui, Bolsonaro jogou contra, com seu intendente à frente da Saúde postergando decisões.

Eduardo Pazuello, em encontro com governadores nesta terça, fugiu de responder por que o imunizante chinês não recebeu anúncio ou aceno de investimento federal apesar de estar no mesmo estado regulatório brasileiro dos dois que receberam (AstraZeneca e Pfizer).

Ainda arvorou-se a chefe da Anvisa, o que não é e onde já está instalado um presidente bolsonarista, discorrendo sobre prazos dilatados para aprovação de vacinas.

Espera-se agora uma análise técnica e rápida, como a emergência cobra, se o imunizante for eficaz.
Há alguns sinais positivos, contudo. Sob a pressão, o governo federal mudou o tom —admitiu comprar mais vacinas da Pfizer e chamou governadores para conversar.

Por fim, Bolsonaro se dignou a prometer imunizante para todos. Pode ser balela, mas é melhor do que promover seu alfaiate.

Oásis na metrópole – Opinião | Folha de S. Paulo

Cumpre preservar o Jardim Alfomares, bastião de mata atlântica na selva de SP

Basta contemplar imagens aéreas do Jardim Alfomares, encravado num bairro residencial da zona sul de São Paulo, para se dar conta do valor paisagístico desse remanescente de mata atlântica. Toda e qualquer autoridade urbana esclarecida no mundo lutaria com afinco para preservar o parque.

São 63 mil metros quadrados de verde rodeados por denso casario. Apesar de ecologicamente diminuto, o fragmento de vegetação natural se mantém como refúgio de mais de uma centena de aves e até uma espécie de palmeira ameaçada (Euterpe edulis) pela extração desenfreada de palmito-juçara.

Trata-se de patrimônio histórico, se mais não fosse por guardar testemunho da exuberante floresta tropical que já cobriu os domínios da metrópole e quase toda a faixa litorânea do país —hoje o bioma brasileiro mais destruído.

Segundo o Atlas da Mata Atlântica, apenas 12,4% de sua extensão original resistiram a cinco séculos de devastação no Brasil.

O Jardim Alfomares constituía, ainda, um bem arquitetônico significativo, que sucumbiu à dinâmica imobiliária. Havia na chácara casa projetada por Oswaldo Bratke e adornada com jardins de Burle Marx, conjunto demolido em 2002.

O enclave verde foi vendido por uma herdeira do empresário Alfonso Martín Escudero, de cujo nome se formou o acrônimo que denomina o jardim. No terreno se construiriam casas de alto padrão, com doação de um terço da área de vegetação para o município.

Movimentos de moradores da região defendem há duas décadas a preservação. O Ministério Público também questionou o parcelamento do terreno em lotes e a ausência de estudos de impacto ambiental.

Houve decisões judiciais favoráveis à incorporadora, e frustrou-se a tentativa de obter tombamento pelo Condephaat, órgão estadual. Entra agora na contenda o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp).

Por unanimidade, os conselheiros decidiram abrir um processo de tombamento em atenção a “valores históricos-culturais que interligam os aspectos ambientais, a qualidade de vida da população nesse local, com reflexos para a cidade como um todo”. Paralisam-se, por ora, as intervenções no imóvel.

Espera-se do Conpresp o reconhecimento do valor inestimável da fortaleza natural que resiste, contra todas as probabilidades, à marcha batida do concreto.

PIB per capita retorna ao nível da década passada – Opinião | Valor Econômico

Somente em 2030, o PIB per capita vai se igualar ao de 2013

Festejada, a recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre ajudou a reduzir as previsões de tombo no ano. Mas pouco aliviou a situação da população quando se fala em PIB per capita. A perspectiva é que esse indicador, calculado pela divisão do PIB pelo número de habitantes, vai fechar o ano no menor patamar desde 2009.

Antes da pandemia do novo coronavírus, esperava-se que o PIB per capita se consolidasse neste ano ao redor de R$ 35 mil, o que seria o melhor resultado desde 2015, segundo projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Naquele ano, o país passava por uma recessão, iniciada no fim de 2014 e que se estendeu até 2016, período em que a queda acumulada do PIB per capita ficou perto de 9%. Nos três anos seguintes, o fraco crescimento do PIB praticamente empatou com a expansão da população.

Com a retração econômica causada pela pandemia, no entanto, as previsões mais otimistas jogaram o PIB per capita para pouco acima de R$ 33 mil no fim deste ano, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) - ou seja, de volta ao patamar do fim da primeira década do século.

Se esta estimativa se confirmar, a queda do PIB per capita será de 5,4% neste ano, mais acentuada do que a do próprio PIB, calculada em cerca de 4,5%. Pesquisa Focus divulgada ontem apontava encolhimento de 4,4% da economia. Será também o maior recuo de todos os tempos do PIB per capita, depois dos 6,3% registrados em 1980.

Da mesma forma, a recuperação do PIB per capita deve ser mais lenta do que a da economia. Enquanto se espera que o crescimento do PIB fique ao redor de 3,5% no próximo ano, a perspectiva é de que o PIB per capita aumente pouco mais de 2,5% e volte ao patamar de 2019 apenas em 2022 ou 2023.

Pior do que isso é a previsão de que vai levar ainda uma década para se voltar ao melhor patamar de todos os tempos. Ou seja, somente em 2030, o PIB per capita vai se igualar ao que foi registrado em 2013, quanto estava ao redor de R$ 37,5 mil a preços constantes de 2019, calculados pelo Ipea.

Todas essas previsões, porém, levam em conta que os ventos favoráveis ajudem a economia e tudo saia certo, o que é altamente improvável. A começar já por este último trimestre do ano, que deve apresentar crescimento bem menor do que no terceiro, e pelas incertezas esperadas para 2021.

Uma das principais ameaças é a provável segunda onda da covid-19, que já afeta países europeus e os Estados Unidos, que estão bem mais perto do que nós da vacinação. O plano brasileiro de imunização é outra incerteza importante uma vez que não está claro quando vai começar nem qual será sua abrangência. O governo federal parece patinar nesse campo.

Além das questões sanitárias, há muitas incertezas na economia. O término a partir deste mês do auxílio emergencial deverá ter impacto importante. Depois de ter beneficiado cerca de 65 milhões de brasileiros, socorrendo principalmente trabalhadores informais e ajudando a sustentar o PIB, o auxílio emergencial foi reduzido de R$ 600 para R$ 300 em setembro, e deve terminar neste ano. O simples corte do auxílio emergencial e a perspectiva de seu término já aumentou em cerca de 1 milhão o número dos que pleiteiam entrar para o Bolsa Família, composta por 14,28 milhões de famílias (Valor, 4/12). Acredita-se que a fila vai aumentar ainda mais.

O governo já levantou a possibilidade de ampliar o Bolsa Família ou criar um novo programa social, de olho inclusive nos dividendos políticos da medida. Mas não consegue articular uma fonte de financiamento. De modo que a proposta não vai em frente. Enquanto isso, o desemprego supera os 14% segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e tende a crescer mais com o fim do auxílio emergencial.

Não parece também claro que o governo vai conseguir aprovar a agenda de reformas, como a tributária, a administrativa, consideradas importantes para alavancar a economia, melhorando a competitividade das empresas. Há, ainda, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que regulamentará os gatilhos em caso de descumprimento do teto de gastos; a dos Fundos Públicos, do Pacto Federativo e, mesmo, o Orçamento da União para 2021.

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