As
confusões do governo e as incertezas sobre as contas públicas têm sido fatores
de instabilidade
São
taxas incompatíveis com as metas e com os padrões vigentes no Brasil há alguns
anos. Uma alta de preços de 0,64% em 30 dias pode parecer pequena ao observador
menos informado. É um enorme engano. Acumulada em 12 meses, essa taxa
resultaria numa inflação de 7,96%, uma enormidade em qualquer economia
razoavelmente organizada.
O
Brasil talvez esteja longe de um problema desse tamanho, mas ninguém deve
desprezar o risco de um desarranjo nos preços. Se a inflação de outubro, de
0,86%, se repetir em dezembro, a meta oficial de 4%, válida em 2020, será
ligeiramente superada, com um resultado efetivo de 4,02%. Acima e abaixo da
meta há um espaço de tolerância de 1,5 ponto porcentual, mas a questão mais
importante, neste momento, vai muito além desse detalhe.
A inflação acelerou-se desde junho, com um recuo registrado só em agosto, e é razoável perguntar se os números crescentes indicam uma tendência. No mercado, a mediana das projeções passou a apontar uma inflação de 4,21% em agosto, segundo a pesquisa Focus divulgada ontem pelo Banco Central (BC). Quatro semanas antes essa mediana correspondia a 3,20%.
Com
a piora das expectativas, mais economistas passaram a apostar num resultado
final, em 2020, acima do chamado centro da meta. Mas a pesquisa mostra – e este
é um dado positivo – a esperança de uma acomodação no próximo ano, com o IPCA
subindo 3,34%. Mas esse número ainda é superior ao de quatro semanas antes
(3,17%).
As
expectativas são importantes para a determinação dos juros. Por isso, afetam o
financiamento da dívida pública, a saúde das contas de governo e o crédito para
as famílias e para as empresas. Afetam, portanto, as possibilidades e o ritmo
de recuperação da economia nacional e da criação de empregos.
A
aceleração da inflação, muito clara nos últimos meses, levou os economistas do
mercado a piorar as projeções para o ano, admitindo até uma superação da meta
oficial. Também as projeções para 2021 foram contaminadas, mas com a projeção
mediana ainda abaixo da nova meta, de 3,75%. Mas também essa projeção poderá
mudar, se os preços continuarem fora dos padrões aceitáveis para o Brasil.
A
inflação acumulada no ano, até novembro, chegou a 3,13%. Em 12 meses bateu em
4,31%, taxa superior à meta para o período de janeiro a dezembro. Se tudo
correr bem, o balanço final será melhor, embora ainda haja fortes pressões.
Com
os consumidores cautelosos, só uma pequena parcela dos aumentos no atacado tem
sido repassada ao varejo. Mas o repasse tem afetado de modo sensível os preços
finais. Os mais prejudicados têm sido os consumidores de menor renda, porque a
alimentação tem maior peso em seu orçamento. O Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (INPC), baseado no consumo de famílias com renda salarial de um a
cinco salários mínimos, subiu 0,95% em novembro, 3,93% no ano e 5,20% em 12
meses.
Mas
o encarecimento da comida é só a face mais ostensiva da inflação. Outros preços
também têm subido, e isso inclui os monitorados, como os da gasolina, do gás de
botijão e da água e esgoto. O custo da alimentação tem sido em parte
influenciado pelo mercado externo, mas a cotação do dólar, muito alta na maior
parte do ano, também tem afetado os preços. As confusões do governo e as
incertezas sobre as contas públicas em 2021 têm sido importantes fatores de
instabilidade cambial e, portanto, de inflação.
Descaso com a saúde pública – Opinião | O Estado de S. Paulo
Bolsonaro
está cada vez mais convicto de que a saúde pública não lhe diz respeito
Em seus 30 anos de história, o Sistema Único de Saúde (SUS) jamais foi tão desafiado como em 2020. De um lado, pela necessidade de cuidar da saúde de milhões de brasileiros em meio à maior emergência sanitária que se abateu sobre o País desde a gripe espanhola de 1918-1919. De outro lado, por um governo que parece desvalorizar o sistema de saúde universal e gratuito como uma das maiores conquistas civilizatórias da sociedade brasileira e, por ação ou omissão, enfraquece a prestação dos inestimáveis serviços do SUS aos mais desvalidos.
O
SUS respondeu bem ao primeiro desafio. Não foram poucos os editoriais
publicados nesta página mostrando o quão importante foi o desempenho do SUS
para evitar que hoje o País pranteasse muito mais do que seus mais de 177 mil
mortos em decorrência da covid-19.
Quanto
ao segundo desafio, só o tempo vai dizer. Uma declaração do ministro da Saúde,
Eduardo Pazuello, o terceiro titular da pasta no curso da pandemia, ficará
marcada como um dos mais bem acabados retratos do descaso do governo de Jair
Bolsonaro pela saúde pública. “Eu não sabia nem o que era o SUS (antes de
assumir o Ministério da Saúde)”, disse o general intendente no início de
outubro.
Esse
descaso do governo de Jair Bolsonaro pela saúde pública vai muito além da
tibieza com que o Ministério da Saúde tem lidado com a campanha nacional de
vacinação contra o novo coronavírus. Ele se manifesta em decisões
governamentais, ou na falta delas, que impactam diretamente a qualidade dos
serviços prestados a todos os que acorrem ao SUS para cuidar da saúde. Um
exemplo recente ilustra bem os danos causados por essa administração que flerta
com a crueldade.
No
dia 7 de outubro, faltando apenas um mês para expirar o contrato do Ministério
da Saúde com o laboratório responsável pelos exames de genotipagem dos vírus da
aids e das hepatites virais, a pasta deu início ao pregão para escolher o novo
fornecedor do serviço. Em prazo tão exíguo, é evidente que a licitação não foi
concluída até o final de novembro, quando venceu o atual contrato, e os
serviços prestados pelo laboratório até então contratado foram suspensos.
Em
nota distribuída aos serviços de saúde no dia 3 passado, a pasta afirmou que
realizará os testes de genotipagem apenas em crianças com menos de 12 anos e
gestantes portadoras do vírus HIV. Já os pacientes acometidos por hepatite C
devem receber os medicamentos que dispensam a genotipagem até que novo contrato
seja firmado.
O
exame de genotipagem é fundamental para determinar que tipo de tratamento deve
ser realizado para cada tipo de vírus. Em última análise, a precisa combinação
entre patógenos e medicamentos é altamente benéfica aos pacientes, que passam a
ter uma chance de sucesso muito maior em seus tratamentos, e também ao erário,
na medida em que tratamentos mais assertivos aliviam a pressão sobre o SUS. Na
rede privada, um exame de genotipagem do vírus da aids custa, em média, R$ 2,3
mil. Das hepatites virais, R$ 1,5 mil.
A
boa gestão de um contrato é o mínimo que se espera de um ministro da Saúde. De
um com histórico de experiência em desafios logísticos, mais ainda. O que pode
explicar a demora para licitar um novo contrato faltando tão pouco tempo para
expirar o anterior? Está prevista a realização de novo certame nesta semana. Se
houver vencedor, a pasta prevê a retomada dos exames em janeiro.
Como
deputado federal, é bom lembrar, Jair Bolsonaro sempre criticou o custeio dos
tratamentos para a aids e as hepatites virais pelo SUS. A um programa de TV, em
2010, o presidente chegou a dizer que essas doenças eram “problemas deles (dos
pacientes)”. Dez anos se passaram e não se pode dizer que Bolsonaro tenha sido
tocado pela compaixão ou tenha moldado sua atuação em virtude da alta posição
que ora ocupa. Bem ao contrário. O presidente da República parece cada vez mais
convicto de que a saúde dos brasileiros não é algo que lhe diga respeito.
Inquéritos que não terminam – Opinião | O Estado de S. Paulo
Diligência
ao investigar não é só uma atitude recomendável, mas um imperativo legal
No dia 24 de abril, ao pedir demissão do Ministério da Justiça, Sérgio Moro denunciou reiteradas tentativas de interferência política na Polícia Federal (PF) por parte do presidente Jair Bolsonaro. No mesmo dia, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de inquérito para apurar as declarações de Sérgio Moro, em concreto, eventuais ocorrências de crimes de falsidade ideológica, coação no curso de processo, advocacia administrativa, prevaricação e obstrução de justiça.
O
Supremo logo abriu o inquérito, com relatoria a cargo do ministro Celso de
Mello. No entanto, depois de quase oito meses, ainda não há previsão para o
término da investigação. Tão deletério quanto não apurar indícios de crimes é
não concluir as investigações. O Estado deve ser diligente tanto para iniciar
uma investigação como para terminá-la. Só assim é possível impedir que
eventuais crimes praticados fiquem impunes e que suspeitas infundadas manchem a
honra de inocentes.
A
diligência ao investigar não é apenas uma atitude recomendável, mas um
imperativo legal. O Código de Processo Penal estabelece que “o inquérito deverá
terminar no prazo de dez dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou
estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia
em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver
solto, mediante fiança ou sem ela”.
A
conclusão do Inquérito 4.831 reveste-se de especial relevância tendo em vista
que a suspeita da prática de crimes recai sobre o presidente da República. Não
é bom para o País que haja, por tanto tempo, dúvidas a respeito do chefe do
Executivo federal em temas fundamentais num Estado Democrático de Direito –
principalmente a submissão da Polícia Federal a pressões políticas. Sérgio Moro
revelou o assunto em fins de abril e até hoje as autoridades competentes não
emitiram um parecer sobre a conduta do presidente Jair Bolsonaro.
Desde
setembro, o Inquérito 4.831 está enredado na discussão sobre a forma do
depoimento do presidente da República. Intimado para depor presencialmente nos
dias 21, 22 ou 23 de setembro, Jair Bolsonaro pediu ao Supremo, por meio da
Advocacia-Geral da União (AGU), que lhe fosse concedido o direito de prestar
depoimento por escrito.
Em
seu voto, o ministro Celso de Mello negou o pedido da AGU, sob o fundamento de
que a lei confere a prerrogativa do depoimento por escrito apenas a autoridades
na condição de testemunhas. O inquérito investiga a conduta de Jair Bolsonaro.
Assim, a concessão dessa prerrogativa feriria o princípio da igualdade de todos
perante a lei. Esse foi o último voto do então decano do Supremo, antes de se
aposentar no dia 13 de outubro. Depois, o ministro Alexandre de Moraes foi
sorteado novo relator do inquérito.
No
final de novembro, antes que o plenário do Supremo decidisse sobre a forma do
depoimento presidencial, a AGU informou que o presidente Jair Bolsonaro
desistia de prestar depoimento. Ante essa manifestação, o ministro Alexandre de
Moraes determinou, no dia 5 de dezembro, que o investigado não pode deixar de
ser submetido ao interrogatório policial, ainda que decida permanecer em
silêncio. Segundo o novo relator do inquérito, as garantias constitucionais
relativas ao direito ao silêncio e a não autoincriminação não significam
permissão para se “recusar prévia e genericamente a participar de atos
procedimentais ou processuais futuros”.
Na
decisão, Alexandre de Moraes solicitou ao presidente do STF, ministro Luiz Fux,
a inclusão urgente na pauta do julgamento, em plenário, sobre a forma do
interrogatório de Jair Bolsonaro. O Inquérito 4.831 está prestes a completar
oito meses. Destes, está quase parado há três meses à espera de que se decida
se o depoimento deve ser presencial ou por escrito. Se existe essa demora em
inquérito envolvendo o presidente da República, o que dizer das outras
investigações? A Justiça precisa ser muito mais ágil, muito mais efetiva.
Alta da inflação reduz prazo do governo para aprovar reformas – Opinião | O Globo
Elevação
de preços poderá ser contida se o Planalto mostrar que não perderá controle dos
gastos
A
inflação de novembro, divulgada ontem pelo IBGE, confirma os temores de um novo
ciclo de alta nos preços, com a economia ainda em recuperação de efeitos da
Covid-19, alto desemprego e falta de confiança na vontade política do governo
para tomar as medidas que a situação exige. O IPCA de 0,89% é a taxa mais alta
para o mês de novembro desde 2015, acima do 0,86% de outubro, confirmando a
tendência de alta desde o 0,24% de agosto.
Também
é preocupante a previsão de que a inflação persistirá em alta. O último
Relatório Focus, editado pelo Banco Central com projeções dos principais
departamentos de análises do sistema financeiro, trouxe uma estimativa do IPCA
para este ano de 4,21%, acima do centro da meta, 4%. Para o ano que vem, quando
o objetivo será de 3,75%, economistas preveem que o IPCA ficará acima disso
durante um bom tempo. Poderá até encerrar o ano perto de 4%, mas ficará além da
meta.
Por
trás dessa inflação, estão a subida do dólar, a alta de preços de mercadorias
no mercado internacional, o reajuste de tarifas públicas e o efeito de uma
demanda mais alta e crescente por serviços, que regredira durante a pandemia. A
alta nos preços dos alimentos, de 12,1%, foi a maior desde 2002 — e pune
sobretudo os mais pobres.
A
inflação deveria despertar todos os alarmes no Planalto. O governo deverá ser
obrigado a rever a manutenção dos juros no patamar historicamente baixo em que
estão (2%), porque a retomada mais intensa da atividade econômica, resultado do
arrefecimento provável da pandemia, acabará por aumentar ainda mais a pressão
da demanda e, por tabela, também os preços.
A
raiz da pressão inflacionária, contudo, não está na conjuntura. Trata-se de um
problema estrutural conhecido: o desequilíbrio fiscal crônico do Estado, que
desperta desconfiança do mercado na capacidade de o governo honrar suas
dívidas. Não bastasse a inflação já garantir mais despesas por indexar
benefícios previdenciários e assistenciais, essa desconfiança só aumentou com a
informação de que o relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC),
previa R$ 35 bilhões por fora do teto de gastos para gastar em obras de
interesse do governo.
Não
se espera mais uma explosão hiperinflacionária como no passado. Mas o país tem
um prazo curtíssimo, não mais que um ou dois anos, para demonstrar capacidade
de resgatar superávits e recolocar a dívida pública em trajetória descendente.
Do contrário, a pressão sobre os juros se tornará insuportável, com efeitos
negativos sobre o crescimento e consequências sociais nefastas. É por isso que
as reformas tributária e administrativa são tão importantes e, diante do risco
inflacionário, ainda mais urgentes.
‘Corrida maluca’ das vacinas não faz sentido algum – Opinião | O Globo
É
essencial uma estratégia nacional para imunizar a população de modo rápido e
justo contra a Covid-19
A
romaria de governadores a Brasília, em busca de uma estratégia nacional de
vacinação contra Covid-19, tem razão de ser. A pandemia chegou a um ponto
crítico. Cientistas alertam para a sincronização da alta de casos e mortes em
vários estados. Já é visível, em cidades como o Rio, o risco de colapso no
sistema de saúde. Enquanto isso, a população deposita esperanças numa vacina
que, até o momento, não está pronta.
Espalha-se
pelo Brasil aquilo que o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, descreveu
apropriadamente como uma “corrida maluca”. Cada estado ou município tenta se
garantir com a vacina que estiver a seu alcance. O governador paulista, João
Doria, apressou-se em anunciar o início da vacinação em São Paulo para janeiro,
sem haver ainda resultado preliminar sobre a chinesa CoronaVac, testada em
parceria com o Instituto Butantan. Persistem ainda dúvidas de ordem científica,
logística e jurídica sobre essa vacina.
Ainda
que ela receba sinal verde da Anvisa, haverá na primeira fase apenas 18 milhões
de doses (das 46 milhões previstas) para imunizar populações sob maior risco no
estado de São Paulo, além de outras 4 milhões para o resto do Brasil. Daria
para vacinar 11 milhões de pessoas. É muito pouco para a necessidade
brasileira. Na conta do Ministério da Saúde, seriam necessárias 420 milhões de
doses ao todo, daí a importância de apostar na maior variedade possível de
opções.
Só
que o Ministério da Saúde desdenha a vacina chinesa por um capricho ideológico
do presidente Jair Bolsonaro. Apostou todas as fichas na da AstraZeneca, que
começará a ser produzida em janeiro pela Fiocruz. Depois do atraso provocado
por um erro na última fase de testes, ela foi chancelada ontem pela revista
médica “The Lancet”. O ministro Eduardo Pazuello anunciou que estará disponível
no fim de fevereiro. Não sem antes ter partido para outro lance de marketing:
tentar garantir 70 milhões de doses da vacina da Pfizer, que traz desafios logísticos
imensos num país como o Brasil.
Nem
é preciso investigar quantos “superfreezers” de R$ 100 mil seriam necessários
para conservá-la abaixo de 70 oC negativos. A discussão aqui é mais primária:
não há plano para comprar e distribuir agulhas e seringas. Até o início da
semana, os fabricantes nacionais não haviam recebido pedido do governo para as
300 milhões previstas, cuja produção leva entre 60 e 90 dias.
Nada
há de errado na tentativa, ainda que tardia, de ampliar as opções ao alcance do
país. Ao contrário. Mas o que se vê, na falta de estratégia, é um salve-se quem
puder. Governadores e prefeitos partem para iniciativas isoladas, sem
coordenação nacional, essencial em campanhas de vacinação. O Observatório
Covid-19, iniciativa de pesquisadores independentes, resumiu com perfeição a
situação do plano de vacinação do governo: “São marcantes a falta de ambição,
de senso de urgência e de comprometimento em oferecer à população um plano
competente, factível, que contemple as diversas vacinas em teste, com
transparência e em articulação com estados e municípios”.
A corrida da vacina – Opinião | Folha de S. Paulo
Se
politização do imunizante é irreversível, que ao menos promova celeridade
A
disputa política em torno da vacina contra a Covid-19, que antagoniza o
presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), vai
mostrando lances cada vez mais explícitos.
Na
segunda-feira (7), o tucano apresentou um plano com
datas e números para a inoculação da Coronavac, o imunizante chinês
que será formulado e, depois, produzido no Instituto Butantan.
Enquanto
isso, no Palácio do Planalto, o presidente conclamava uma claque para
prestigiar a exposição do
terno que usou em sua posse, assim como o vestido da primeira-dama
na ocasião.
Seria
apenas patético, digno de um ditador personalista da Ásia Central, não fosse o
fato de que no mesmo dia estivesse o Brasil com a maior média móvel de óbitos
por Covid-19 desde outubro.
O
contraste na abordagem da pandemia ocorre desde os seus primórdios, quando a
doença era chamada de “gripezinha” por Bolsonaro —que agora parece atentar-se
para as possíveis consequências eleitorais de seu desdém.
O
presidente vê Doria como um adversário perigoso em 2022. O governador tucano,
por sua vez, não esconde sua pretensão presidencial. Em entrevista à Folha,
nomeou o combate à pandemia como um ativo eleitoral óbvio.
Se
tal politização, de lado a lado, é incontornável, resta esperar que ela sirva
para trazer mais transparência e celeridade ao processo de encontrar um
imunizante seguro e eficaz para a população.
Mesmo
que tenha adicionado teatralidade desnecessária ao anúncio de seu plano, Doria
dificilmente pode ser criticado por ter apresentado uma escala de imunização e
providências logísticas. Se a vacina se mostrar ineficaz, não terá sido aquele
o problema.
Até aqui, Bolsonaro jogou contra, com seu intendente à frente da Saúde postergando decisões.
Eduardo Pazuello, em encontro com governadores nesta terça, fugiu de responder
por que o imunizante chinês não recebeu anúncio ou aceno de investimento
federal apesar de estar no mesmo estado regulatório brasileiro dos dois que
receberam (AstraZeneca e Pfizer).
Ainda arvorou-se a
chefe da Anvisa, o que não é e onde já está instalado um presidente
bolsonarista, discorrendo sobre prazos dilatados para aprovação de vacinas.
Por
fim, Bolsonaro se dignou a prometer imunizante para todos. Pode ser balela, mas
é melhor do que promover seu alfaiate.
Oásis na metrópole – Opinião | Folha de S. Paulo
Cumpre
preservar o Jardim Alfomares, bastião de mata atlântica na selva de SP
Basta
contemplar imagens aéreas do Jardim Alfomares, encravado num bairro residencial
da zona sul de São Paulo, para se dar conta do valor paisagístico desse
remanescente de mata atlântica. Toda e qualquer autoridade urbana esclarecida
no mundo lutaria com afinco para preservar o parque.
São
63 mil metros quadrados de verde rodeados por denso casario. Apesar de
ecologicamente diminuto, o fragmento de vegetação natural se mantém como
refúgio de mais de uma centena de aves e até uma espécie de palmeira ameaçada
(Euterpe edulis) pela extração desenfreada de palmito-juçara.
Trata-se
de patrimônio histórico, se mais não fosse por guardar testemunho da exuberante
floresta tropical que já cobriu os domínios da metrópole e quase toda a faixa
litorânea do país —hoje o bioma brasileiro mais destruído.
Segundo
o Atlas da Mata Atlântica, apenas 12,4% de sua extensão original resistiram a
cinco séculos de devastação no Brasil.
O
Jardim Alfomares constituía, ainda, um bem arquitetônico significativo, que
sucumbiu à dinâmica imobiliária. Havia na chácara casa projetada por Oswaldo
Bratke e adornada com jardins de Burle Marx, conjunto demolido em 2002.
O
enclave verde foi vendido por uma herdeira do empresário Alfonso Martín
Escudero, de cujo nome se formou o acrônimo que denomina o jardim. No terreno
se construiriam casas de alto padrão, com doação de um terço da área de
vegetação para o município.
Movimentos
de moradores da região defendem há duas décadas a preservação. O Ministério
Público também questionou o parcelamento do terreno em lotes e a ausência de
estudos de impacto ambiental.
Houve
decisões judiciais favoráveis à incorporadora, e frustrou-se a tentativa de
obter tombamento pelo Condephaat, órgão estadual. Entra agora na contenda o
Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental
(Conpresp).
Por
unanimidade, os conselheiros decidiram abrir um
processo de tombamento em atenção a “valores
históricos-culturais que interligam os aspectos ambientais, a qualidade de vida
da população nesse local, com reflexos para a cidade como um todo”.
Paralisam-se, por ora, as intervenções no imóvel.
Espera-se
do Conpresp o reconhecimento do valor inestimável da fortaleza natural que
resiste, contra todas as probabilidades, à marcha batida do concreto.
PIB per capita retorna ao nível da década passada – Opinião | Valor Econômico
Somente
em 2030, o PIB per capita vai se igualar ao de 2013
Festejada,
a recuperação do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre ajudou a
reduzir as previsões de tombo no ano. Mas pouco aliviou a situação da população
quando se fala em PIB per capita. A perspectiva é que esse indicador, calculado
pela divisão do PIB pelo número de habitantes, vai fechar o ano no menor patamar
desde 2009.
Antes
da pandemia do novo coronavírus, esperava-se que o PIB per capita se
consolidasse neste ano ao redor de R$ 35 mil, o que seria o melhor resultado
desde 2015, segundo projeção do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). Naquele ano, o país passava por uma recessão, iniciada no fim de 2014 e
que se estendeu até 2016, período em que a queda acumulada do PIB per capita
ficou perto de 9%. Nos três anos seguintes, o fraco crescimento do PIB
praticamente empatou com a expansão da população.
Com
a retração econômica causada pela pandemia, no entanto, as previsões mais
otimistas jogaram o PIB per capita para pouco acima de R$ 33 mil no fim deste
ano, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas
(Ibre/FGV) - ou seja, de volta ao patamar do fim da primeira década do século.
Se
esta estimativa se confirmar, a queda do PIB per capita será de 5,4% neste ano,
mais acentuada do que a do próprio PIB, calculada em cerca de 4,5%. Pesquisa
Focus divulgada ontem apontava encolhimento de 4,4% da economia. Será também o
maior recuo de todos os tempos do PIB per capita, depois dos 6,3% registrados
em 1980.
Da
mesma forma, a recuperação do PIB per capita deve ser mais lenta do que a da
economia. Enquanto se espera que o crescimento do PIB fique ao redor de 3,5% no
próximo ano, a perspectiva é de que o PIB per capita aumente pouco mais de 2,5%
e volte ao patamar de 2019 apenas em 2022 ou 2023.
Pior
do que isso é a previsão de que vai levar ainda uma década para se voltar ao
melhor patamar de todos os tempos. Ou seja, somente em 2030, o PIB per capita
vai se igualar ao que foi registrado em 2013, quanto estava ao redor de R$ 37,5
mil a preços constantes de 2019, calculados pelo Ipea.
Todas
essas previsões, porém, levam em conta que os ventos favoráveis ajudem a
economia e tudo saia certo, o que é altamente improvável. A começar já por este
último trimestre do ano, que deve apresentar crescimento bem menor do que no
terceiro, e pelas incertezas esperadas para 2021.
Uma
das principais ameaças é a provável segunda onda da covid-19, que já afeta
países europeus e os Estados Unidos, que estão bem mais perto do que nós da
vacinação. O plano brasileiro de imunização é outra incerteza importante uma
vez que não está claro quando vai começar nem qual será sua abrangência. O
governo federal parece patinar nesse campo.
Além
das questões sanitárias, há muitas incertezas na economia. O término a partir
deste mês do auxílio emergencial deverá ter impacto importante. Depois de ter
beneficiado cerca de 65 milhões de brasileiros, socorrendo principalmente
trabalhadores informais e ajudando a sustentar o PIB, o auxílio emergencial foi
reduzido de R$ 600 para R$ 300 em setembro, e deve terminar neste ano. O
simples corte do auxílio emergencial e a perspectiva de seu término já aumentou
em cerca de 1 milhão o número dos que pleiteiam entrar para o Bolsa Família,
composta por 14,28 milhões de famílias (Valor,
4/12). Acredita-se que a fila vai aumentar ainda mais.
O
governo já levantou a possibilidade de ampliar o Bolsa Família ou criar um novo
programa social, de olho inclusive nos dividendos políticos da medida. Mas não
consegue articular uma fonte de financiamento. De modo que a proposta não vai
em frente. Enquanto isso, o desemprego supera os 14% segundo a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e tende a crescer mais com o fim do auxílio
emergencial.
Não parece também claro que o governo vai conseguir aprovar a agenda de reformas, como a tributária, a administrativa, consideradas importantes para alavancar a economia, melhorando a competitividade das empresas. Há, ainda, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, que regulamentará os gatilhos em caso de descumprimento do teto de gastos; a dos Fundos Públicos, do Pacto Federativo e, mesmo, o Orçamento da União para 2021.
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