O
cenário mais provável, contudo, é o recuo da inflação acumulada em 12 meses a
partir de meados de 2021
As projeções econômicas variaram bastante neste ano com a incerteza criada pela pandemia. A mediana das previsões de inflação IPCA de 2020 alteradas até cinco dias úteis antes no Focus recuou de 3,6% no começo do ano para 1,5% no início de junho. Desde então, porém, a mediana aumentou para 2,2% em setembro e acelerou até alcançar 4,25% no Focus de sexta-feira. A aceleração mais recente nas projeções deveu-se à decisão inesperada no fim de novembro da Aneel de reativar a bandeira vermelha na conta de luz de dezembro em razão do baixo nível dos reservatórios.
A
dinâmica da inflação no atacado é ainda mais surpreendente. A mediana das
expectativas de inflação IPA em 2020 variou entre 3,4% e 5,2% nos primeiros
cinco meses do ano. Desde então, a mediana cresceu continuamente, alcançando
12,4% em agosto e 33,8% no Focus de 4 de dezembro. Desde junho de 1995, a
inflação IPA acumulada em 12 meses - 33,9% em novembro - só superou a atual
mediana das expectativas para 2020 no 1º semestre de 2003, com a inflação
IPA-Agrícola de 60,6% sendo a mais alta do período.
Testes de causalidade de Granger indicam que a inflação IPA, assim como a inflação IPA-Agrícola, causa a inflação IPCA, quando consideradas as informações desde junho de 1995 ou, então, os dados desde 2016. Há risco, portanto, de a inflação ao consumidor mensal ser mais pressionada nos próximos meses.
Ao
mesmo tempo, a inflação IPCA acumulada em 12 meses tende a aumentar
seguidamente até próximo a 6% em meados de 2021 por conta da reduzida inflação
até agosto deste ano. Apesar de não ser o mais provável, essa dinâmica pode
elevar a persistência da inflação IPCA a ponto de as previsões de 2021
superarem o centro da meta de 3,75% em algum momento do próximo ano.
Eventual
aceleração da inflação IPCA de 2021 e das expectativas para 2021 e 2022,
atualmente em 3,3% e 3,5%, respectivamente, poderia ser associada a uma
expansão econômica rápida e muito vigorosa, derivada de: vacinação mais rápida
do que a indicada pelas ações do governo federal; maior confiança no
cumprimento da Regra do Teto dos Gastos (RTG) com a aprovação de cortes de gastos
obrigatórios; recuo acelerado do desemprego; e impacto mais benigno dos atuais
juros reais na economia.
O
cenário mais provável, contudo, é o recuo da inflação acumulada em 12 meses a
partir de meados de 2021, ou mesmo antes, pois grande parte dos efeitos que
pressionam a inflação neste semestre será atenuada ou mesmo revertida:
A
alta de preços de commodities agrícolas e metálicas tende a diminuir
substancialmente, devido à reversão recente da depreciação cambial até novembro
e da esperada acomodação do aumento da demanda global deste ano.
A
interrupção ou mesmo a diminuição do Auxílio Emergencial (AE) reduzirá a renda
de parte dos seus beneficiários, restringindo a demanda de vários setores e,
consequentemente, atenuando a pressão inflacionária, em particular de alimentos
e bens duráveis, gerada neste ano pelo forte aumento do consumo advindo da
transferência de renda de cerca de R$ 300 bilhões do programa neste ano.
O
fim durante 2021 da garantia de emprego para cerca de 10 milhões de
trabalhadores obtida com o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da
Renda (BEM), que custeia a folha de pagamento das empresas em troca dessa
garantia, causará a perda de emprego de parcela dos beneficiários, gerando
perda de renda e redução do consumo dessas famílias frente a 2020.
A
normalização das cadeias produtivas diminuirá o desabastecimento de insumos em
vários setores, observado quando da rápida recuperação do consumo a partir do
fim do 2º trimestre em 2020. A diminuição do desequilíbrio entre demanda e
oferta tende a reduzir a pressão inflacionária.
A
efetivação da bandeira vermelha neste mês, em vez de ser adotada no próximo
trimestre, contribuirá para o recuo nas próximas semanas das previsões de
inflação de 2021.
A
atividade global e local desacelerará no 4º trimestre, com o risco de acomodação
do PIB no 1º trimestre de 2021, como consequência de afastamentos sociais,
mesmo que voluntários, e de restrições ao funcionamento do setor de serviços.
Em um ambiente de hiato do produto aberto, ociosidade muito elevada e lenta
normalização do mercado de trabalho, a desaceleração da atividade diminuirá as
pressões inflacionárias em 2021.
A
perspectiva de cumprimento da RTG elevaria a previsibilidade na economia, ao
reduzir temores de desequilíbrio fiscal, e poderia ajudar, por outro canal que
não o da demanda, a manter as previsões de inflação IPCA em patamar reduzido
por um período mais longo - abaixo do centro da meta de 3,75% em 2021 e ao
redor do centro de 3,5% em 2022.
Esse
balanço de riscos para a inflação é compatível com a repetição na reunião de
dezembro do Copom do “forward guidance” de estabilidade da taxa Selic em 2% por
um período prolongado, sob a hipótese de recuo da inflação nos primeiros meses
de 2021 frente aos valores deste final de 2020 e de altas de preços no 2º
semestre de 2021 inferiores a 2020.
A
curva de juros apreçava no início desta semana alta da taxa Selic de 300 pontos
base (pb) em 2021 e 200 pb em 2022. A atual incerteza é compatível com uma
curva de juros que incorpore o início do aperto monetário em 2021, embora
pareça exagerado apreçar alta da Selic já nas primeiras reuniões do ano. Caso
se considere a elevação só a partir da reunião de junho do Copom, os preços dos
contratos futuros de juros de janeiro de 2022 e de janeiro de 2023 seriam
compatíveis com um aumento da Selic de 75 pb por seis reuniões seguidas
(junho/21 a janeiro/22).
Com
a expectativa nos países centrais de juros próximos a zero por um longo
período, é difícil assumir no Brasil uma alta da Selic de 375 pb em 2021. Esse
aperto monetário não parece resposta razoável para o cenário de gradual
elevação da inflação. Isso só ocorreria sob um ambiente de descontrole fiscal
ou de grande mudança do padrão da inflação. Infelizmente, a primeira condição
está longe de ser muito improvável.
*Nilson
Teixeira, sócio-fundador da Macro Capital Gestão de Recursos, Ph.D. em economia
pela Universidade da Pensilvânia
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